Quatro horas a menos de trabalho
por semana (sem redução de salário), mais tempo para ficar com a família,
se divertir um pouquinho, quem
sabe estudar e, principalmente,
abrir espaço no mercado de trabalho para os cerca de 12 milhões de desempregados do País. Para
os trabalhadores, um sonho, para
os empresários pode deixar de ser
um pesadelo na medida em que se entenda redução da jornada como
parte de um movimento de duas mãos: de um lado, reduzem-se as horas de trabalho para gerar mais empregos; de outro, criam-se incentivos
para reduzir custos e manter a competitividade das empresas.

No próximo ano, essa sintonia que ainda está desafinada vai entrar em cena. O novo governo já anunciou que vai trabalhar pela redução da jornada de 44 horas para 40 horas semanais sem a redução dos salários. É um dos principais compromissos de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, registrado no documento intitulado “Mais e melhores empregos-2002”, discussão que será conduzida pelo Fórum Nacional do Trabalho, com a participação de trabalhadores, empresários e governo.

A batalha é antiga, sempre polêmica, acirrada, com um forte componente de luta de classes. Na fase inicial do capitalismo, no século XVII, a jornada de trabalho chegou a três mil horas/ano, e ao longo das revoluções industriais, nos séculos XVIII e XIX, alcançou quatro mil horas/ano. A forte resistência e luta dos trabalhadores obrigou empresários e Estado a aceitar a redução. Aqui, no século XXI, a polêmica entra na ordem do dia, entoando de certa forma o refrão da campanha que no início do século XX os trabalhadores franceses colocaram nas ruas: oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso. “Sou absolutamente a favor num contexto que não me tire competitividade”, diz Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq) – que reúne mais de 300 empresas, 26 mil empregados e com faturamento estimado em R$ 1 bilhão para 2002 – e vice-presidente da CCE, fabricante de eletroeletrônicos, que emprega seis mil pessoas. A contrapartida dessa anuência: ampliação do prazo de pagamentos de impostos para não ter que pegar dinheiro no banco para cobrir a defasagem entre o recebimento do cliente e o pagamento dos tributos (no caso de uma boneca, por exemplo, a indústria recebe em 90 dias e paga o imposto sobre produtos industrializados – o IPI – em 15 dias). Feita a afinação num amplo debate, o presidente da Abrinq não tem dúvidas de que a redução da jornada, no contexto de que o Brasil precisa mudar, faz parte do jogo. Causa “certa espécie” no empresariado, vai provocar tensão, mas é preciso conversar com quem entende e seguir em frente, ele admite. “O cavalo encilhado está passando e o País não pode perder essa oportunidade de mudar.”

Se passar na avenida Paulista, cruzará a galope o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Seu presidente, Horácio Lafer Piva, diz que a redução por si só não é uma solução, mas um problema que reflete “excesso de simplismo, um reducionismo”. Para o empresário, a redução da jornada não tem relação direta com a geração de emprego na mesma proporção, mas sim com o aumento do custo da hora trabalhada e, consequentemente, dos preços e da inflação. “É uma pressão de custo que não tem sentido.” A entidade está encaminhando ao coordenador da equipe de transição do novo governo, Antônio
Palocci, um documento com propostas sobre as reformas trabalhista
(no qual se inclui a redução da jornada), tributária e previdenciária,
setor de energia, crédito e capitalização de empresas.