No melhor momento de sua campanha à Presidência da República, o candidato do PSB, Anthony Garotinho, viveu uma semana de gala. Na segunda-feira 2, ele animou o debate dos presidenciáveis na Rede Record e já no dia seguinte comemorava. Logo pela manhã, ao chegar na redação de ISTOÉ para conceder a entrevista a seguir, dizia com incontrolável alegria que um site lhe atribuía a melhor performance do embate, com mais de 50% de aprovação. Horas depois, tomava conhecimento dos dados do Ibope. Segundo o Instituto, Garotinho está a apenas seis pontos porcentuais (11% a 17%) de Ciro e de Serra, portanto muito perto de entrar para valer na briga por uma vaga no segundo turno. Se, no debate da Record, o candidato se aproveitou do talento de radialista, comunicador de massa, para usar o pouco tempo disponível e disparar forte contra seus adversários, nesta entrevista, sem a preocupação do cronômetro, ele mostra que os petardos não são apenas foguetório. Polêmicas, sim. Ousadas, também. O certo é que o candidato tem, efetivamente, uma proposta de governo para submeter ao eleitorado brasileiro. Nesta entrevista, Garotinho explica seu programa, diz por que se considera diferente dos concorrentes e não deixa, em nenhum momento, de disparar suas farpas para todos os lados. Ele acusa a dupla FHC/Serra de entregar o Brasil ao capital estrangeiro, garante que Ciro não fará mudanças ao lado de pefelistas como Jorge Bornhausen e Antônio Carlos Magalhães, considera Lula despreparado e novo aliado do sistema. Também dá sua versão sobre como e por que os banqueiros teriam feito com que a mídia maltratasse sua candidatura.

ISTOÉ – Qual o seu projeto para o Brasil?
Anthony Garotinho –
O Brasil não definiu a sua estratégia enquanto nação e tem ficado sem um rumo. Nós do PSB criamos um projeto nacional de desenvolvimento, com algumas premissas fundamentais. São premissas que se opõem ao atual modelo, que privilegiou o sistema financeiro. Nós teremos que fazer uma mudança no sentido de que o Brasil tenha uma economia voltada para o setor produtivo. A segunda premissa é que este modelo é concentrador de renda. Nós queremos fazer um modelo cuja característica principal seja a distribuição de renda. O terceiro ponto é que esse modelo baseado no sistema financeiro é um modelo de instabilidade e nós queremos trocar o modelo de instabilidade por um modelo de estabilidade.

ISTOÉ – A estabilidade não é uma das principais marcas do governo?
Garotinho –
O governo vende uma falsa ilusão de estabilidade econômica. Mas estabilidade econômica não é estabilidade de preços. Estabilidade econômica pressupõe equilíbrio no balanço de pagamentos, na balança comercial e alto nível de emprego. O que temos hoje é um modelo de dependência externa e queremos uma inclusão soberana do País dentro do processo de transformações que o mundo está vivendo. Por falta de um projeto, compramos um modelo que nos deixou extremamente vulneráveis. Precisamos nos inserir na globalização, não na periferia do capitalismo, que é para onde nós fomos empurrados. Somos um país periférico.

ISTOÉ – Como reverter a concentração de renda?
Garotinho –
Há duas formas mais rápidas para isso. Uma é via aumento de impostos: taxar um setor para transferir riqueza para o outro. Isso o Brasil não pode mais, porque a carga tributária chegou a um nível tal que esse caminho não é viável. A outra é aumentando o salário mínimo. Historicamente, os momentos em que você teve a menor diferença entre os de cima e os de baixo foram quando aconteceram os aumentos reais do salário mínimo. Isso no período de Vargas e depois no período de Jango. Por isso, insisto em ter um salário mínimo de R$ 280 no primeiro ano e de R$ 400 no segundo ano.

ISTOÉ – O que os economistas afirmam é que ao aumentar o mínimo iremos explodir a Previdência.
Garotinho –
O salário mínimo tem que ser visto sob dois aspectos: o econômico e o cultural. Pelo aspecto cultural, na época da abolição da escravatura, os economistas diziam que, se fosse feita a abolição, a agricultura iria falir, porque os escravos eram uma mão-de-obra barata. Foi feita a abolição e a agricultura brasileira não faliu. Com o salário mínimo é a mesma coisa. Como é que o Brasil pode ter um salário mínimo que do ponto de vista objetivo é menor que o do Paraguai?

ISTOÉ – Mas e a Previdência?
Garotinho –
Vamos ao lado ideológico. Há um bloqueio das elites brasileiras quando se trata de salário mínimo. O mesmo cidadão que diz que não pode pagar um salário mínimo de R$ 280 a sua empregada gasta R$ 500 num jantar no final de semana, num restaurante do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Do ponto de vista econômico, quanto custa o salário mínimo e seus benefícios indiretos? Para R$ 280, custa R$ 21 bilhões por ano.

ISTOÉ – E onde buscar esse dinheiro?
Garotinho –
A cada ponto porcentual que você diminui na taxa de juros, você faz uma economia hoje de R$ 5 bilhões. Além do mais, você tem R$ 40 bilhões de custeio do governo. Corta 10% do custeio, dá R$ 4 bilhões, aumenta a receita da Previdência. Então é perfeitamente factível dar um salário mínimo de R$ 280. Eu dei no Rio de Janeiro um salário mínimo muito maior do que a União. Diziam que iria tirar a competitividade do comércio no Rio de Janeiro, e não tirou. Diziam que iria aumentar o desemprego no Estado, e o Rio de Janeiro teve a menor taxa de desemprego das regiões metropolitanas do Brasil.

ISTOÉ – O sr. sugeriu ao candidato José Serra que adotasse desde já as medidas que ele anuncia para a criação de oito milhões de empregos. O Lula fala em dez milhões. Qual o seu projeto para criar ofertas de emprego?
Garotinho –
Nós temos em nosso programa o compromisso de criar oito milhões de empregos. A diferença com o Serra é que nós não estamos no governo. O candidato do governo promete criar em quatro anos aquilo que ele teve oito anos para fazer e não fez. Nós entendemos que há uma questão que não pode ser colocada de lado: a acumulação de riqueza. Quem ganhou com o governo Fernando Henrique foram os bancos. Existe uma regra em economia que serve para qualquer país do mundo e essa regra diz: juro alto, pouco crédito; pouco crédito, pouco emprego. Então, a primeira medida que você tem que adotar é reduzir a taxa de juros.

ISTOÉ – Mas, como diz o governo, isso não afugentaria o capital estrangeiro?
Garotinho –
Mesmo que os juros diminuíssem para um pouco menos da metade, para 6%, em vez de 10%, quatro pontos, ainda assim uma taxa de 6% de juros reais seria o dobro da média dos países emergentes. Os investidores não fugiriam do País como o governo apregoa. O Brasil comprou uma história que os economistas americanos vendem, mas não praticam. Não é a economia que determina a política, mas o contrário, a decisão política é que determina os atos econômicos. Você não elege o ministro da Fazenda, você elege o presidente.

ISTOÉ – O sr. vai cumprir o acordo com o FMI?
Garotinho –
Primeiro quero deixar claro qual foi minha posição em relação ao acordo. Eu frisei que o FMI é um banco. Um país que vai em quatro anos três vezes a um banco é porque não está bem. Nós não temos que comemorar uma ida ao banco, e o governo estava dando uma repercussão ao acordo com o Fundo como se isso fosse uma grande vitória. Então eu quis marcar minha posição no seguinte: quando você vai ao banco, é porque a sua política está errada, você vai ao banco quando está precisando de dinheiro, vai ao banco quando fracassou. A terceira ida ao Fundo Monetário Internacional nos últimos quatro anos demonstra o fracasso da política econômica do governo Fernando Henrique.

ISTOÉ – O sr. vai cumprir o acordo?
Garotinho –
Nós vamos renegociar e há muita margem para isso. Os interesses americanos no Brasil são muito grandes. O erro dos governantes brasileiros é um eterno complexo de inferioridade e achar que o Brasil, com o tamanho da economia que tem, com o tamanho do capital estrangeiro investido no Brasil, pode ser tratado como outro país qualquer. O Brasil, com todo o respeito à Argentina, não é a Argentina, o Brasil não é o Chile. Tem que ser negociado um acordo que implique benefícios para o País e não mais sacrifícios.

ISTOÉ – Sobre a Alca, o sr. apóia o plebiscito?
Garotinho –
Apóio. Vou votar contra a Alca e contra a base de Alcântara. Esse é o momento em que a população toma conhecimento dessas questões que vão interferir na vida dela, na questão do emprego dela. Isso não pode ficar sendo decidido por um grupo de tecnocratas, de burocratas que, depois que fazem todo esse rol de medidas, vão trabalhar nos seus empregos no Exterior e deixam a situação de dificuldade para aqueles que vivem aqui.

ISTOÉ – O sr. falou que tem de investir no setor produtivo. Como é que fica Angra III e o seu projeto para recuperar o setor energético brasileiro?
Garotinho –
Nós defendemos o seguinte: a melhor matriz energética do País é a que é diversificada. Mesmo sendo contra o Brasil desenvolver um novo programa nuclear, é um desperdício de dinheiro público não construir Angra III. Nós vamos concluir Angra III. Paralelamente a isso, o Brasil tem que desenvolver um grande programa, e rápido, de termelétricas a gás, pois temos gás abundante na bacia de Campos. E construir algumas hidrelétricas que são estratégicas para o País, principalmente na região Norte, onde o Brasil tem um potencial hidráulico fantástico.

ISTOÉ – Em seu programa de governo há outras duas questões que os críticos do ambientalismo abominam: o asfaltamento da Transamazônica e da Cuiabá–Santarém, dois grandes vetores de desmatamento.
Garotinho –
Mesmo sem estrada, a Amazônia vem sendo devastada. A questão é da fiscalização, do rigor, não do asfalto. Nós não podemos adotar o modelo do homem predador. Mas também não podemos adotar o modelo de deixar o meio ambiente totalmente intacto. O desenvolvimento sustentável, que é o que nós pregamos, é a integração do homem ao meio ambiente.

ISTOÉ – No seu programa de Saúde, o sr. fala em radicalizar a implantação do SUS. O que significa isso?
Garotinho –
É fazer com que o SUS seja desenvolvido na ponta. Hoje, a desordem do sistema acontece porque você tem um sistema único de saúde que pressupõe que toda a assistência básica deva ser feita no município. Pegue, por exemplo, o caso da cidade do Rio de Janeiro: tem o hospital público municipal fazendo a mesma coisa que o hospital estadual, que o hospital federal e o hospital particular conveniado. Isso é um desperdício de dinheiro. Você tem que fortalecer o sistema de saúde colocando nos municípios a atenção à saúde básica da população. Investir em saúde preventiva é fundamental também. Você gasta muito menos fazendo política de prevenção do que fazendo política depois para tentar curar a doença das pessoas.

ISTOÉ – O sr. critica muito a política de alianças, principalmente do Lula. Mas não é preciso ter um arco de alianças para governar?
Garotinho –
Sim, para governar é preciso. Mas, para chegar lá, você não pode descaracterizar sua candidatura e seu programa. Depois de o candidato eleito, ele deve buscar as condições para governar. Mas, durante a campanha, você deve sinalizar para a sociedade a diferença entre o que representa sua candidatura e o que representam as outras candidaturas. Você pode até perder a eleição, mas não pode perder a coerência.

ISTOÉ – Os outros candidatos venderam a alma ao diabo?
Garotinho –
Bem, é a isso que assistimos no processo eleitoral.

ISTOÉ – No começo de sua campanha, o sr. pode ter prescindido dos partidos, mas o cálculo de sua candidatura era que partiria dos votos evangélicos. Esse apoio não veio da forma como o sr. esperava ou foi o sr. que, no meio da campanha, por pressão da direção do PSB, diminuiu o apelo evangélico da candidatura?
Garotinho –
Lamento dizer que os institutos de pesquisa serão expostos a uma situação muito complicada quando as urnas forem abertas. Eu tenho pesquisas que apontam números completamente diferentes desses.

ISTOÉ – Por quê?
Garotinho –
Os institutos de pesquisa não levam em consideração esse viés evangélico. Quando vão ouvir alguém, eles usam a chamada estatística tradicional: sexo, fazem a ponderação por faixa etária ou nível socioeconômico, local de moradia e renda. Essa é a tabela básica. Nós tomamos o cuidado de fazer pesquisas cumprindo todos esses requisitos, porém fazendo uma outra pergunta: a qual religião você pertence? O resultado é completamente diferente. Entre os 18% evangélicos do País, eu tenho quase 50%. Só isso dá nove. Eu não tenho hoje nas pesquisas que nós fazemos menos de 14%. Estou em empate técnico com o Ciro e com o Serra, e vocês verão quando as urnas forem abertas.

ISTOÉ – O viés religioso não restringiu demais sua candidatura?
Garotinho –
Eu podia ser hipócrita. Até alguns marqueteiros me recomendaram isso. Mas não posso ser diferente daquilo que sou. Sou um professor de escola bíblica, faço isso há muitos anos. Vou deixar de ser assim só porque sou candidato a presidente da República?

ISTOÉ – Mas o sr. reduziu o apelo religioso, evangélico. Foi pressão do Miguel Arraes, presidente do PSB?
Garotinho –
Reduzi apenas porque achava necessário. Meus adversários estavam fazendo uma exploração em cima dessa questão. Era preciso mostrar aquilo que eu sempre falei. Eu nunca disse para os evangélicos: votem em mim porque sou evangélico. Eu já fui deputado, fui prefeito duas vezes, fui o governador dos grandes Estados com melhor avaliação do DataFolha. E o Rio de Janeiro tem 20% de evangélicos, não tem 80%.

ISTOÉ – Como o sr. vai tratar temas polêmicos como aborto, união civil homossexual e descriminalização da maconha?
Garotinho –
Isso não compete ao presidente da República. Isso é questão do Congresso Nacional.

ISTOÉ – Se o Congresso aprovar, o sr. não veta?
Garotinho –
Como governador do Rio de Janeiro, eu governei para todos os cidadãos. Como presidente da República, serei presidente de todos os brasileiros.

ISTOÉ – Mas, uma vez aprovados, o sr. não veta? O presidente tem o direito de veto.
Garotinho –
E o Congresso tem o direito de derrubar o veto do presidente.

ISTOÉ – Mas qual a sua opinião sobre, por exemplo, união civil homossexual?
Garotinho –
Há assuntos mais importantes, até porque não está se tratando desse tema no Congresso. O que está se tratando no Congresso é de um contrato civil entre duas pessoas, e esse contrato civil pode se dar entre dois irmãos que viveram juntos, construíram bens juntos.

ISTOÉ – O sr. é a favor?
Garotinho –
O contrato civil já existe. Eu apenas acho ele inócuo, porque já existe.

ISTOÉ – Não é hipocrisia fingir que essa lei não foi feita para atender os homossexuais?
Garotinho –
Não sei, eu não posso achar que a Marta Suplicy é hipócrita. Se você tem essa visão dela, eu não tenho.

ISTOÉ – É o sr. que trata desse assunto dessa forma, não é a prefeita Marta. O Congresso Nacional e a sociedade brasileira sabem que essa lei se destina a um objetivo específico. Não tratar dessa forma não é uma maneira de fugir da discussão?
Garotinho –
A minha posição é amplamente conhecida pela sociedade.

ISTOÉ – E sobre o aborto?
Garotinho –
Sobre o aborto, eu trato dessa questão de uma forma muito clara. Não é do ponto de vista religioso. Na sua opinião, a vida começa na concepção ou no nascimento? Essa é uma questão clara, porque, se a vida começa na concepção, não começa no nascimento, e sim quando a criança foi gerada. Nesse caso, você não tem o direito de influir sobre a vida de outra pessoa.

ISTOÉ – Essa é uma questão filosófica levantada, inclusive, pela Igreja. São Tomás de Aquino disse justamente que a vida existe a partir do nascimento.
Garotinho –
Do nascimento, não. Da concepção…

ISTOÉ – Esse foi o Santo Agostinho.
Garotinho –
A minha visão é a partir da concepção. Não é questão religiosa, é científica. Sou a favor do planejamento familiar. Isso é outra coisa. Ninguém tem o direito de tirar a vida do outro.

ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre os pastores evangélicos atacando ferozmente os umbandistas e candomblecistas?
Garotinho –
Olha, quem for intolerante não é seguidor de Jesus, porque não houve ninguém mais tolerante do que Jesus. Ele dizia: vocês querem saber qual é o maior mandamento? Amar a Deus. E o segundo, amar o próximo. Não confunda religião com igreja. As igrejas criam suas normas próprias, suas doutrinas, que muitas vezes não têm nenhum amparo bíblico. Onde é que está escrito, por exemplo, que mulher não pode usar saia acima do joelho ou não pode cortar cabelo? No entanto, há religiões que adotam essas normas. Intolerância não é prática de cristão. A prática do cristão é o respeito, o amor ao próximo, viver bem e em harmonia com todos.

ISTOÉ – Voltando à política, Ciro e Lula estiveram na Febraban. O sr. não foi convidado?
Garotinho –
Fui convidado, mas não fui à Febraban para manter a minha coerência. Dos candidatos, eu sou o que tem feito um discurso mais crítico ao favorecimento deste governo aos bancos. Ir lá para sentar com eles, como os outros candidatos fizeram, em reunião reservada, eu acho que não ia dar um bom exemplo. As coisas têm que ser públicas. Não posso me reunir com os bancos, aos quais tenho criticado, tenho colocado posições bastante duras, a portas fechadas. Se eles quiserem uma reunião pública, me reúno com eles.

ISTOÉ – Dá para governar sem o apoio dos bancos?
Garotinho –
Não. Ganhando é outra coisa. Ganhando, eles terão que sentar com o presidente da República. Não sou eu que vou sentar com eles, eles é que vão sentar comigo.

ISTOÉ – O sr. pretende criar incentivos e subsídios às empresas nacionais, seja para que elas invistam em capacitação tecnológica, seja na exportação?
Garotinho –
Nós temos que crescer rapidamente para não entrarmos num processo de estrangulamento. O setor que pode nos fazer crescer depressa é a agricultura, mas o Brasil não pode continuar exportando produto primário. Precisamos financiar o agronegócio, reduzir ainda mais a taxa de juros fixa para a agricultura, até chegar a 6%, que foi o patamar médio histórico do País, e aumentar o volume de crédito. Em 1979, o Brasil colocou em torno de R$ 60 bilhões de crédito agrícola. A previsão para este ano é de R$ 26 bilhões. É muito pouco.

ISTOÉ – O sr. fala de produto básico. E quanto à área do conhecimento?
Garotinho –
Para crescer rápido tem que melhorar o nosso desempenho agrícola, agregando valor aos nossos produtos. Como é que você acha que a Alemanha, que não tem um pé de café, é o maior exportador de café solúvel do mundo? Compra o nosso produto, agrega valor e vende por um valor infinitamente superior. Então, tudo isso pode ser feito aqui no País. Para isso, é preciso investir também nas empresas com base científico-tecnológica para que elas possam crescer.

ISTOÉ – O que o sr. achou do projeto do orçamento do governo para o ano que vem?
Garotinho –
Mais uma vez repete o modelo dos anos anteriores. Privilegia o pagamento dos juros e da dívida, promove cortes substanciais em toda a área social e prevê um aumento ridículo de R$ 11 no salário mínimo. É o coroamento dessa política fracassada da era Fernando Henrique.

ISTOÉ – O sr. costuma dizer que melhorou muito a segurança pública do Rio. No entanto, as comunidades pobres estão cada vez mais sob o domínio de traficantes.
Garotinho –
Fiz cursos na França, na Inglaterra e em outros países do mundo. Hoje, me desculpem a falsa modéstia, entre os homens públicos brasileiros, pouca gente entende de segurança pública da forma que eu entendo. A criminalidade, histórica e cientificamente, se divide em dois vetores: o crime organizado e a delinquência. Para a delinquência, trabalhamos com programas de inserção dos jovens. Criamos o Jovens pela Paz, bolsas de trabalho para os jovens, para que eles possam ter oportunidade de trabalhar, ganhar um pouquinho de dinheiro e não serem recrutados pelo tráfico. Tem que ter oportunidade de trabalho. É assim que se enfrenta a delinquência.

ISTOÉ – E o crime organizado?
Garotinho –
Criei um serviço de inteligência nas delegacias especializadas. Algumas deram um resultado muito positivo. A de sequestro deu resultado muito positivo; roubo e furto de automóveis deu resultado muito positivo. O Rio foi o único Estado do Brasil em que, pela primeira vez em sua história, as seguradoras de automóveis diminuíram o preço do seguro. Outras não tiveram resultado tão positivo, porque não dependem única e exclusivamente do Estado. Por exemplo, tráfico de drogas. No Rio não se fabricam armas nem se planta maconha ou se refina cocaína. Então, o que ocorre? Quem é responsável constitucionalmente por esses crimes? Tráfico de drogas e tráfico de armas são crimes federais. O governo federal sempre se omitiu em relação a essa questão e entregou esse problema para os governadores. Enquanto o Brasil não cuidar de fechar suas fronteiras, não vai resolver essa questão.

ISTOÉ – O sr. pretende envolver as Forças Armadas nessa briga?
Garotinho –
Na ação de rua, não. Militar do Exército não é preparado para isso. A questão central é fechar as fronteiras para diminuir a entrada de armas e drogas no País. Esse é o primeiro grande desafio a ser enfrentado pelo próximo presidente da República. No Rio, nós mapeamos 30 grandes controladores de drogas. Desses 30, nós prendemos 29. Mas, se você não interrompe esta entrada, não adianta nada.

ISTOÉ – Não há dinheiro para novos recrutas. Como fechar as fronteiras?
Garotinho –
Tem que investir nas Forças Armadas e tem que investir na Polícia Federal. O que a PF tem hoje não chega a seis mil homens operacionais. Tem que aumentar o efetivo e fazer com que ela ajude os Estados a montar sistemas de inteligência que possibilitem uma integração com um sistema único nacional, um cadastro único, que está previsto no meu programa de governo para a segurança pública no Brasil.

ISTOÉ – O sr. se diz vítima da mídia…
Garotinho –
Se não tivesse sofrido o cerco que sofri da mídia e as pessoas tivessem a oportunidade de conhecer o verdadeiro Garotinho, eu ganharia fácil essa eleição. Com todo o respeito que tenho pelo Lula, ele não tem condições de governar o País, não tem a experiência necessária. Com todo o respeito que tenho pelo Ciro, e ele tem talento, mas as alianças que ele fez são as alianças que deram sustentação a esse modelo econômico atual. Ou alguém acredita que vai mudar o Brasil aliado com ACM, com Bornhausen… A polarização clara seria Garotinho e Serra. Mas eu sei que minha campanha foi muito cercada, os bancos identificaram desde o início o meu discurso contra eles e, como eles têm muito poder e uma influência enorme na maior parte da mídia, fizeram um cerco em torno da minha candidatura.

ISTOÉ – Qual é a queixa concreta que o sr. tem da mídia?
Garotinho –
Por exemplo, o tempo inteiro eu fui tratado como populista.

ISTOÉ – O sr. não é?
Garotinho –
Não.

ISTOÉ – E por que o sr. acha que essa imagem foi construída?
Garotinho –
Me paparicavam que era uma beleza, até que ocorreu o episódio do João Moreira Salles (cineasta, filho do banqueiro Walter Moreira Salles). Esse serviço de inteligência da polícia que nós montamos, na busca dos 30 traficantes, detectou por acaso conversas telefônicas entre o Marcinho VP e o sr. João Moreira Salles. Sofri uma pressão terrível da sociedade para que ele nem sequer fosse depor, a ponto de auxiliares meus saírem do governo. Não cedi. O rapaz foi lá, depôs, foi indiciado pelo Ministério Público e condenado a ensinar cinema.

ISTOÉ – E por isso a imprensa se voltou contra o sr.?
Garotinho –
Toda a imprensa do Rio de Janeiro se voltou contra mim, liderada pelas Organizações Globo, por causa das ligações que ele tinha com a Globo.

ISTOÉ – Mas certamente não foi por essa razão que o sr. teve problemas para formar uma ampla aliança política.
Garotinho –
Foi também. O PT saiu do governo no momento dessa crise. Eu disse a Zé Dirceu (Presidente nacional do PT) e a Benedita na minha casa: Vocês estão cometendo um erro, vocês estão achando que com essa pressão o meu governo vai sucumbir. Eu vou até o fim, o meu governo não vai pro buraco, não. Resultado: a Benedita rompeu, acabou perdendo a eleição de prefeita do Rio por causa disso e inviabilizou um entendimento nosso em nível nacional, que podia ser perfeitamente viável se eles tivessem permanecido no governo. Sei que houve uma reunião da Febraban, em que os banqueiros decidiram me bater porque o dr. Moreira Salles era um homem intocável, e falar da família dele seria uma ofensa. Eu não tenho nada contra eles. Agora, eu não posso dar uma ordem para a lei ser assim para João da Silva e não ser para o João do banco. Não posso fazer isso! Ele mantinha um traficante hospedado num hotel em Buenos Aires, a pretexto de escrever um livro. Cadê o livro? Cobrem dele o livro que ia sair.

ISTOÉ – Em seu programa, o sr. defende um sistema de cotas para o ingresso nas universidades, o que é bastante polêmico…
Garotinho –
É polêmico, mas representa uma garantia para aqueles que estudaram em escola pública. Retomar a qualidade do ensino público vai levar tempo. Então, enquanto não se faz isso defendo um amplo programa de crédito educativo para os jovens que querem ter acesso à universidade. Porém, só faremos convênio com instituição particular que passar pelo crivo do Conselho Federal de Educação, para não alimentar uma série de universidades privadas que são na verdade fábricas de diploma.

ISTOÉ – E política externa. Qual seu projeto para o Brasil?
Garotinho –
O Brasil tem que assumir o seu papel de líder da América do Sul, não do Mercosul, pelo seu tamanho, pelo tamanho de sua população, pelo tamanho de sua economia. Nós seremos líderes naturais da América do Sul, desde que queiramos exercer essa liderança. Mas nosso complexo de colônia, nosso complexo de inferioridade que vem sendo carregado de geração em geração nos impede isso. Vamos quebrar esse complexo de inferioridade, assumir a liderança da América do Sul e implementar no mundo do comércio e no mundo da política internacional esse papel de liderança. Devemos ter relação com todos, com os Estados Unidos, com a Europa, intensificar relações comerciais com a Índia, com a China, com todos esses países, e concomitantemente nós temos que assumir o nosso papel. Se o Brasil liderar a América do Sul, ele pode ser um fator de estabilidade do continente.

ISTOÉ – O sr. sempre diz que vai para o segundo turno e ganha a eleição. Na hipótese de isso não acontecer, o sr. acredita que seus votos irão decidir a eleição?
Garotinho –
Vamos tratar do primeiro turno.
 

Participaram da entrevista: Ana Carvalho, Aziz Filho, Carlos José Marques (ISTOÉ Dinheiro), Célia Chaim, Cilene Pereira, Claúdio Camargo, Darlene Menconi, Florência Costa, João Primo, Luciano Suassuna (ISTOÉ Gente), Luiz Claudio Cunha, Mário Simas Filho, Ramiro Alves e Rita Moraes. Fotos: Ricardo Stuckert. Produção: Dárcio de Jesus