Enquanto médico pensa que é Deus, jornalista tem certeza. Esta é uma das muitas máximas sobre a psicologia dos profissionais de imprensa. Por que é assim? Só Freud explica, mas alguns indícios mostram o caminho. Jornalistas trabalham em condições adversas, correm contra o tempo, lidam com o pior e o melhor dos seres humanos, ficam muito próximos das fontes de poder e têm a missão de mostrar a verdade. Mais do que isso: escolhem qual verdade será mostrada. Sobreviver em meio a tanta pressão leva muitos a incorrer no terrível pecado da soberba. Sentem-se poderosos e acham que sabem tudo. Qual o caminho para superar esse risco? Ter consciência dos limites, afirma o jornalista Ricardo Noblat, um dos mais experientes profissionais de imprensa do País. “O mais inteligente é achar que tudo o que sabem é que nada sabem”, escreve ele, citando Sócrates, em seu livro A arte de fazer um jornal diário (Editora Contexto, 174 págs., R$ 23,90), recém-lançado em várias capitais. O livro fala da reforma do Correio Braziliense, o maior jornal da capital do País, dirigido por Noblat até o início de novembro, e inaugura uma coleção que a Contexto está lançando sobre jornalismo.

Outra questão grave entre os profissionais de imprensa, e que
também remete ao complexo de Deus, levantada por Noblat, é de
cunho ético. Até onde o jornalista pode ir em busca de informação?
A Justiça não aceita como válida a prova de um crime conseguida
de forma ilícita – gravações feitas sem autorização judicial, por
exemplo –, mas os jornais estão cheios de reportagens realizadas
a partir desse tipo de material. Tentar discutir esse tema é procurar
briga certa com boa parte da imprensa. Noblat compra. Aliás, ele é famoso, entre outras coisas, por encarar polêmicas. É claro que, ao
longo dos seus 52 anos de vida e 35 de jornalismo, ele também já
foi acometido pelo temerário complexo, mas acredita ter mudado.

No código de ética implantado no Correio Braziliense está escrito que informação adquirida de forma ilegal não é publicada. Mesmo assim,
o jornal tornou-se combativo. Nos oito anos em que a reforma foi gestada, o diário deixou de ser chapa-branca e adotou postura independente. Em termos visuais, passou a ser um dos mais modernos
e bem diagramados do País. Recebeu 156 prêmios nacionais e internacionais. Para que a mudança ocorresse, Noblat adotou um processo muito pessoal de treinamento da equipe. Periodicamente mandava aos jornalistas bilhetes com dicas de apuração e redação
de texto. A discussão sobre ética incluiu também os leitores, na coluna que Ricardo Noblat assinava aos domingos. Para os estudantes de jornalismo e os novos profissionais A arte de fazer um jornal diário
serve como um excelente manual e para os mais experientes tem potencial para incitar muitos e produtivos debates. A todos lembrará
que não somos deuses. Estamos mais perto de sermos Cães de Lázaro, como diz Very Well, o mensageiro-mor do Comitê de Imprensa do
Palácio do Planalto que há 50 anos lida todos os dias com jornalistas.