A malária é uma das doenças mais comuns do planeta. Atinge 500 milhões de pessoas por ano e mata cerca de 2,5 milhões. No Brasil, foram registrados 388 mil casos em 2001. Na semana passada, as esperanças de ganhar a corrida contra a enfermidade se renovaram com o anúncio do sequenciamento genético completo do parasita que causa o tipo mais letal de malária humana, o Plasmodium falciparum. O estudo foi publicado na revista Nature e inclui o mapa genético de uma outra variedade do parasita, o P.yoelii yoelii, e das proteínas fabricadas pelo Plasmodium ao longo do seu complexo ciclo de vida, composto de várias fases. Outra renomada publicação, a Science, divulgou o código genético de uma das espécies mais perigosas do mosquito transmissor da malária, o Anopheles gambiae.

É um feito de grande relevância científica. As informações podem mudar a forma de enfrentar a doença. “O sequenciamento genético permitirá conhecer melhor o parasita e como ele interage com o sistema imunológico humano. Poderemos usar técnicas que permitam identificar alvos para a criação de drogas e vacinas contra a doença”, explicou a ISTOÉ o pesquisador Neil Hall, co-autor do estudo publicado na Nature e pesquisador do Wellcome Trust Sanger Institute, na Inglaterra. O anúncio também entusiasmou os cientistas brasileiros. “O sequenciamento dará aos pesquisadores mais informações para a procura de inseticidas, drogas antiparasitárias e meios mais eficientes para o controle da transmissão”, avalia Erney Camargo, diretor do Instituto Butantan, de São Paulo.

Os cientistas identificaram, por exemplo, os genes que permitem ao parasita modificar sua superfície externa com frequência, conforme avança em seu ciclo de vida, para não ser reconhecido pelo sistema de defesa humano. As informações também auxiliarão os pesquisadores a encontrar uma saída para a resistência cada vez maior que os parasitas desenvolvem aos tratamentos disponíveis. “O genoma poderá ajudar a entender por que a cloroquina, antes eficaz, perdeu a força. Hoje há cerca de oito antimaláricos que apresentam bons resultados”, explica o biólogo molecular Mariano Zalis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outra linha de pesquisa é tentar impedir a contaminação dos mosquitos. “Conhecendo os genes, proteínas e características de cada mosquito, buscamos formas de impedir que o parasita se desenvolva dentro dele”, afirma a professora Margareth de Lara Capurro, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo.

O código da malária, porém, não encurta a espera pela vacina. Hall acredita que ela só virá dentro de cinco a dez anos. Richard Hyman, co-autor do mesmo estudo e cientista do Centro de Tecnologia do Genoma da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, disse a ISTOÉ que há duas novas vacinas em teste, criadas a partir do genoma. “Infelizmente, não sabemos ainda qual é a melhor forma de desenvolver uma vacina porque o parasita muda muito”, ressalva. De qualquer modo, o genoma ajudará a encontrar novas substâncias no organismo humano, no mosquito e no parasita para usá-las contra a doença. Um desses compostos já está em testes com voluntários na Suíça e também em macacos no Laboratório de Malária do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio. “Estamos avaliando a ação de substâncias extraídas dos parasitas que acionam as defesas do organismo. Com o genoma, teremos condições de saber quais genes estão associados a essas moléculas”, diz o imunologista Cláudio Ribeiro, do instituto.