Uma pesquisa divulgada na semana passada coloca em dúvida uma prática que há tempos vem sendo orientada às mulheres. De acordo com um estudo do Centro de Pesquisas em Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, nos Estados Unidos, o auto-exame de mamas não é útil para a detecção precoce de tumores malignos nem ajuda a diminui r a mortalidade da doença. Com base nesse trabalho, que durou 11 anos e envolveu 266 mil voluntárias, especialistas que escrevem para o jornal do Instituto Nacional do Câncer daquele país recomendaram aos colegas que não ensinem mais a técnica às pacientes. Isso seria, de acordo com a entidade, perda de tempo.

Para chegar a essa conclusão, os cientistas separaram as voluntárias, todas elas trabalhadoras de fábricas de Xangai, em dois grupos. O primeiro recebeu lições de médicos a respeito do auto-exame (que consiste, basicamente, em apalpar os seios em busca de nódulos todos os meses, de sete a 12 dias depois da menstruação). Essas mulheres também foram lembradas com regularidade da necessidade de fazer mesmo o exame mensalmente. Mais: durante cinco anos, uma vez a cada semestre elas executaram os procedimentos sob supervisão médica. Ou seja, foi um treinamento intensivo. As demais voluntárias não tiveram nenhuma orientação.

Ao final do estudo, não foi encontrada diferença no índice de mortalidade por tumores de mama nos dois grupos. Houve, é verdade, pequena evidência de que o câncer foi detectado em estágio menor entre as mulheres que foram ensinadas a fazer o auto-exame, em comparação com as outras voluntárias. Em razão dos resultados, o coordenador da pesquisa, David Thomas, médico do centro Fred Hutchinson, a firmou que as mulheres, de modo geral, não são capazes de detectar nódulos malignos cedo o suficiente para fazer diferença no tratamento. Com isso, comprova-se um fato que muitos especialistas vinham se dando conta. Frequentemente, os caroços encontrados por meio do auto-exame não são de pequeno porte, o que dificulta a cura. Afinal, quanto maiores os nódulos, piores os prognósticos. Ou, então, o que as mulheres acham ao apalpar os seios são tumores benignos. Dessa forma, a técnica não estaria cumprindo o propósito para o qual foi criada: ajudar a detecção precoce de um dos males que mais vitimam as populações femininas. E salvar vidas. Só no Brasil, o número de mortes para este ano está estimado em 9,1 mil pessoas. Trata-se da primeira causa de mortalidade entre as brasileiras. E calcula-se que surjam 36 mil novos casos da doença.

Por tudo isso, o instituto americano resolveu endurecer o tom. Em editorial veiculado na publicação da entidade, especialistas pediram que os colegas deixem de concentrar esforços – e perder tempo – em mostrar às pacientes como movimentar os dedos na tentativa de identificar algo errado no tecido mamário. Em lugar dessas lições, continua o editorial, o melhor seria dedicar mais atenção aos exames clínicos e à realização frequente da mamografia, exame para detecção de tumores. Os autores do estudo também deram seus palpites. “Em países em desenvolvimento, não parece ser apropriado utilizar os poucos recursos disponíveis para promover a prática do auto-exame”, escreveram os pesquisadores. Na opinião desses cientistas, o gasto com ações desse tipo não é irrelevante.

No Brasil, na verdade, o Instituto Nacional do Câncer, o Inca, já havia mudado suas recomendações em relação ao combate dos tumores de mama há cerca de um ano. Desde novembro de 2001, o instituto passou a enfatizar como medidas importantes de prevenção o estímulo para que as mulheres se submetam a um exame clínico uma vez por ano e façam o exame de mamografia. A orientação é a de que mulheres que integrem o chamado grupo de risco – que tenham mãe ou irmã com história de tumor de mama ou já tiveram câncer em um dos seios – façam a mamografia anualmente, a partir dos 35 anos. E aquelas que não apresentem esses antecedentes devem se submeter ao exame médico e à mamografia dos 50 aos 69 anos. “O auto-exame não é o foco principal. Ele é uma estratégia complementar para lembrar à mulher que ela tem uma mama, que pode adoecer. A técnica a ajuda a conhecer melhor o próprio corpo.

O exame não pode ser desprezado, mas é muito mais útil incentivar a mulher a procurar um médico uma vez por ano”, afirma o médico Luiz Cláudio Thuler, coordenador nacional do Programa Viva Mulher, do Inca, voltado para o combate aos tumores de mama e de colo de útero. No entanto, as sugestões dos cientistas americanos provocaram polêmica por aqui. Para a mastologista Maria do Socorro Maciel, do Hospital do Câncer de São Paulo, o estudo é realmente interessante, mas precisa ser analisado com cautela. “Já se sabia que o auto-exame não poderia ser muito valorizado. O ideal é que os tumores sejam detectados ainda quando estiverem com menos de 1 cm. Mas geralmente as mulheres identificam caroços com tamanhos que variam entre 1 cm e 1,5 cm. São nódulos palpáveis”, afirma. Entretanto, a médica não concorda com o radicalismo do Instituto do Câncer dos Estados Unidos. “Para encontrar lesões precoces, não basta o auto-exame. Mas ele é importante para que a mulher conheça o seu corpo”, avalia Maria do Socorro.

Incentivo – A posição é compartilhada pelo médico João Carlos Sampaio Góes, diretor científico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer e coordenador da campanha Câncer no Alvo da Moda. “É óbvio que a realização de exames clínicos anuais e da mamografia é o ideal, mas em um país como o Brasil, onde as pessoas têm dificuldade de acesso ao atendimento, a utilidade do auto-exame é incontestável”, defende. De acordo com o especialista, o método é um ótimo recurso para incentivar as mulheres a ficarem atentas ao que acontece no corpo. “O auto-exame é um instrumento de motivação para que a população se conscientize e perceba qualquer coisa que esteja acontecendo e procure um médico”, afirma Góes. Por isso, o médico nem pensa em mudar a tônica da campanha promovida pelo instituto e estrelada por celebridades. “Nossa ênfase na importância do auto-exame irá continuar. No nosso país, temos de usar todas as armas contra essa doença”, garante. De fato, o próprio coordenador do estudo, David Thomas, disse a ISTOÉ que, se o auto-exame servir para estimular as mulheres a cuidarem mais da saúde, ele deve continuar a ser feito. “Mas elas não devem alimentar grandes expectativas. É um risco contar apenas com o método”, afirma.