o plano do discurso, as justificativas do presidente George W. Bush para acabar com o ditador Saddam Hussein concentram-se no suposto arsenal de armas de destruição em massa do Iraque – construído, aliás, com uma mãozinha de Washington no passado. Nesse sentido, as negociações políticas para a guerra contra Bagdá avançam a passos largos. O presidente americano conseguiu na quarta-feira 2 uma carta branca da Câmara dos Deputados para atacar o Iraque. Agora a Casa Branca negocia com a França, Rússia e China –membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e, portanto, com direito a veto – uma segunda resolução que autorize o uso de força contra Bagdá.

Ninguém dúvida do perigo que Saddam Hussein representa, mas, nos bastidores, o debate é outro. Uma vez o ditador fora do poder, o que será feito com o ouro negro iraquiano, a segunda maior reserva de petróleo no mundo, depois da Arábia Saudita, com 112,5 bilhões de barris ou 11% da reserva mundial? Iso sem falar que o Iraque supostamente esbanjaria uma reserva adicional de 215 bilhões de barris ainda não explorados. Não é mera coincidência que em Houston, no Texas, Estado de Bush, as maiores companhias petrolíferas da Rússia e dos EUA se reuniram nos dias 1º e 2, pela primeira vez, para a Cúpula Comercial de Energia EUA-Rússia. As empresas petrolíferas russas Lukoil e Slavneft, assim como as da China (o terceiro consumidor de óleo bruto depois dos EUA e Japão) e da França estariam de olho nos campos iraquianos.

Antes da guerra do Golfo (1991), o Iraque produzia cerca de três milhões de barris por dia. Desde 1996, o embargo imposto pela ONU autoriza no máximo 1,4 milhão de barris diários, para trocar por alimentos e medicamentos. Além disso, dos 73 poços de petróleo que o Iraque possui, apenas 24 estão operacionais. Mas, em 1998, antes de os inspetores da ONU serem expulsos do Iraque, as sanções ao país foram relaxadas por interesses econômicos. Os EUA são, de longe, os maiores consumidores de petróleo, com 26% do total mundial. Estima-se que a demanda global cresça de 77 milhões de barris para 115 milhões em 2020. No ano passado, antes do atentado de 11 de setembro, o vice-presidente Dick Cheney já havia proposto uma “reformulação”
das sanções contra o Iraque, Irã e Líbia, países hoje na lista do “eixo do mal”, mas que possuem juntos cerca de um quarto das reservas mundiais. Cheney foi secretário da Defesa de Bush pai na guerra do Golfo e, logo depois, diretor da Halliburton, uma das maiores empresas petrolíferas americanas. Conhece, portanto, muito bem o ouro negro iraquiano. Em 1998, duas subsidiárias da Halliburton assinaram acordos de US$ 24 milhões com o hoje “ditador mortífero”. A Halliburton comprou a Dresser Industries, que fornece produtos da indústria petrolífera e é ligada à família Bush.

Enquanto gigantescas empresas petrolíferas européias, como a British Petroleum e a Royal Dutch Shell, se preparam para se livrar da dependência do combustível fóssil procurando alternativas energéticas como o hidrogênio, alguns países europeus ignoram as sanções e fazem acordos com o Iraque. A Rússia estabeleceu em julho deste ano a compra avaliada em US$ 270 milhões. “Cada um está marcando seu território”, disse um empresário russo em Houston. A Espanha, que tem o primeiro-ministro conservador Jose María Aznar apoiando um ataque contra Saddam Hussein, assinou contratos com Bagdá para a exportação de
1,2 milhão de barris diários de petróleo para os próximos dois meses. Atualmente o Iraque exporta 1,1 milhão de barris por dia, mas, se o embargo acabasse, a produção do ouro negro poderia ser dobrada, segundo o ministro do Petróleo iraquiano, Amir Rashid.

No último ano, o preço do petróleo subiu 40%, quase atingindo US$ 30 por barril no mercado de Londres. Acredita-se que o preço suba ainda mais em caso de conflito. Afinal, mais da metade das reservas mundiais de petróleo estão no Oriente Médio (Arábia Saudita 25%, Iraque 11%, Irã 8,7%, Emirados Árabes 9,5% e Kuait 9,4%). Mas, por enquanto, o Congresso americano não tomou nenhuma medida preventiva. Alguns dizem que o petróleo extraído do Alasca será suficiente para o consumo americano, mas o certo é que, agora, se o preço do barril aumentar ainda mais, provavelmente haverá um efeito dominó na economia mundial.

Segundo economistas americanos, apenas US$ 10 de aumento por barril acarretaria em um prejuízo de US$ 120 bilhões aos cofres americanos.
Na guerra do Golfo, o aumento do petróleo empurrou os EUA para uma recessão. O presidente do Fed (Banco Central americano), Alan Greenspan, afirma que não haverá impacto do preço do barril na economia americana, a não ser que as “hostilidades se prolonguem”. Segundo o analista Lawrence Goldstein, do grupo americano Pira, não
há motivos para preocupação porque a economia americana está mais estável e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep),
que a Casa Branca vê como um cartel, prometeu em reunião no mês passado no Japão que irá controlar o preço do produto.

Até agora, é a Arábia Saudita que faz a ponte EUA-OPEP, mas, depois do 11 de setembro, pelo fato de 15 dos 19 terroristas serem sauditas, discute-se nos EUA se a Arábia Saudita é amiga ou amiga-da-onça. Os sauditas cederam suas bases militares para os americanos na guerra do Golfo, mas é pouco provável que repitam o gesto agora. Mas o que a corrupta monarquia saudita, assim como outros mandatários do Oriente Médio, realmente temem é que os EUA, que sempre fizeram vista grossa aos regimes repressivos com petróleo, abram o precedente de depor governos que não lhes agradem. A maior parte dos países árabes aponta o conflito entre Israel e os palestinos como o principal assunto a ser tratado na região. Saddam sabe disso: em abril deste ano, ele suspendeu por um mês as exportações de petróleo para demonstrar “solidariedade” aos palestinos em luta contra o governo do premiê Ariel Sharon.