Seja quem for o escolhido, no dia 6 de outubro uma coisa é certa: entraremos na história como o primeiro povo do mundo a eleger um presidente com 100% dos votos eletrônicos. Essa é a maior eleição do planeta em volume de votos. A conclusão é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que levou em consideração os países mais populosos do mundo onde não há eleição ou onde o voto é facultativo – como é o caso da China, da Índia e dos Estados Unidos, respectivamente. “Na China há um bilhão de pessoas, mas não há eleição – o Partido Comunista detém o controle. Na Índia também não existe pleito e nos Estados Unidos, ao contrário do Brasil, o voto não é obrigatório”, justificou Armando Cardoso, assessor da presidência do TSE.

Os números da nossa eleição, como não poderia deixar de ser, são grandiosos. Do mesário ao presidente do TSE, Nelson Jobim, cerca de dois milhões de pessoas vão trabalhar no domingo. Na festa da democracia, 406 mil urnas eletrônicas estarão distribuídas em 335.871 locais de votação no Brasil e no Exterior, à espera dos 115 milhões de eleitores, número equivalente a 67% da população. A briga entre os concorrentes também não é pequena. No cardápio eleitoral, 1.654 cargos serão disputados por 18.151 candidatos registrados no TSE. No que se refere aos eleitores, as mulheres são a maioria. Nesse quesito, elas representam 50,84% do eleitorado, totalizando 58.610.906 milhões, contra 48,96% dos homens, o equivalente a 56.443.272 milhões, conforme dados do TSE. O salto das mulheres no Cadastro Nacional de Eleitores começou em 2000 e já naquele ano a diferença em relação aos homens chegou a 1,17%. As estatísticas também mostraram que nos últimos quatro anos o eleitorado do País cresceu 8,64%. A maioria dos eleitores tem idade entre 25 e 34 anos e soma 27,92 milhões.

No Brasil de hoje, os jovens com idade entre 16 e 17 anos – cujos
votos são facultativos – somam 635 mil e 1,58 milhão, respectivamente. Aqueles com idade entre 18 até 24 anos atingem a casa dos 22,23 milhões. De 1998 para cá, o número de eleitores dessa faixa etária cresceu 13,91%. Na faixa etária entre 35 e 44 anos, o País tem 24,18 milhões de eleitores e, entre 45 e 59 anos, 23,47 milhões. Os brasileiros com idade entre 60 e 69 anos representam 8,57 milhões e os acima de
70 chegam a 6,66 milhões. Esse grupo foi o que registrou maior crescimento (10,09%) no período entre 2000 e 2002.

Esta é a primeira eleição geral no País totalmente informatizada. O voto eletrônico dispensa o manuseio e a contagem de cédulas pelas mesas apuradoras. O resultado final é rápido: “A previsão é de que se comece a ter uma parcial bem acentuada quatro horas após a eleição, e à meia-noite 95% dos votos da maior eleição do planeta já estarão apurados e divulgados”, garante Armando Cardoso. Por outro lado, também é a mais longa votação da história da urna eletrônica no Brasil, testada a primeira vez no País, na cidade de Brusque, em Santa Catarina, em 1989. Naquele ano, 373 eleitores foram pioneiros na experiência.

No domingo, as ruas estarão cheias de eleitores, e milhões de brasileiros vão escolher, de uma vez só, seis candidatos obedecendo à seguinte ordem: deputado federal, deputado estadual, ou distrital, no caso do Distrito Federal, senador 1, senador 2, governador e presidente. Contabilizando tudo, o eleitor vai digitar 19 algarismos, tocar nos teclados 25 vezes e demorar, no mínimo, 75 segundos dentro da cabine. Para agilizar o processo, o TSE recomenda o uso de cola durante a votação e para garantir privacidade aumentou a cabine, que aparecerá desta vez com 1,80 metro de altura – tamanho suficiente para esconder o eleitor completamente e não apenas as mãos, como ocorreu no pleito passado. O crescimento da cabine teve uma razão de ser: evitar o patrulhamento na hora do voto. “Alguns mesários e os próprios eleitores ficavam controlando quanto tempo a pessoa demorava para votar e chegavam a tentar adivinhar quem ela tinha escolhido pelo movimento do braço”, disse o ministro Nelson Jobim.

Os candidatos a presidente, por sua vez, voltarão os olhos com maior atenção para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os três maiores colégios eleitorais do País somam 48,5 milhões de eleitores, que representam 42,12% do eleitorado. Roraima, Amapá e Acre são os menores. Possuem 867 mil eleitores, que significam 0,75% do eleitorado. A curiosidade desta vez fica por conta da cidade goiana de Anhanguera. É lá que fica o menor colégio eleitoral do País. O número de votantes do pequeno município é de somente 772 – 368 mulheres e 404 homens.

As eleições deste ano apresentam muitas novidades. Entre elas a do voto impresso, aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado. O projeto de lei é de Roberto Requião (PMDB-PR), e na opinião dos defensores a medida serve para diminuir possibilidades de fraudes. O voto impresso – ainda em caráter experimental – inclui a emissão de comprovante e vai funcionar em 23 mil urnas. O sistema será testado por oito milhões de eleitores do Estado de Sergipe, do Distrito Federal, de Cuiabá, Palmas, Maceió e outros municípios, num total de 150. Nesse caso, o eleitor vai apertar uma tecla a mais para pedir a impressão. Mas não poderá levar o tíquete para casa. Terá que depositá-lo na urna. Também pela primeira vez o TSE instalará urnas eletrônicas fora do território nacional. De um total de dois milhões de brasileiros que vivem no Exterior 70 mil irão utilizar a urna eletrônica para escolher o presidente. Nossas urnas serão instaladas em 281 seções eleitorais em 93 países, entre eles Estados Unidos e Japão, onde está concentrado o maior número de brasileiros. “A possibilidade de votar, mesmo estando fora do País, decorre da Constituição de 1988, que possibilitou a dupla cidadania para os brasileiros que trabalham lá fora”, explica Nelson Jobim.

A Justiça Eleitoral, que tem como dever zelar pelo pleito, vai estar de olho no País inteiro. Para quem gosta de abusar do poder econômico, melhor nem tentar. Este ano, o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais terão instrumentos mais eficazes para combater a compra de votos. Um exemplo disso é a nova redação do artigo 41 da legislação eleitoral, que prevê a cassação do registro, diploma ou mandato de quem oferecer, prometer, doar ou entregar bem de qualquer natureza em troca de voto. A propaganda de boca de urna também continua sendo proibida e poderá resultar em prisão em flagrante dos militantes e dos candidatos. Mas os eleitores poderão se fantasiar: usar camisetas, bonés de propaganda de seus candidatos e carregar a bandeira do seu partido.

O fantasma da fraude

Desde a estréia oficial, em outubro de 1996, as urnas eletrônicas foram apresentadas como 100% seguras e um passaporte do Brasil para a modernidade. A inovação, no entanto, continua sob suspeita. O presidente do TSE, Nelson Jobim, tem em mãos um laudo da Universidade de Campinas (Unicamp) no qual o sistema é descrito como “robusto, seguro e confiável”. Só que a garantia, diz o mesmo laudo, “depende crucialmente do controle sobre todas as etapas de sua condução, que deve ser exercido pela sociedade por meio dos partidos políticos, dos fiscais, dos mesários, dos juízes eleitorais e dos próprios eleitores”.

É nessa tecla que batem os principais críticos do sistema, como o professor Pedro Rezende, da Universidade de Brasília, especialista em criptografia, a escrita em cifras e códigos. “O programa é seguro em relação a ações externas, mas é vulnerável a agentes do próprio sistema”, afirma Rezende. O fantasma que ronda a votação eletrônica é o mesmo que assombrou o painel do Senado. Em junho de 2000, a integridade do painel foi violada em uma operação coordenada justamente pela responsável por sua segurança, a funcionária Regina Célia Peres Borges.

Para permitir uma checagem parcial do sistema, o TSE acena com duas novidades: o voto impresso e a votação paralela. A impressão do voto permitirá a 5% dos eleitores conferir se a máquina registrou suas escolhas corretamente, mas não ajuda a conferir a totalização dos votos. Já a votação paralela envolverá apenas duas urnas em cada Estado, ou seja, 0,015% do total. Sorteadas na véspera, elas serão retiradas de suas zonas eleitorais e substituídas por outras. No dia seguinte, essas urnas serão testadas em público nos tribunais regionais de cada Estado. À frente do site Fórum do Voto Eletrônico, o engenheiro Amilcar Brunazo Filho acredita que as medidas não garantem a lisura das eleições. “Nenhum desses procedimentos detecta fraudes como a votação de eleitores ausentes por mesários desonestos ou o uso de urnas-clones”, afirma Brunazo.

Cidade de 722 eleitores

Em 2000, o vencedor da eleição para prefeito de Anhanguera ganhou a disputa por uma diferença de oito votos. Francisco da Silva (PMDB) foi escolhido por 369 eleitores, enquanto seu adversário, o ex-prefeito Antônio Carlos Rodrigues Dias (PSDB), teve o apoio de 361. Dos 778 cidadãos aptos a votar no pleito, 38 não apareceram e dez anularam seus votos. No menor colégio eleitoral do País, ninguém questionou a diferença. Antônio, o derrotado, conhece a maioria
das 740 pessoas que foram às urnas. Ele até sabe como perdeu a disputa: nove dos 50 funcionários de sua empresa de cerâmica não
lhe deram o voto. “Aqui todos sabem como cada um votou. Eles fazem questão de falar, assim que deixam a cabine”, afirma. Anhanguera é mesmo a típica cidadezinha onde todos sabem de tudo. E não é para menos, o município tem apenas 862 habitantes. De acordo com o recadastramento feito no início do ano pelo TSE, apenas 772 cidadãos devem votar em 6 de outubro. O contingente é tão pequeno que Anhanguera é somente parte de uma seção da zona eleitoral da cidade vizinha, Cumari. Esta, por sua vez, é zona eleitoral da cidade de Catalão.

 

Anhanguera é uma vila perdida no sertão de Goiás, divisa com Minas Gerais. A tevê e a internet levam a modernidade aos habitantes do lugar, mas a vida política ainda segue o regime dos tempos dos “coronéis”. Consequência dessa realidade, a eleição para presidente já tem vencedor: Ciro Gomes. A razão da vitória é simples: o prefeito é seu cabo eleitoral e a maioria dos funcionários da prefeitura – o maior empregador da cidade – acompanha o chefe. “Sempre deixo
o pessoal livre, mas eles me pedem opinião e eu digo em quem vou votar.” Na quietude do lugar, eles assistem sem pressa ao passar dos dias. Mas se preocupam com a economia. “Eu vim para cá em busca de trabalho”, relembra João Guedes, 84 anos, o mais velho habitante da cidade. Ele chegou do Rio Grande do Norte em 1945. Ele lembra que Anhanguera e arredores já foram prósperas zonas agrícolas. Mas a riqueza acabou quando o governo federal desativou
a estrada de ferro, na década de 70. Junto com os trens foram embora as esperanças de progresso.