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Bia Paiva, uma agente de transformação

Durante um seminário que discutia Aids e deficiências em João Pessoa, Paraíba, Thiago Rodrigues pede licença e diz: “Pessoal, me desculpe, mas eu não estou entendendo o que vocês querem falar.” Esta interrupção corajosa gerou a frase que deu o título ao livro “Mude Seu Falar Que Eu Mudo Meu Ouvir”, o primeiro escrito por portadores de síndrome de Down no Brasil. O livro é um marco na busca da acessibilidade para o deficiente intelectual e foi lançado na sede da ONU em Nova York, em versões em português e inglês.

Tudo começou com a associação sem fins lucrativos Carpe Diem, que desde 1996 atua na busca da inclusão social de jovens com deficiência intelectual. Para que conquistem autodeterminação, ou seja, capacidade para exercer um controle cada vez maior sobre suas vidas, os profissionais da associação passaram a instigar os jovens a assumir um posicionamento crítico diante de suas condições. Participar de palestras sobre o tema em todo o Brasil foi uma das ações desenvolvidas nesse sentido.

Na volta daquela viagem à Paraíba, Bia Paiva, Thiago Rodrigues, Bia Ananias, Cláudio Arruda, Carolina Maia e Carolina Golebsky, todos com síndrome de Down, se juntaram para elaborar um manual para facilitar o acesso às pessoas com deficiência intelectual. O trabalho da equipe de apoio à autodeterminação da Carpe Diem foi organizar as falas dos seis, que eram transcritas em capítulos, e também cuidar de aprofundar algumas importantes ideias por eles colocadas.

“Esse manual é para abrir o coração”, fala Thiago Rodrigues em entrevista dada ao site do Prêmio Trip Transformadores 2012, em que Ana Beatriz Pierre Paiva, uma das autoras do livro e que você vê na foto ao lado, será homenageada no próximo dia 24. “A gente quis contar quais são as nossas dificuldades e necessidades. Por exemplo, como a gente lida com o tempo, o dinheiro, etc. Se você ler o livro, tem várias ilustrações que mostram os atos daquilo que a gente está querendo falar. Esse livro fala de seres humanos, de sentimentos, não é um livro técnico.”

Em outras palavras, a pessoa com deficiência intelectual precisa que seu interlocutor entenda quais são suas limitações e aprenda a se comunicar com ela de forma que o entendimento seja possível. Uma adaptação de códigos de linguagem, do tempo da fala, do jeito de transmitir as ideias e as informações. Se assuntos razoavelmente complexos forem explicados com a ajuda de ilustrações, por exemplo, e num ritmo um pouco menos acelerado, a compreensão pelo indivíduo com síndrome de Down será infinitamente facilitada. O livro, grosso modo, cuidou apenas de ensinar às pessoas o jeito de se fazerem entender por quem funciona em outra frequência, mas quer sintonizar na mesma estação.

No Brasil há 2,6 milhões de pessoas deficientes intelectuais. Melhorar a capacidade de comunicação com elas é um passo decisivo para romper os preconceitos, construir uma sociedade mais inclusiva e parar de desperdiçar talentos emocionantes como o de Bia Paiva e seus amigos.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente