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Auster: fábula sobre criadores e criação literária

No sétimo capítulo de O falcão maltês, clássico policial do americano Dashiell Hammett, o detetive Sam Spade conta a história de um certo Flitcraft, que abandona mulher, filhos, emprego e a própria identidade após escapar por um triz da morte certa. Em seu oitavo romance, Noite do oráculo (Companhia das Letras, 232 págs., R$ 38,50), o também americano Paul Auster se apropriou deste mote para dar coerência à fábula sobre criadores e criação literária. Seu protagonista e narrador, o escritor Sidney Orr, descreve um período da vida, no qual perde a vontade de escrever, quase se separa da mulher, Grace, mas acaba sendo salvo por uma série de fatos bizarros. Primeiro, ele compra de um chinês um caderno azul, que curiosamente lhe devolve a inspiração. Em seguida, passa a produzir furiosamente uma história baseada na de Hammett. O enredo fala de um editor que quase morre e resolve mudar de vida pouco depois de receber o manuscrito do romance Noite do oráculo, dado como perdido.

Auster se vale de extensas notas de rodapé para embasar todos os ingredientes que logo começam a interagir. Criou uma mistura de pesadelo, filme noir e ficção científica suficiente para impedir o leitor de abandonar o livro. Em O falcão maltês, Sam Spade descobre o paradeiro de Flitcraft, que, após adotar nome falso, se casou com uma mulher muito semelhante à sua ex. No mesmo tom de Humphrey Bogart, o detetive explica: “Ele (Flitcraft) se adaptou às vigas que caem do nada para depois se adaptar à circunstância de elas não caírem mais.” Ou, como diria Orr, se conformou com a falta de lógica da vida.