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Bernstein e Cortez em O outro lado da rua: o elenco como um dos trunfos

Decepcionado com o mundo das leis, o ex-estudante de direito Marcos Bernstein, hoje com 34 anos, resolveu respirar outros ares. A época era do início da retomada do cinema brasileiro, e ele, com a cara e a coragem, se ofereceu para trabalhar como estagiário na produtora Videofilmes, de Walter Salles. Depois de participar de alguns especiais de tevê, Bernstein foi escalado para a produção do filme Terra estrangeira. Uma de suas tarefas era digitar e revisar o roteiro que estava sendo feito a quatro mãos por Salles e Daniela Thomas. “Enquanto digitava, fazia ligeiras alterações, que eles nem notavam. Aos poucos passei a dar palpites. No final, acabei co-assinando a história”, conta Bernstein, que se tornou um bem-cotado roteirista, tendo deixado sua marca em Central do Brasil, Oriundi e O xangô de Baker Street. Passados dez anos, o carioca faz agora outra estréia, a da direção de filmes. Vem com a sua autoria o premiado O outro lado da rua, em cartaz nacional na sexta-feira 28, produção que arrebanhou vários prêmios, entre eles o troféu de melhor atriz a Fernanda Montenegro no Tribeca Film Festival, de Nova York. O novato Bernstein não está sozinho nas telas. Junto com ele, outros jovens cineastas também debutam na atividade, como os paulistanos Ricardo Elias, autor de De passagem, e Paulo Sacramento, igualmente premiado em Nova York com o documentário O prisioneiro da grade de ferro. Nos próximos meses deve chegar aos cinemas o ótimo Contra todos, do paulistano Roberto Moreira, e o não menos elogiado Subterrâneos, do brasiliense José Eduardo Belmonte. Sem falar dos projetos em andamento, como Cafuné, do carioca Bruno Vianna, e Não por acaso, do paulistano Philipe Barcinski.

Embora a maioria dos integrantes desta geração de cineastas esteja na faixa dos 30 anos, não espere deles uma sujeição aos clichês do cinema jovem. Bernstein, por exemplo, preferiu centrar sua estréia em dois antigos moradores de Copacabana – a solitária Regina (Fernanda Montenegro) e o juiz aposentado Camargo (Raul Cortez) – que iniciam um relacionamento cheio de medos e inseguranças. “Existe uma obrigação de ser jovem, algo que vem do cinema independente americano, no qual o diretor se junta à sua turma e faz um filme sobre a vidinha dele. Não sei se minha vida tem interesse, mas achei que aqueles personagens renderiam um material humano legal”, conta Bernstein. Informante da polícia, atividade usada para fugir do ócio da velhice, Regina vê da sua janela o que parece ser um crime – o juiz Camargo aplicando uma injeção letal na mulher, doente de câncer. Mas o que se anuncia como um thriller na linha de Janela indiscreta, de Alfred Hitchcock, acaba virando uma curiosa crônica urbana sobre a possibilidade do amor na terceira idade.

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Elias (no centro) no set de De passagem: cruzando as periferias de São Paulo

Traço inegável – Ainda é cedo para identificar temas e abordagens comuns. Mas a predileção por histórias autorais, sem a necessidade de se inspirar em livros famosos e sempre passadas em cenários urbanos, parece ser um traço inegável. Ricardo Elias, 35 anos, com certeza trabalha nessa via. No lírico De passagem – em cartaz em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte –, ele conta a história de um estudante militar que, na companhia de um amigo de infância transformado em bandido, vai dos confins da zona sul à zona leste de São Paulo para reconhecer o corpo do irmão. “Me interessava não apenas atravessar a cidade, mas ir de uma periferia a outra.” Seu próximo filme, Os doze trabalhos de Herácles, segue formato semelhante. Fala de um ex-interno da Febem que, para se tornar um motoboy, deve provar a eficiência cumprindo uma dúzia de tarefas. Formado em cinema pela Escola de Comunicação e Artes (ECA), da USP, Elias se decidiu pelo cinema no pior momento: o desmanche da Embrafilme no governo Collor. “Quando fomos para o mercado, estava começando a retomada. Participamos do boom do curta-metragem, mas nosso objetivo sempre foi fazer longas-metragens.”

Em alguns casos, a espera foi demorada. Paulo Sacramento, 33 anos, também egresso da ECA, levou nove anos para ver pronto O prisioneiro da grade de ferro – em cartaz em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre –, documentário sobre a extinta Casa de Detenção de São Paulo, o famigerado Carandiru. Sacramento acha que sua turma está se lançando muito tarde. “Toda a geração do cinema novo e do cinema marginal estreou antes dos 30 anos.” Para José Eduardo Belmonte, 33 anos, formado pela extinta escola de cinema da Universidade de Brasília (UnB), a vontade de se expressar terminou por marcar o trabalho dos amigos. “O que parece nos unir é a urgência de partir para o longa-metragem e dizer o que temos para falar.” Em Subterrâneos, feito inteiramente com a câmera na mão, ele apresenta um mosaico do Setor de Diversões Sul, conhecido como Conic, em Brasília, famoso pela diversidade social. Com uma estética semidocumental, a história cruza os caminhos de um assessor de imprensa sindical e de um cineasta italiano com os de rappers, evangélicos e prostitutas do local.

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Sacramento: “Quando ouço a palavra diversidade, tenho vontade de vomitar”

Filmado em 15 dias a um custo de R$ 230 mil, Subterrâneos leva ao extremo outra característica dessa nova safra: todas são fitas de baixo custo para os padrões atuais, à exceção de O outro lado da rua, que, devido à presença da dupla Fernanda-Cortez, conseguiu facilmente captar R$ 4,5 milhões. O prisioneiro da grade de ferro, por exemplo, custou R$ 500 mil. De passagem, R$ 1 milhão. “Tem muito cineasta de talento que não está filmando por acreditar na mentira de que é preciso muito dinheiro para fazer um bom filme. Isto não é verdade”, afirma Sacramento. Ele também critica a submissão à estética televisiva e publicitária dos adeptos do cinema mais comercial e a invocação do conceito de diversidade para justificar a falta de critérios da atual produção. “Quando ouço a palavra diversidade, tenho vontade de vomitar. No cinema brasileiro, as pessoas confundem diversidade com vale-tudo.” Não é o que pensa Marcos Bernstein, que acha a discussão velha e acadêmica. “Quem quiser fazer estética cinemanovista, que faça. Quem quiser fazer filmes com acabamento internacional, também.” Aptidão para a polêmica, como se vê, também é característica da rapaziada das câmeras em ação.