Fotos: Dárcio de Jesus

Annelis Kores, aluna de hotelaria do Senac (no destaque acima): pragmatismo na hora de aprender a profissão

Roliço, desajeitado, comilão. A imagem de  dom João VI disseminada pela televisão e pelo cinema fez do monarca uma piada. A história, porém, está a seu favor. Entre inúmeras realizações, criou no Brasil, no ano 1810, escolas técnicas, com uma educação voltada para o trabalho em áreas médicas, militares e agrícolas. A experiência não deu certo.
Na época, as elites intelec-tuais torciam o nariz para um ensino voltado para  a produção. Ainda exis-tiam escravos, e o importante era ser bacharel. Quase dois séculos se passaram, e o tempo provou que o imperador exilado tinha razão. O mercado de trabalho encolheu e cada vez mais o conhecimento tecnológico se tornou essencial para se conseguir um emprego. Nos últimos três anos, vem ocorrendo uma expansão gradual dos cursos superiores de tecnologia, aqueles de curta duração que oferecem uma formação compacta – geralmente dois anos e meio a três – e formam profissionais com nível superior para funções diretamente endereçadas ao mercado. Atualmente, podem ser listados quase mil cursos tecnológicos diferentes. Segundo informações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-cionais (Inep), esses cursos estão em franca expansão e apresentaram um crescimento de 74,7% entre os anos de 2000 e 2002, depois de serem regulamentados em 1997. Mesmo assim, não chega a 10% o número de universitários que seguem este caminho, enquanto nos Estados Unidos a proporção é meio a meio. O governo federal tem estimulado a ampliação dos Centros Federais de Educação Tecnológica, com quase 100 unidades espalhadas pelo Brasil e uma grande oferta destes cursos. Em São Paulo, ocorre movimento semelhante com as Fatecs, Faculdade de Tecnologia – do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, que abrange em uma grande variedade de áreas. De edificações a hidráulica. De saneamento ambiental a navegação fluvial. Além de cursos de informática, área-coqueluche entre os tecnológicos.

Ambos – os Centros Federais e as Fatecs – são gratuitos. No caso das Fatecs paulistas – com unidades espalhadas em 80 municípios do Estado – 70% dos alunos são oriundos de escolas públicas e 56% têm renda familiar até dez salários mínimos. Dados que sinalizam, segundo, João Mongelli Netto, coordenador de vestibulares da Fatec, a necessidade “de um ingresso rápido no mercado de trabalho”. Segundo ele, 87% de seus alunos acabam empregados. Eduardo Wurumann, presidente do IBTA – escola privada que mantém cursos no espectro
da informática –, afirma que a idade média em suas salas de aula é 23 anos, enquanto, no bacharelado convencional, é 18 anos. Outro sinal que é gente interessada em trabalhar. De acordo com Wurumann, 60% dos que fazem IBTA se auto-sustentam, ou seja, já trabalham e estão em busca de uma qualificação melhor. Com unidades em São Paulo, Campinas e São José dos Campos, o IBTA, como quase todos os cursos do gênero, ajuda nas colocações dos alunos. A mensalidade é em torno de R$ 620. Em São Paulo, a graduação tecnológica também pode ser feita pela Anhembi Morumbi, que vem criando novos cursos para o segundo semestre deste ano e para o ano que vem. “Hoje, o mercado está valorizando mais a competência que o diploma, apesar dos acadêmicos se arrepiarem”, diz Nelson Bomtempi Jr., diretor de gestão acadêmica do Anhembi Morumbi. A faculdade cobra R$ 700 por mês em média. Antonio Ibañez, secretário de ensino médio e tecnológico do MEC, confirma que há uma demanda crescente nesses cursos, a ponto de universidades públicas tradicionais, como a USP e a Unicamp, terem aberto vagas no ano passado para seus cursos tecnológicos. “Eles não foram criados apenas para atender a uma demanda de mercado, mas são uma forma de se adquirirem conhecimentos que os cursos superiores não oferecem. Além disso, atuarão numa área estratégica para o País”, diz.

Com um novo campus recém-instalado na zona sul de São Paulo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) é uma opção tradicional para o curso superior rápido. Cecília Silveira Camargo, 34 anos, se formou no então pioneiro curso de hotelaria do Senac, no biênio 89 e 90. No curso do Senac, Cecília conviveu com todo o lado operacional de um hotel. “Trabalhei de camareira, lavei banheiro, descasquei batata, embora meu intuito fosse gerenciamento.” Com o diploma na mão, fez pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas em gestão estratégica. Na segunda-feira 6, ela assumiu a gerência-geral do Hotel Beach Park Suites Resort, em Fortaleza. De acordo com Eduardo Ehlers, diretor de extensão do Senac, 80% dos alunos do Senac estão no mercado. “Só para hotelaria temos 1.500 hotéis conveniados”, diz Ehlers. Com uma mensalidade em torno de R$ 800, o Senac mantém cursos de tecnologia em design de multimídia, gestão ambiental, tecnologia têxtil e outros. A diferença na carga horária do bacharelado comum não é tão grande. Em dois anos, são duas mil horas-aulas, enquanto numa universidade acadêmica são três mil horas em quatro anos. É o compacto que satisfaz.

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