Antonio Milena/ABR

Pés nas nuvens, cabeça no chão.
Assim vive a piloto Claudine Melnik Caldas Camargo, 34 anos, pioneira
na profissão no País

Na cultura chinesa, não é educado desembrulhar o pacote na hora em que se recebe o presente. Seria sinal de imperdoável ansiedade. Mas, a partir da segunda-feira 24, uma China ansiosa vai receber a maior delegação oficial da história diplomática brasileira. São cerca de 400 empresários, sete ministros e quatro governadores embarcados em três Boeings e liderados por um presidente ainda mais ansioso. “Será a maior viagem de meu governo”, diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que decola de volta de Pequim na quinta-feira 27 com a certeza de estar desembrulhando o mais portentoso pacote comercial do País. A expectativa mais otimista é de que a megacomitiva de Lula acabe atraindo para o Brasil US$ 3 bilhões em investimentos.

Afinal, tudo o que envolve a China hoje é representado por muitos zeros, cifrões e muita expectativa. Refugiado, durante décadas, atrás de suas muralhas milenares, o gigante comunista ingressou oficialmente na Organização Mundial do Comércio em 2001, três meses após o ataque às torres do World Trade Center, em Nova York. E a economia, assim como o mundo após o 11 de setembro, nunca mais foi a mesma. A China hoje é um mercado que devora 31% do carvão mundial, 30% do minério de ferro produzido no planeta e 27% dos produtos siderúrgicos. É dona de um PIB de US$ 1,5 trilhão (três vezes o do Brasil), reservas de US$ 420 bilhões (oito vezes a brasileira) e exportações na casa dos US$ 460 bilhões. Depois dos Estados Unidos e da União Européia, é o maior importador do mundo – cerca de US$ 412 bilhões por ano. Mas este é um fenômeno recente. Em 1980, havia uma só empresa estrangeira no país. A abertura comandada por Deng Xiao Ping elevou este número para 370 mil empresas estrangeiras em 2002, um investimento de US$ 216 bilhões. E o Brasil ainda assiste de longe a esse espetáculo de crescimento.

Para conquistar uma parte desse mercado, Lula e sua trupe empresarial aproveitam um momento histórico para visitar a China: as comemorações dos 30 anos do reatamento diplomático patrocinado no governo Geisel, em 1974. O esfriamento entre os generais de Brasília e os comunistas de Pequim, entre o golpe de 64 e o governo linha dura de Médici, congelou a balança comercial, durante sete anos, em pífios US$ 2 milhões. Atualmente, sem as muralhas ideológicas, o intercâmbio alcançou em 2003, segundo dados do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, a marca dos US$ 6,68 bilhões. Ainda assim, é pouco mais que 1% do que a China compra no mundo. Metade do que o Brasil vende aos chineses corresponde ao minério de ferro e à soja, mas o País não se conforma mais com isso. “Queremos mostrar aos chineses que não temos apenas isso”, diz Lula, que vai testemunhar a assinatura de nove contratos de parceria entre empresas brasileiras e chinesas. Brasil e China têm similares que os aproximam. São países em desenvolvimento, com grandes extensões, enormes recursos, deficiências estruturais e vazios demográficos. “Brasil e China podem se complementar em várias áreas”, diz o ministro Guido Mantega, do Planejamento. “Quero ver com meus olhos como eles deram esse salto econômico em menos de dez anos.”

As empresas querem aproveitar o tempo e o bom momento de aproximação. A Bolsa de Mercadorias & Futuros inaugura na quinta 27 um escritório de representação em Xangai. A Petrobras vai explorar, em parceria com a estatal chinesa Sinopec, petróleo no Equador e no Irã. A Varig – que inaugurou um escritório em março – e a Air China vão fazer quatro vôos semanais, a partir de setembro, na rota Rio–São Paulo–Pequim. A Siderúrgica do Pará (Cosipar) assinará três acordos, num total de US$ 300 milhões, para exportação e compra de equipamentos. A Telemar integrará a rede de celulares com a China Telecom, e a CBB (Companhia Brasileira de Bicicletas) transformará um acordo comercial de troca de tecnologia que tem com a empresa Qingqi, quarta maior fabricante de motocicletas do país, em uma joint venture para produzir e vender motos chinesas no Brasil. Dona da marca Sundow, a empresa, que já monta os modelos de 50 e 100 cilindradas da Qingqi, vai acrescentar à linha o motor de 125 cilindradas para concorrer com as gigantes do setor, Honda e Yamaha. Seu trunfo: o preço mais competitivo.

A maior multinacional brasileira, a Vale do Rio Doce, tem na China o seu maior cliente: exportou US$ 1 bilhão de minério de ferro em 2003. A China quer financiar a ampliação do porto de Itaqui, no Maranhão, que não tem calado para escoar todo o minério que transita pela ferrovia Norte-Sul. E a Vale fará a sua parte, encomendando a construção do maior navio de transporte de minério do mundo, com capacidade para 500 mil toneladas, para uso exclusivo na rota Itaqui–Xangai. A Embraer fez uma parceria com a AVIC II, criando em dezembro de 2002 a Harbin Embraer, linha de montagem para seis jatos da família ERJ, com perspectiva de encomenda de outros 640 nos próximos 20 anos.

Mais modesta, a Cia. Cacique, produtora do café Pelé, é vista como a pioneira no mercado chinês. Em 1971, Horácio Sabino Coimbra, fundador da empresa, foi o primeiro empresário brasileiro a visitar a China com intenções de fazer negócio. Hoje, 33 anos depois, ainda é muito difícil vender café em um país onde o chá é a bebida mais popular. Mesmo assim, a Cacique continua investindo em marketing e divulgação do produto entre a população chinesa. Na visita com Lula, o presidente da empresa, Sérgio Coimbra, terá uma missão tão difícil quanto a do pai no início dos anos 70: convencer os chineses a reduzir o imposto de importação de café solúvel que chega a 36,8%.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, acha que é possível multiplicar por dez, em curto espaço de tempo, as relações comerciais entre os dois países. Ele projeta US$ 5 bilhões de investimentos diretos da China no Brasil, nos próximos três anos. “Há um crescimento médio de 30% na produção de veículos na China. Eles têm um sério problema de poluição e o álcool seria uma boa alternativa”, lembra Furlan, citando o “flex fuel”, a invenção brasileira que mistura o álcool à gasolina. O Brasil já exporta um bilhão de litros de etanol (álcool combustível) para a China. “Podemos chegar a cinco ou seis bilhões, elevando as vendas para US$ 1 bilhão”, estima Roberto Gianetti da Costa, presidente da Ethanol Trading. Nos ares, como no chão, o futuro promete. De olho no mercado de motores bicombustível, a Bosch recebeu em sua unidade de Campinas (SP), na quarta-feira 19, uma delegação de 20 empresas de autopeças chinesas interessadas em conhecer e implantar a tecnologia.

A última boa notícia vem do turismo. A China, que exige visto de saída para seus cidadãos, deu status preferencial ao Brasil como rota turística autorizada. A previsão é de que, até 2010, 100 milhões de chineses possam passear pelo mundo – muitos deles por aqui. O interesse pelo Brasil começa a aguçar na terça-feira 25, quando Lula inaugura uma exposição sobre a Amazônia no Museu do Palácio Imperial, na Cidade Proibida, em Pequim. É a primeira vez que o lugar abriga um evento não organizado pelo próprio governo chinês. É um presente que a China desembrulha de repente, traindo sua ansiedade de estreitar as relações com o Brasil.

Os negócios que seduzem Brasil e China