Alan Rodrigues

Talentos: os desenhos da Tikka estão entre os preferidos da Ellus

Grafite é coisa de arruaceiro, de quem não sabe fazer arte. Essa afirmação, até há pouco tempo aceita, mudou. A estética do grafite – de rua sim, de arruaceiro nem sempre – está cada vez mais inserida nas artes plásticas e na sociedade. Prova disso é que os grafiteiros não param de ser chamados para aplicar seu talento em revistas, exposições em galerias e anúncios publicitários. Recentemente a Ellus contratou 20 artistas para colorir os outdoors de sua campanha de inverno. E o inusitado é que, em vez de produzir os cartazes no estúdio, eles criaram ao vivo, nas ruas de várias cidades do País, exatamente como o grafite é feito. Outra grife que usou a estética da “arte de rua” foi a Triton. A marca lançou no começo deste ano a Manifesto, uma campanha que usa o conceito de contestação, justamente a idéia que deu origem a esses movimentos artísticos. Além de invadir anúncios, outdoors, páginas de internet e revistas, o grafite brasileiro é também produto de exportação. Entre os artistas destacam-se figuras conhecidas, como Onesto, Titi, Calma e Gêmeos, que ganharam espaço em exposições e publicações internacionais.

Atenta às tendências, a equipe de publicidade da Ellus percebeu o apelo que o grafite tem entre os jovens. O mote da campanha de inverno da marca, segundo o presidente da empresa, Nelson Alvarenga, dá continuidade ao histórico da Ellus. “Para uma grife se manter arejada, deve se aliar à efervescência criativa de jovens artistas. São eles que estão em contato com o novo”, explica. Tikka está entre os 20 artistas contratados para grafitar os outdoors. Com apenas 16 anos, ela trabalha como recepcionista e grafita há um ano e meio. No site da marca, os painéis foram expostos para votação. O dela foi um dos dois escolhidos entre os 20. “Meu desenho vai estampar algumas peças da coleção”, comemora.

Os desenhos de Stephan Doitschinoff, o Calma, conquistaram o astro
Jimmy Page

Outro artista que participou da campanha foi Onesto, 31 anos, grafiteiro há 11. Ele defende que a atual geração de artistas urbanos, diferente da precursora na década de 80, não pinta para protestar, mas vê o grafite como arte. “Hoje a proposta é outra, vai para o lado da arte, do design e da comunicação. O grafite dos anos 80 era político. Os artistas tinham que lutar para legalizá-lo”, explica.

Se a alma da arte de rua está no protesto irônico e na livre expressão, é nesse conceito que se baseou o publicitário Dráuzio Gragnani, criador da atual campanha da Triton. “Quisemos uma estética mais democrática e não dogmática, sem afirmar nada, só para questionar”, diz ele. A grife contratou dois grafiteiros que pintaram muros que funcionam como outdoors da marca na Vila Madalena, bairro frequentado por modernos e descolados de São Paulo. Mas o grafite brasileiro já ultrapassou os muros do País. O artista multimídia Rui Amaral, um dos representantes da geração que pintava muros – e fugia da polícia – nos anos 80, diz que o Brasil, e principalmente São Paulo, desponta no mundo como celeiro de bons grafiteiros. Ainda este ano, ele vai ajudar a montar uma agência para exportar artistas brasileiros. “O dono de uma galeria em Nova York vem para organizar uma exposição itinerante que vai passar por várias cidades americanas”, entusiasma-se.

Marcos Mello, designer e professor da Universidade Anhembi-Morumbi, pesquisa a arte urbana em São Paulo há seis anos e acaba de concluir seu trabalho: Grafite – São Paulo – Brasil, ainda não publicado. Ele concorda com Amaral e diz que, atualmente, a capital do grafite não é mais Nova York, mas São Paulo. “Conversei com dois pesquisadores, um francês e uma canadense, que vieram buscar elementos para teses sobre grafite.” Um exemplo de artista que já exportou trabalhos é o paulistano Stephan Doitschinoff, o Calma. Além de participar da campanha da Ellus, painéis seus, carregados dessa estética de rua, já passaram por galerias na Inglaterra e na Alemanha, e estamparam um livro francês. Mas sua consagração mesmo foi vender um quadro para o astro Jimmy Page.

Alan Rodrigues

Sem protestos: Onesto acredita que o grafite hoje pende para o lado da arte e do design

O grafite está essencialmente ligado à cultura hip hop, composta por três elementos: música, dança e artes plásticas. O movimento se consolidou no bairro do Bronx, em Nova York, no final dos anos 60, como expressão das minorias marginalizadas. Com o passar do tempo, o movimento saiu dos guetos e invadiu palcos, tevê, moda, boates badaladas e galerias. O ex-grafiteiro, arquiteto e doutor em comunicação Arthur Lara, o Tuca, defendeu na Universidade de São Paulo (USP) duas teses sobre o grafite. Com um certo desânimo, ele analisa que a moçada de hoje está muito mais ligada à mídia do que à arte e menos ainda à política. “A função da propaganda é vender uma marca. Hoje o grafite é mais comunicação do que arte. Antes fazia questão de ser sujo, malvado e alternativo”, diz Tuca, que faz parte da primeira geração de artistas urbanos do Brasil. Mas, no meio dessa moçada a que Tuca se refere, há vozes dissonantes. Entre os que sempre fizeram arte nas ruas por prazer estão alguns mais resistentes, que condenam o uso da linguagem do grafite na publicidade e acham que é oportunismo das grifes se apropriarem de uma estética que está aí há tanto tempo e sempre foi marginalizada. “Essas marcas aproveitam o que está na moda para atrair o jovem. Mas eles não vivem isso, não participam do movimento e só se apropriam da linguagem”, protesta Flip, que também é cenógrafo e pinta pelas ruas da capital paulista há dez anos.

Já o artista plástico Carlos Dias, outro veterano na arte urbana, é mais flexível.
Para ele, o local onde o trabalho está exposto é o que determina seu preço. “Temos que saber lidar com isso. O fato de a arte que antes estava só nas ruas ir para museus, galerias e anúncios só valoriza o artista”, pondera. E alerta que, se por um lado o casamento entre grafite e publicidade pode ser bom, por outro, a superexposição na mídia pode desgastar a linguagem. O que a Ellus, a Triton e outras marcas estão fazendo é colocar dois universos diferentes para dialogar. O grafite, que nasceu do protesto, e a publicidade, que tem função comercial. E a união parece estar dando certo.