Renato Velasco

Fernandes: quase preso por copiar citações

A voz é firme e pontua até o silêncio: Sobral Pinto abdica de suas posições políticas de direita e defende o seu oposto, o comunismo. Discursa em favor de Oswaldo Pacheco Silva, preso na ditadura pós-64. O advogado se diz testemunha do “molambo de homem” que o réu se tornou após sofrer “cruéis torturas” para ser obrigado a “confessar” que tentava reorganizar o Partido Comunista no Brasil. E clama, emocionado, ao Supremo Tribunal Militar: “Não é possível, senhor ministro que isso continue a perdurar neste país. Quem é que fez estas equimoses, essas feridas? Quem é que praticou essas torturas neste homem preso e incomunicável?” A reprodução desse discurso, entre outros, consta dos dois CDs que acompanham o recém-lançado livro Voz humana (Revan, 336 págs., R$ 80), do criminalista Fernando Augusto Fernandes. A obra documenta a resistência dos advogados perante os tribunais da República e traz a público, pela primeira vez, as gravações de históricas alegações de juristas que lutaram pelos direitos humanos. Começa com a defesa de Rui Barbosa em favor dos perseguidos pela ditadura florianista (Floriano Peixoto) e passa por Evaristo de Moraes Filho, Heleno Fragoso, Nilo Batista, Modesto da Silveira, Lino Machado, etc.

O autor quase foi preso por copiar essas citações. Fernandes realizava sua pesquisa para tese de mestrado em 1997, quando foi surpreendido por veto do então presidente do Superior Tribunal Militar, general Antonio Joaquim Soares Moreira, que mandou lacrar por 100 anos os arquivos sonoros do STM, sob a alegação de proteção à intimidade dos réus. O conteúdo dos CDs que acompanham o livro foi obtido antes do veto. O advogado vem enfrentando o STM e entrou com mandado de segurança pela abertura dos arquivos do regime militar. “Se eu ganhar, todo cidadão brasileiro terá direito a ouvir essas fitas, que fazem parte de um arquivo gigantesco e desconhecido do período militar”, afirma.

Prensa Três

“Quem é que fez essas feridas? Quem é que praticou essas torturas…” (discurso de Sobral Pinto no STM)

Na faixa dois e três do CD 1 estão as gravações das orações de Lino Machado e Nelio Machado sobre o julgamento do grupo de nove envolvidos, entre os quais Alex Polari e Alfredo Sirkis, nos sequestros dos embaixadores da Suíça e da Alemanha. Juntos, eles foram condenados à prisão perpétua. É interessante ouvir o arrazoado de Nelio e Lino na tentativa de individualizar as penas e imputar a responsabilidade pelos assassinatos (de um motorista e um segurança) a Carlos Lamarca, guerrilheiro que já estava morto. Na defesa de Alex Polari, Lino Machado diz que a exacerbação da pena máxima estava sendo dada a “um jovem de 17 anos que participou do movimento sob a liderança de um líder que se chamou Lamarca”. Obtiveram vitória.

Entre as tragédias judiciais relatadas, não poderia faltar a petição feita por Sobral Pinto em defesa de Arthur Ernest Ewert, ou Harry Berger, chefe confesso da revolução de novembro de 1935 e preso com o líder comunista Luiz Carlos Prestes. Após vê-lo vilipendiado como ser humano dentro das celas, o advogado reivindica o benefício da lei de proteção aos animais para Berger e anexa ao processo cópia de uma reportagem sobre a condenação de um homem que havia maltratado um cavalo. Que a história não se repita.