Em uma reunião rachada – seis votos contra três –, o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e seus oito diretores, decidiu manter a taxa de juros básica da economia nos atuais 16% ao ano, interrompendo o processo de redução iniciado há dois meses. Frustração dentro e fora do governo. Prevaleceu a mesma rotina conservadora que levou o BC a suspender a queda dos juros no início do ano, adiando o processo de recuperação econômica. Acredite, poderia ser pior. A cisão no Banco Central a respeito dos juros foi mais profunda do que se imagina. Parte dos diretores que apoiaram a manutenção das taxas chegou a defender a elevação dos juros. O presidente da República e seus colaboradores mais próximos sabiam das divergências que tumultuavam o BC e da nefasta possibilidade de aumento dos juros. O assunto foi tratado em uma reunião, na quinta-feira 13, de Lula com os ministros Antônio Palocci (Fazenda), José Dirceu (Casa Civil), Guido Mantega (Planejamento), além de Meirelles. Coube a Meirelles expor ao presidente os cenários em torno dos quais girariam a decisão do comitê.

Leopoldo Silva

Dirceu (ao lado, com Palocci) foi homenageado com jantar na casa
de Cosette Alves e João Sayad: movimento para enfrentar política conservadora da Fazenda

Foi no encontro que o presidente do BC levantou a possibilidade de elevação da taxa em pelo menos 0,25% para enfrentar as turbulências externas, a alta do dólar e a fuga de investimentos estrangeiros. A hipótese, encarada com resignação por Palocci, alarmou José Dirceu e Mantega. O ministro do Planejamento fez uma enfática defesa baseada em análise estrutural da situação, afirmando que seria possível baixar os juros sem comprometer o processo. Dirceu também enxergou o risco de um estrago incalculável na sustentação política do governo e, consequentemente, nas condições de governabilidade de Lula. Dirceu não esconde de ninguém a avaliação de que parte das dificuldades do governo para segurar sua base de apoio no Congresso decorre da escassez de boas notícias na seara econômica. Se a economia estivesse crescendo, costuma dizer, a maioria dos problemas do governo estaria resolvida. O ministro decidiu se antecipar e preparar terreno para o pior. Em um movimento ousado, lançou, durante um jantar em sua homenagem na casa do casal Cosette Alves e João Sayad, no sábado 15, em São Paulo, a idéia de um pacto de união nacional para enfrentar o eventual agravamento da crise econômica internacional. “Em um cenário grave, não teríamos outro caminho a percorrer para evitar uma nova recessão”, disse ele, após afirmar que apenas a ortodoxia econômica, sozinha, não seria capaz de dar conta do recado se sobreviesse a pior das perspectivas. Seria necessário o apoio da política.

Fotos Ichiro Guerra / André Dusek

Alencar, Guido Mantega e Meirelles: posições diferentes sobre os juros

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Barbeiragens – O discurso, feito na presença de meia centena de empresários, banqueiros e da prefeita Marta Suplicy, causou perplexidade. Ignorando os bastidores, nenhum dos presentes entendeu bem por que o ministro falava em recessão. Muitos ficaram com a sensação de que o governo enxergava uma crise pior do que se esperava. Era exatamente este o quadro que Dirceu antevia, caso o BC optasse por subir os juros. Uma versão light da proposta do ministro chegou a ganhar aliados, como o presidente do PT, José Genoíno. “Além dos juros e do superávit, é preciso buscar o desenvolvimento. Isso se faz com um projeto nacional e articulação das forças produtivas”, defendeu. Mas, dentro do governo, o movimento de Dirceu, apesar de ter seus motivos, acabou encarado como uma barbeiragem. Confundiu os empresários e ainda causou mais instabilidade em uma semana suficientemente delicada. Para dirimir mal-entendidos, o ministro teve que reafirmar sua confiança na política econômica do colega Palocci, que, por sua vez, passou dias repetindo que a economia brasileira tinha condições de enfrentar a crise.

Alan Rodrigues

Maciel critica demora na queda das taxas: sinal negativo

A decisão de manter os 16% foi criticadíssima. Nem o mercado financeiro, que costuma gostar das decisões conservadoras do comitê, se deu por satisfeito. O day after foi péssimo. O dólar superou os R$ 3,20, a maior alta em 12 meses. A Bolsa de Valores de São Paulo mergulhou num mar de incertezas e fechou o dia com queda de 2,40%. Um dos temores é o de que na próxima reunião, em junho, o Copom opte por subir os juros. A banda do mercado que condenou a decisão do BC avalia, olhando objetivamente os indicadores importantes, como a inflação ainda sob controle, que haveria espaço para uma nova redução. Mantendo os juros, o BC passou a sensação de que temia a crise mais do que admite, numa derrapada maior do que a do ministro Dirceu. Não é difícil imaginar o efeito devastador que teria a eventual elevação da taxa. Os defensores da idéia amparavam-se na avaliação de que, com juros mais altos, acabaria ficando caro demais para os bancos manter os estoques de dólares que vêm formando nos últimos dias – já chegam à casa dos US$ 3,5 bilhões –, numa estratégia parte defensiva, parte especulativa. Ao desovar os dólares, o preço da moeda americana cairia. “A avaliação do Banco Central a respeito do mercado interno não combina com o mundo real. A demanda está muito fraca e a taxa de juros, alta. A continuidade da queda gradual criaria fatos positivos, aumentaria a arrecadação, diminuiria a vulnerabilidade da economia”, reage o presidente da Ford, Antônio Maciel, que esteve na casa dos Sayad. “A postura cautelosa do BC só reforça a percepção de que, para o governo e nas condições atuais, não podemos crescer muito mais de 3% ao ano”, disse o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horacio Lafer Piva, que horas depois do anúncio da manutenção dos juros participou de um debate televisivo com Palocci. O empresário também participou do jantar em torno de José Dirceu.

Desemprego – Com crescimento medíocre, o governo não conseguirá reverter as taxas de desemprego, que seguem subindo. Em abril, chegaram a 20,7% da população economicamente ativa na região metropolitana de São Paulo, de acordo com a Fundação Seade-Dieese. Em defesa de uma decisão sobre a qual não tem influência, Palocci diz não ser necessária uma queda dos juros todos os meses. “A redução é importante para ajudar a retomar a atividade, mas o crescimento econômico de longo prazo virá se nós conseguirmos completar a nossa agenda este ano”, disse o ministro, referindo-se à votação da Lei de Falências, do pacote para o setor de construção civil e da aprovação das Parcerias Público-Privadas, um instrumento de investimentos em infra-estrutura com a participação do empresariado. O ministro Guido Mantega, um ardoroso defensor do crescimento como prioridade, cumpriu seu papel institucional: “O BC é cauteloso por princípio. Tomou o caminho mais prudente diante de um quadro de turbulência momentâneo. Temos que respeitar.”

Uma outra barbeiragem ajudou a azedar o noticiário. Na terça-feira 18, o aliado PL mais uma vez aumentou o tom das críticas à política econômica do governo.
Em documento elaborado com a ajuda do vice-presidente da República, José Alencar, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, culpou a política econômica
pela crise e cobrou mudanças imediatas na economia, como a redução dos juros e do superávit nas contas públicas e controle sobre o capital especulativo. “O Meirelles, ao manter as altas taxas de juros, intencionalmente sabota o País”, reforçou Valdemar, que vem tentando, sem sucesso, cravar nomeações em cargos de confiança na Receita Federal. O texto pegou mal e coube ao vice botar panos quentes: “A sabotagem é de uma coisa que se convencionou chamar mercado.
Não tem nada a ver com o ministro da Fazenda ou o presidente do Banco Central”, tentou consertar Alencar dois dias depois.

Como alento, os diretores do BC registraram em nota oficial que a prudência
com os juros pode ser momentânea. O comitê pretende aguardar os próximos lances do xadrez mundial – essencialmente a definição do preço do petróleo,
que bateu recorde nesta semana, ultrapassando os US$ 40 o barril, a alta
dos juros americanos e o comportamento do gigante chinês – para decidir
se retoma ou não a trajetória de queda das taxas. Se a decisão for breve, os bons números que a economia finalmente vem apresentando podem resistir. Em março, a produção industrial registrou aumento de 11% em relação ao ano passado. As exportações acumuladas em 12 meses bateram a marca histórica de US$ 80 bilhões e o governo faz esforços na busca de novas fronteiras comerciais. Na quinta-feira 20, Lula, finalmente, “formalizou a assinatura” de contratos no valor de mais de R$ 4 bilhões com Estados e municípios para saneamento básico e a restauração de estradas. A esperança é a criação de empregos e, quem sabe, o início do tão adiado espetáculo do crescimento.


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