Foram sete dias ininterruptos de valorização constante. A escalada da cotação do real diante do dólar só foi interrompida na terça-feira 8, quando a moeda americana partiu dos R$ 3,15 e reagiu ligeiramente, num movimento que se repetiria nos dois dias seguintes. Mesmo assim, o dólar encerrou a quinta-feira 10 valendo R$ 3,24, em um patamar bem distante dos R$ 3,66 do final de janeiro ou mesmo dos R$ 3,52 que abriram o ano. A comparação com o pico histórico de 26 de setembro, quando a tensão pré-eleitoral valorizou o dólar a R$ 4, torna ainda mais eloquente a fase vitaminada da moeda brasileira. Um relatório do Lloyds Bank diz que “o mercado de câmbio vive dias incomuns, já que desta vez se busca determinar qual seria o piso” da cotação do dólar, em vez da costumeira questão a respeito da cotação máxima da moeda americana.

As razões do fenômeno são claras: a transição presidencial tranquila afastou os temores levantados durante o conturbado (na ótica do mercado financeiro) pleito do ano passado. O medo do calote, dos contratos rasgados e das privatizações desfeitas no braço passou. A confiança no futuro do Brasil voltou, numa carga poucas vezes vista na história. Tanto é que, apenas na semana passada, figuramos no jornal inglês Financial Times como o país da moda para se investir e tivemos o desempenho da nossa equipe econômica equiparado ao da Seleção Brasileira, pelo outrora demoníaco Fundo Monetário Internacional (FMI).

Não tão claras assim são as consequências de um real muito valorizado sobre a economia. O efeito mais óbvio é o provável fim da euforia exportadora, que elevou o superávit comercial brasileiro a um recorde histórico de US$ 1,2 bilhão no historicamente insosso mês de fevereiro (o que representa um avanço de 36,7% em relação a 2002). Nos agronegócios, a festa é ainda maior: o saldo, até março, atingiu históricos US$ 4,57 bilhões. O problema, aqui, é que não há um consenso sobre o ponto correto para a cotação do real, o que acabou resultando num descompasso público entre os ministros. O titular da pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, falou em “luz colorida” acesa ao se referir à possibilidade de o dólar cair abaixo dos R$ 3. No mesmo momento, o restante da equipe econômica repisava a determinação de deixar a moeda flutuar livremente, sem nenhum tipo de controle.

O alerta de Furlan, ecoando em Brasília a voz de todo o setor produtivo exportador, faz muito sentido, na opinião do economista Paulo Nogueira Batista Jr., professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (Eaesp-FGV). “A desvalorização de 2002 foi excessiva. Alguma revalorização era esperada. O problema é se esse processo for longe demais”, afirma. “Esse governo podia pelo menos cometer erros novos. A administração passada chegou a forçar a valorização do real em alguns momentos, o que gerou desequilíbrios externos e a nossa vulnerabilidade crônica. É muito importante que não se cometa o mesmo erro”, diz Batista Jr.

Repasses – Como resultado imediato do real turbinado, o recuo da inflação é dado como certo, apesar de os índices divulgados na semana passada terem assustado os analistas. Os especialistas em inflação explicam: ainda estão acontecendo reajustes por conta da valorização do dólar do ano passado. “Esses impactos não são imediatos. Pode ser que repasses ainda aconteçam por um tempo”, disse Eulina Nunes dos Santos, gerente do sistema de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao revelar o elevado IPCA de março (1,23%). O alívio, de qualquer forma, virá, mesmo ainda não tendo sido detectado. Provocada basicamente pela desvalorização do real, a inflação deve interromper sua curva de alta assim que os produtores assimilarem o novo patamar do dólar. Fato que, por sua vez, abriria caminho para o sonhado primeiro corte de juros da era Lula.