Com muito mojito, som ambiente animado pelo ritmo da salsa, e princesas cubanas como Mercedes, que enrola 50 charutos por dia, o país de Fidel Castro mostrou a que veio na ExpoCuba, evento inédito no Brasil, comandado por um dos principais ministros do governo cubano, o engenheiro Raúl de La Nuez, do Comércio Exterior. A receita do mojito – que aliviou o clima formal e sem graça que prevalece em exposições industriais – é uma diabrura: uma dose de rum branco, um pouco de suco de limão, uma colher (chá) de açúcar, club soda e, para enfeitar, quatro folhas de hortelã. Em um copo longo, coloque as folhas de hortelã, o açúcar e, com um socador, pressione levemente. Acrescente o rum, o suco de limão, muito gelo picado e mexa bem. Complete com club soda e decore com um ramo de hortelã. É beber e ficar alegre – imediatamente. Já a receita do ministro Nuez para estabelecer um canal de negócios entre os dois países e mostrar que as parcerias com a ilha podem ir muito além do rum e dos charutos é imbatível: tecnologia de altíssimo nível e uma qualidade que impõe respeito a qualquer produto “hecho en Cuba” – país onde doenças infantis como o sarampo foram erradicadas (no caso do sarampo, desde 1993) e onde com um dólar é possível pagar um mês de aluguel ou comprar um litro de leite por dia para um filho menor de sete anos durante quase três meses.

O ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, viu o “hecho en Cuba” na abertura da exposição, tomou apenas dois goles do drinque celebrizado nos bares cubanos por ninguém menos que o escritor americano Ernest Hemingway e saiu
do Centro de Convenções Pompéia entabulando negócios. “Ele ficou interessado no sistema dos painéis solares que estamos fabricando
para levar eletricidade a lugares que não têm como receber a energia convencional e que no Brasil poderia ser aliado do Fome Zero”, diz o ministro cubano. O sistema está instalado em 1.200 escolas cubanas. “O custo dos painéis é muito baixo (numa escola, por exemplo, pode chegar a US$ 1.500), não tem custos de manutenção nem de operação.” O ministro Furlan também se interessou pelos produtos da indústria biotecnológica, especialmente vacinas, área em que Cuba é insuperável. A empresa Vacunas Finlay, que comercializa os produtos do Centro de Investigación-Producción de Vacunas do Instituto Finlay, produz a mais eficaz vacina contra meningite do planeta (entre outras também reconhecidas internacionalmente) e está esperando a aprovação de
uma vacina terapêutica já testada para certos tipos de câncer, uma revolução tão importante quanto a que a Clínica Central Cira Garcia
vem fazendo há alguns anos na reabilitação de pessoas que sofreram problemas neurológicos com sequelas motoras, visuais, de
linguagem e na coluna vertebral.

Os 60 expositores do evento mostraram que Cuba – em razão da intensa pesquisa, sempre vinculada às universidades – deixou para trás os capitalistas desenvolvidos, não só na área de saúde, mas em setores como biotecnologia (um dos mais importantes e estratégicos da economia cubana), telecomunicações, eletricidade e eletrônica, metalurgia, agricultura orgânica, siderurgia, indústria naval, química, máquinas agrícolas e para construção, soluções para preservar o meio ambiente… Tudo com uma particularidade muito interessante: nos relatórios sobre as atividades dos setores o patrimônio intelectual é um capítulo de destaque. Na indústria siderúrgica e mecânica, por exemplo, esse patrimônio valioso para o país é constituído por cerca de 62 mil homens e mulheres, “entusiastas, inteligentes e de alta qualificação”, dos quais dez mil têm formação universitária, 30 mil são técnicos de nível médio e 22 mil são operários qualificados.

A ilha esbanja tecnologia em santuários de bem-estar, saúde e beleza, os chamados spas – esportivos, médicos, de rejuvenescimento, até a bordo de cruzeiros que passeiam nas águas do Atlântico e do Pacífico. A companhia Cubanacán Turismo y Salud trabalha com empenho para o desenvolvimento de centros de spa através de acordos comerciais com redes hoteleiras de primeiro nível que nos últimos anos desembarcam com todo apetite no país. A indústria de cosméticos entra nessa onda e também deslancha.

A exposição mostrou ainda a fineza do artesanato cubano. Tão refinado que, no dia da inauguração, o senador Eduardo Suplicy assinou um cheque de R$ 1 mil para levar a escultura em madeira de um chiquérrimo casal cubano, ela portando uma delicada sombrinha e um vestido longo, ele de terno, charuto na boca e chapéu. O senador – que também provou em muitos goles o aperitivo típico de Cuba – fez sucesso entre cubanos e brasileiros. Acabou a visita distribuindo autógrafos sobre fotos inéditas de Che Guevara. O comandante Fidel Castro não pôde vir. “Estava com a agenda muito comprometida”, explicou o ministro La Nuez. Mas Cuba – alegre como a música de Chucho Valdés, inovadora e criativa apesar do furioso bloqueio econômico americano – veio até aqui exibir a sua raça. Cuba tem suportado perdas diretas e indiretas acima de US$ 121 bilhões por causa da lei intervencionista e autoritária americana, em vigor desde 1962, cujo nome é pura ficção: “lei para a liberdade e solidariedade democrática cubana”. Estima-se que o dano é equivalente a 15 vezes o nível de exportação de 1989, o mais alto da história, o que corresponde a cercear 15 anos de desenvolvimento do país.

Convite para uma boa parceria

O ministro do Comércio Exterior de Cuba, Raúl de La Nuez, é, com orgulho, comunista desde criancinha. Tem 53 anos, é militante do partido desde 1967 e ministro a partir de 2000. Nascido em Havana, é um engenheiro otimista que veio ao Brasil pela primeira vez para mostrar a autoridades, empresários e investidores que seu país tem muito mais a oferecer do que o melhor rum e os melhores charutos do mundo. La Nuez não tem a soberba que desqualifica a maioria dos ministros da área econômica no mundo capitalista. Mas, como a palmeira real, a árvore nacional da ilha, tem o indomável caráter cubano e suporta em pé os mais furiosos vendavais que sopram dos Estados Unidos. Raúl de La Nuez falou a ISTOÉ na terça-feira 8, em São Paulo.

ISTOÉ – Qual a sua impressão sobre a repercussão
da Expo Cuba?
Raúl de La Nuez
– Fui surpreendido pelo interesse e pelo número de pessoas que compareceram à exposição. Creio que há condições para ampliar muito os negócios com o Brasil. Há setores em que Cuba pode contribuir, especificamente nos setores médico, tecnológico, de produtos veterinários. O mesmo em relação aos investimentos do Brasil em Cuba. Há diversos setores da economia cubana que estão abertos aos investimentos, como a exploração de petróleo, álcool e gás.

ISTOÉ – O que dizem as leis cubanas ao investidor estrangeiro?
Nuez –
A lei número 77 regula todo o processso do investimento estrangeiro. Existe a possibilidade de que esse investimento
atinja 100% do empreendimento. O que mais usamos é a empresa mista, 50 a 50. A lei dá alguns incentivos. Os dividendos, por
exemplo, podem ser repatriados sem nenhum tipo de imposto.
Temos tido excelentes resultados.

ISTOÉ – A força que massacrou o Iraque é a mesma que propagandeia contra Cuba. O que o sr. pensa sobre isso?
Nuez
– Há muita ignorância sobre Cuba, a imprensa em geral é contra Cuba, as informações são muito manipuladas. O que eu posso dizer é que venham a Cuba e vejam Cuba com os próprios olhos. Os indicadores macroeconômicos do país são reconhecidos por organizações internacionais. Os de desenvolvimento social são muito parecidos ou iguais aos dos países mais desenvolvidos do mundo. Não quero dizer que não temos dificuldades. Cuba é um país pobre, com poucos recursos, mas temos aprendido a administrá-lo muito bem e sobretudo temos uma divisão mais equitativa da riqueza.

ISTOÉ – Os integrantes do governo cubano conversam sobre a inevitável morte do presidente Fidel Castro e sobre os planos dos Estados Unidos de retomar seu poder sobre o país?
Nuez
– São planos que não se fundamentam em absolutamente nada. Os americanos estão sonhando. Fidel preparou um governo de transição com uma ala jovem apoiada pelo conselho popular, pelo conselho de ministros. Se os americanos têm alguma idéia de que com o desaparecimento físico de Fidel eles vão entrar em Cuba, estão muito enganados. Claro que todos vamos sentir muito. Será uma perda para a revolução, uma perda para o povo, mas a ilusão dos americanos pode morrer porque já está tudo pronto para a transição.