O psicólogo inglês Steve Biddulph, 49 anos, autor de vários livros, estará no Brasil nos dias 14, 15, 16 para falar de Criando meninos (Editora Fundamento, R$ 29,50). A obra, best seller na Inglaterra, Itália, França e Austrália, já vendeu mais de 11 milhões de exemplares em todo o mundo. Com um casal de filhos e terapeuta familiar há 25 anos, Biddulph tem lidado com os meandros do universo masculino e feminino tanto na clínica quanto em casa. E acha que a criação do homem moderno deve ser rediscutida. Ele diz que os meninos estão mais abandonados do que nunca na tarefa de se transformar em homens amáveis, competentes e felizes. Que falta a eles o bom modelo masculino, a presença constante dos pais, que extremamente ocupados em ganhar a vida os deixam sem um modelo seguro de crescimento. Da Tasmânia, na Austrália, onde mora, expôs seus argumentos a ISTOÉ:

ISTOÉ – Por que hoje os meninos estão exigindo
maior atenção dos pais?
Steve Biddulph –
Nós fizemos um grande e necessário esforço para ajudar as garotas a ampliar seus horizontes. Isto ainda está em curso. Mas os garotos estão atualmente em maior dificuldade. Eles correm três vezes mais riscos de morrer durante a infância e a adolescência por acidentes, violência e suicídio. Estão fazendo pouco na escola e fugindo das universidades. Parecem ter perdido a direção. Isso vem acontecendo há algum tempo e agora temos uma crise.

ISTOÉ – O sr. diz que os pais trabalham demais e os meninos, em especial, se ressentem disso. Mas há 30 ou 40 anos os pais não eram mais distantes da criação dos filhos?
Biddulph –
Isso aconteceu ao longo de todo o século XX, desde a industrialização. Quando eu era bebê, meu pai tentou me levar a passear de carrinho. Morávamos na Inglaterra, numa área industrial ao norte, cheia de trabalhadores. As pessoas na rua o apontaram e riram e as crianças correram atrás dele dizendo: seu pai é sua mãe. Muito embaraçado, ele voltou para casa. Só me contou isso na hora de sua morte. Assim como muitos homens daquela época, ele quis ser um pai dedicado aos filhos, mas a sociedade trabalhou contra. Hoje, vemos muitos homens com suas crianças, há uma mudança. Mas é só. As horas de trabalho aumentaram e há muitos casamentos desfeitos. Esta é a maior geração de órfãos de pais da história. Muitos meninos crescem sem sentir o envolvimento masculino em sua criação.

ISTOÉ – As conquistas femininas teriam contribuído para uma possível crise existencial masculina?
Biddulph –
Não concordo que “o feminismo confundiu os homens” ou “gerou problemas aos homens”. Eles tinham esses problemas antes do feminismo, mas as conquistas das mulheres colocou-os em destaque. Nós não fizemos muito para liberar o homem. Ainda esperamos que ele seja uma “carteira ambulante”. O homem se tornou uma máquina de trabalho, com algumas compensações para mantê-lo subjugado. As mulheres, a comunidade e os próprios homens querem uma vida maior. Fazer parte da família, de ações comunitárias, ser criativos e ter tempo para si.

ISTOÉ – O sr. mencionou em seu livro que “pouco tempo com qualidade” não funciona na criação dos filhos. Por quê?
Biddulph –
Amor não funciona com escala. As crianças sentem quais são as prioridades. As boas coisas acontecem quando temos longas horas juntos, despreocupadas, casuais e divertidas. Aí a confiança pode crescer e fazer o que é vulnerável vir à tona. Não se pode fazer nada bem com pressa. Nem cozinhar, nem fazer amor, nem criar filhos. A pressa é inimiga do amor.

ISTOÉ – Por que os meninos têm mais dificuldade em desenvolver habilidades sociais, falar de si e de seus problemas?
Biddulph –
Isso está relacionado ao desenvolvimento do cérebro. Precisamos abraçá-los, aninhá-los, ler histórias. Ouvir histórias leva a criança a construir imagens e desenvolve mais conexões de um lado do cérebro para o outro.

ISTOÉ – Por que a figura masculina ganha mais importância para os garotos dos seis aos 14 anos?
Biddulph –
Aos seis anos, alterações hormonais demonstram aos
meninos que eles pertencem ao sexo masculino. Eles querem imitar os pais em tudo e penetrar em seu mundo. Isso é bom. Eles vão aprender com o modo de ser do pai. Aos 14 anos, o nível de testosterona cresce 800% e os meninos começam a querer outro mundo que não o familiar. Nessa fase, eles precisam de outros adultos – tios, amigos da família e outras pessoas que os ame. Por isso, os pais precisam ter certeza de que podem oferecer a eles um meio amistoso, um grupo de amigos que possa estar lá quando precisarem.

ISTOÉ – O sr. diz no livro que a combinação comando-regras-justiça é uma boa forma para tratar com adolescentes. Mas essa combinação não limitaria o desenvolvimento da autonomia que eles tanto precisam?
Biddulph –
Essas três regras são mais apropriadas a situações em escolas ou grupos, como os de escoteiros. Em casa, a negociação é o melhor caminho. Por exemplo, se eles provam que são capazes de cumprir o horário combinado para voltar de uma festa, podemos lhes permitir ficar fora um pouco mais. Na medida em que os adolescentes vão crescendo – meninos e meninas –, é melhor estabelecer linhas principais de comportamento que não podem ser negociadas – segurança, fidelidade aos acordos e o respeito pelos outros. Tudo o mais – corte de cabelo, músicas, etc. – pode ser opção para eles. Desse modo eles estarão praticando independência de pensamento, escolhendo suas ações e trabalhando com as consequências. Fixe o que é importante e mantenha em negociação o resto. É importante também que não sejam apenas servidos, que dividam as tarefas de casa e cozinhem.

ISTOÉ – Qual a importância dos ritos para os adolescentes?
Biddulph –
É ideal que a comunidade de adultos introduza os garotos no sentido amplo de masculinidade, com intensos e significativos lembretes sobre responsabilidade, liberdade e os sagrados aspectos do que é ser homem. A responsabilidade de proteger, ser honrado, ser amoroso e amável. Se nós não fizermos isso para os nossos garotos, eles vão inventar seus próprios ritos de passagem, por meio da formação de gangues ou por meios perigosos de provar sua entrada na fase adulta. A existência de uma gangue é sinal de que os homens adultos de uma comunidade não estão fazendo seu trabalho. Não é uma falta das mães ou dos pais, mas o resultado do isolamento da família.

ISTOÉ – Qual a receita para formar homens capazes,
amáveis e felizes?
Biddulph –

Decidir desde os primeiros anos de vida deles que qualidades queremos que nossos filhos desenvolvam – e ensiná-los a fazer isso. Seja fazer uma boa comida, seja ser bons com crianças ou ir atrás do que acreditam. Se formos pró-ativos, não tivermos medo de nossos garotos, eles irão desenvolver bons sentimentos e fortes valores. Isso requer tempo e paixão, mas nos traz muito em troca.