Gilberto Gil gostava de contar, sempre às gargalhadas, que Mick Jagger compôs a malévola Sympathy for the devil pensando que fosse um samba. Na verdade, Jagger se inspirou nos batuques do candomblé que conheceu e pelos quais se apaixonou durante sua primeira visita ao Brasil, em janeiro de 1968, quando esteve no Rio de Janeiro de férias, hospedado na casa de Florinda Bulcão, ou Bolkan. Ouvindo a canção, faixa do disco Beggars banquet (1968), percebe-se que o vocalista dos Rolling Stones pouco aprendeu de música brasileira. Em compensação, a melodia de Sympathy for the devil – que tem ao fundo um mar percussivo e até uns gemidos macumbeiros no início – é hoje um clássico pronto para incendiar qualquer apresentação ao vivo da maior banda de rock do planeta. Não à toa ela está entre as 36 músicas antigas escolhidas para integrar o álbum Rolling Stones forty licks, compilação digitalmente remasterizada que ainda agrega quatro composições inéditas. O CD duplo, já nas lojas, foi produzido para comemorar os 40 anos de carreira do irreverente grupo que se reuniu em 1962, mas só lançou o primeiro single, Come on, de Chuck Berry, em 1963.

Acostumados à megalomania, principalmente em relação aos números, os Stones vêm à praça trazendo maior quantidade de sucessos que outros dois mitos pop. Em 2000, foi lançada a coletânea 1 dos Beatles, com 27 músicas que atingiram o primeiro lugar nas paradas, e no final do mês passado Elvis Presley renasceu através do CD Elvis 30 #1 hits, com as 30 canções mais vendidas de sua carreira. De alguma forma, os Stones tinham de superá-los. Mas não o fizeram de um jeito totalmente respeitoso como os Fab Four e o Rei do Rock, que obedeceram a uma ordem cronológica. Também produziram uma seleção na qual muitas músicas essenciais, como As tears goes by (1965), Lady Jane (1966) ou Dance little sister (1974), ficaram de fora para privilegiar faixas menos expressivas, do tipo Fool to cry (1976) ou Shattered (1978). Em grande parte, contudo, é um disco reunindo os clássicos dos clássicos do rock, equilibrando baladas com a vibração musical da banda.

O CD 1, à exceção da definitiva Wild horses, do LP Sticky fingers, de 1971, é todo feito com sucessos dos anos 60, época da formação original e clássica trazendo Mick Jagger (vocais, gaita e percussão), Keith Richards (guitarra, violão e backing vocal), Bill Wyman (baixo), Charlie Watts (bateria) e Brian Jones (guitarra), que morreu em 1969 e foi substituído por Mick Taylor até 1974, quando entrou Ron Wood que permanece até hoje. Forty licks também marca o lançamento da turnê mundial de mesmo nome, iniciada em Boston, dia 3 de setembro. Estão previstas 40 apresentações nos Estados Unidos. Em 2003, a excursão viaja para a Europa, Austrália e Ásia. Desta vez, o Brasil ficará de fora. Com o dólar nos patamares do firmamento está praticamente impossível deslocar para a América do Sul uma banda acostumada a dígitos estratosféricos, como os US$ 400 milhões amealhados na milionária excursão Vodoo lounge, de 1995, quando o grupo esteve tocando no Brasil pela primeira vez em cinco shows inesquecíveis.

No CD 2, a maioria das músicas vem dos anos 70, entre elas as eternas Brown sugar, do já citado Sticky fingers, e It’s only rock’n’roll, do LP de mesmo nome (1974). Remontando à década de 80 destacam-se apenas quatro canções e dos anos 90 só três. Restam as tais quatro faixas inéditas. Don’t stop é rock de tom pop, dançante e com guitarra de marca. Keys to your love é daquelas baladas preguiçosas, prontas para ser esquecidas. Stealing my heart carrega um certo vigor jovial no peso do trio baixo, guitarra e bateria, resultando num rock bem balançado. Losing my touch faz aquelas ignóbeis concessões à voz (???) de Keith Richards em balada tão pobre quanto sua interpretação. Esqueça, volte para as antigas e aumente o som porque isso aí é rock’n’roll.