Com a praticidade das lojas de departamento ou com o glamour de grifes famosas, hoje é possível comprar um terno pronto e ajustá-lo ao corpo. Mas nada substitui o ritual quase sagrado da roupa sob medida, que ainda fascina de 15% a 20% dos usuários de terno no mundo, de acordo com pesquisas da grife italiana Ermenegildo Zegna. Até o presidente Lula, aconselhado pelo publicitário Duda Mendonça, se rendeu ao charme do corte perfeito. Trocou os ternos feitos em série pelos personalizados. Para isso, elegeu o alfaiate e estilista Ricardo Almeida, 49 anos, que tem um ateliê em São Paulo, e aguentou o olho torto dos que acham que um político de esquerda não pode se render a um hábito elitista. Almeida explica, no entanto, que não é apenas uma questão de elitismo, mas de necessidade. “Comprar uma roupa adequada ao seu biotipo é cada vez mais importante. A roupa pronta é baseada em medidas globais, que atendem a apenas 40% dos consumidores,” comenta. Não é somente em busca de status que um homem deseja uma roupa feita sob encomenda. Muitas vezes, a estatura, o peso e a postura são empecilhos para um ajuste perfeito numa peça feita em série. “Uma roupa sob medida destaca os pontos fortes e camufla os desfavoráveis, como uma postura inadequada, por exemplo”, revela Almeida, que assina também os ternos usados pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

De olho nessa fatia do mercado, a tradicional grife Ermenegildo Zegna trouxe para suas filiais brasileiras – em São Paulo e no Rio – seu serviço de su misura (sob medida, em italiano). A empresa foi criada na Itália em 1910 para concorrer com a indústria têxtil inglesa, então imbatível na Europa. Hoje, tem 228 pontos-de-venda em todo o mundo e é dirigida pela quarta geração da família Zegna. Só no Shopping Iguatemi, em São Paulo, mais de 1.200 clientes são fiéis à marca e se propõem a esperar pelo menos duas semanas para levar seu terno para casa. “O cliente Zegna é o mesmo em qualquer parte do mundo, no Brasil ou na Europa”, explica Jarret Kerman, responsável pelo marketing da grife, que esteve no Brasil há 15 dias. Leia-se por “cliente Zegna” um homem vaidoso, endinheirado, que pode desembolsar de US$ 2 mil a US$ 6 mil num terno, e atribui à roupa parte de sua personalidade.

Artistas – Na verdade, usar roupas feitas sob medida sempre foi sinônimo de status. Os alfaiates surgiram no Renascimento (entre os séculos XIV e XVI) como artistas vindos das escolas de arquitetura. Aptos a lidar com régua e esquadro, só eles tiravam as medidas dos nobres e criavam suas roupas cheias de armações. Um outro momento de valorização da profissão ocorreu por volta de 1850 na Inglaterra. Com o processo de urbanização e o surgimento de postos de trabalho na cidade, os homens precisavam vestir-se melhor. Durante todo o século XX, a produção de roupas masculinas elegantes continuou vinculada às tesouras dos alfaiates, mesmo com o início da produção em massa. Aos entendidos, basta um olhar para diferenciar um produto feito sob medida de um produzido em larga escala. São detalhes, mas impressionam: os botões são perolados e as costuras justas nos ombros. Os punhos desabotoam e o paletó só é forrado até o meio das costas e nas mangas. Em alguns casos, os ternos são personalizados com uma etiqueta com o nome do cliente e a data da execução da peça.

Além do caimento impecável, a tradição é outro motivo forte para os homens terem um alfaiate – e se manterem fiéis a ele. “Tenho clientes de oito a 80 anos. Vai do avô ao neto”, conta Vasco Mendes de Souza, 49 anos, da alfaiataria Linhares, uma das mais antigas de Brasília. Ele diz que a maioria de seus clientes – entre eles o senador Ramez Tebet (PMDB-MS) e o ex-vice-presidente Marco Maciel (PFL) – só deixa de fazer ternos quando se aposenta. “Alguns fazem dez de uma vez e voltam depois de cinco anos. Mas sempre voltam”, conta. A tradição também é mantida entre os filhos dos alfaiates, que costumam seguir a carreira do pai, e não raro aprenderem o ofício ainda crianças. O francês Maurice Plas, que não revela a idade, chegou em São Paulo nos anos 50 e logo montou seu ateliê na então requintada rua Augusta. A loja continua no mesmo lugar, mantida pelo espírito vanguardista de Plas e pelo toque moderno de seus filhos, Maurice, 37, e Robert, 39 anos.

“Meu pai é um grande mestre, nos ensinou que a verdadeira alfaiataria é agulha e linha”, ensina Robert. Além de roupas masculinas, Maurice Plas costura também chapéus e boinas de diversos modelos. Entre seus clientes fiéis estão os irmãos Caruso, que têm até gravatas borboletas e arrojados ternos azuis assinados por Plas.

Escultura – Também o português Alberto Marques, um dos mais renomados alfaiates do Rio de Janeiro, aprendeu tudo com o pai e mantém um ateliê há 45 anos no mesmo endereço. “Tenho muito movimento, atendo uns 70 clientes por mês.” Em sua lista está o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que, por influência de seu pai, há mais de dez anos viaja até o Rio para encomendar seus ternos, que custam entre R$ 1.500 e R$ 5 mil. “A roupa sob medida é imbatível porque é quase uma escultura”, diz Marques. A empresária paulista Mônica Minelli, que comanda a grife de seu pai, o italiano Raffaeli Minelli, morto há 12 anos, concorda com Marques. Para ela, sempre haverá a busca pelos artesãos da linha e agulha. “No momento da compra, o homem é mais racional do que a mulher. Quer resolver tudo na hora e prefere não correr riscos. O alfaiate lhe dá essa segurança”, opina.

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Da casaca ao costume

No último século, a roupa social masculina não sofreu grandes mudanças. Com alterações baseadas no comportamento social do homem, foram feitas pequenas adaptações de modelagem – corte e tamanho das lapelas, por exemplo. Portanto, o atual costume – conjunto de paletó e calça – e o terno, composto de calça, colete e paletó, nada mais são do que o resultado de algumas modificações da casaca usada no século XIV – paletó comprido combinado com culotes ou calças retas. No início dos anos 20, a casaca foi encurtada, mas as principais transformações aconteceram nos anos 60. Galãs de cinema ditavam moda com ternos bem cortados e encorpados.

Nos anos 70, as bocas das calças ficaram mais largas e as lapelas um pouco maiores. Nessa época, o estilista italiano Pierre Cardin inovou misturando o estilo do jaquetão (transpassado com oito ou seis botões) com o do paletó tradicional, dando origem ao blazer. Na década de 80, os yuppies ditaram a moda, com paletós acinturados e ombreiras, para dar a impressão de força. Nos anos 90, entretanto, saíram as ombreiras e o terno ficou mais reto e com um corte simples. Essa tendência permanece até hoje, com o paletó mais justo ao corpo e lapelas reduzidas. Para especialistas, há chances de retorno para o jaquetão. Quanto aos tecidos, está de volta a risca de giz.


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