Fotos: Divulgação

Opção: laboratório em Ribeirão Preto pesquisa óleos de soja, girassol, mamona e canola (acima); nos testes, os carros emitem menos poluentes

Se nos últimos meses o Brasil só tem a lamentar pela economia estagnada e acachapantes índices de desemprego, um projeto de fabricação de combustível alternativo desponta como uma luz no fim do túnel. Os resultados virão a longo prazo, é verdade, mas podem ser animadores. Ecologicamente correto e renovável, o biodiesel é extraído de plantas como soja, dendê, pequi, girassol, mamona, babaçu, milho, algodão e macaúba, típicas em várias regiões do País. O Brasil foi o pioneiro no desenvolvimento de uma tecnologia 100% natural, que mistura o óleo vegetal ao álcool etílico, derivado da cana-de-açúcar. Países como Alemanha, França e Itália já produzem e consomem o biocombustível, mas sua fórmula leva metanol, o álcool derivado do petróleo. A julgar pelo clima, os diversos solos produtivos e a mão-de-obra abundante, o Brasil tem tudo para se tornar um grande produtor de biodiesel. Isso representaria um aumento imediato nas exportações agrícolas, e consequente queda nas importações, já que o País compra óleo diesel no mercado externo; além de ser uma promessa de geração de renda, sobretudo para agricultores e técnicos.

O programa do combustível verde, sob responsabilidade do Ministério da
Ciência e Tecnologia, é uma combinação em que todos ganham: iniciativa privada, governo, trabalhadores e universidades. Após um decreto presidencial, outros 11 ministérios passaram a colaborar, entre eles o do Desenvolvimento Agrário e o do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Em agosto, foi formado um grupo interministerial, coordenado pela Casa Civil, para criar um plano de distribuição e incentivo ao plantio das matérias-primas.

Uma das preocupações é evitar que o biodiesel vire um novo Proálcool, programa de incentivo ao uso de álcool combustível, que surgiu na década de 1970, fracassou devido a problemas de distribuição e sofreu melancólica agonia. O presidente Lula criou uma comissão interministerial encarregada de implantar ações direcionadas à produção e ao uso do óleo vegetal. Falta agora regulamentar a iniciativa, um projeto caro a Lula, por todas as suas implicações econômicas.

Na primeira simulação de uso do óleo vegetal, se constatou que as dez principais capitais do País evitariam gastos de R$ 873 milhões ao substituir os derivados de petróleo em sua frota. Essa redução de custo, ou aumento de receita, tem ainda relação com a poluição, já que o combustível emite menos poluentes.

Tudo isso pode virar realidade graças ao sucesso das pesquisas brasileiras em dezenas de universidades e institutos. Uma das mais entusiastas é a Universidade de São Paulo (USP). Após 12 anos de estudos em busca de um combustível renovável, a USP de Ribeirão Preto saiu na dianteira. Sob o comando do professor Miguel Dabdoub, formou-se uma parceria entre 24 empresas, com investimento de R$ 1 milhão, para criar o biodiesel nacional. “Podemos abranger todas as camadas sociais quando o projeto estiver a todo vapor, o que inclui grandes produtores, mas também a agricultura familiar. Temos clima, terra e gente para produzir, é só uma questão de tempo”, afirma.

Marcelo Carnaval  -  José Leomar

Piauí: as famílias assentadas (acima) recebem 25 hectares de terra e a incumbência de plantar mamona

Petróleo verde – O objetivo principal do programa, além de diminuir índices de
poluição, é impulsionar a economia nacional e gerar empregos. Só o uso da mistura conhecida como B5, que leva 5% de biodiesel e 95% de óleo diesel comum, já traria economia significativa. Segundo Dabdoub, o País
poderá reduzir em um terço a importação
de diesel, que hoje chega a seis bilhões de litros por ano. Na ponta do lápis, significa economia anual de US$ 350 milhões. Uma amostra desse potencial foi exibida na Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola da América do Sul, realizada em Ribeirão Preto. Na véspera de 1º de maio, o presidente Lula, acompanhado dos ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Agricultura, Roberto Rodrigues, rodou de um lado a outro em veículos movidos a óleo vegetal. Na visita, Lula disse esperar “em alguns anos ver o Brasil exportando o biodiesel para o resto do mundo”. A ministra Dilma Roussef, das Minas e Energia, vai mais longe: “Podemos nos tornar os árabes do petróleo verde. Pretendemos colocar o plano em ação no início de 2005, com a mistura de 2% de óleo vegetal no diesel dos automóveis”, adianta.

A partir de julho, entra em funcionamento a unidade de produção em Charqueado, interior paulista, com capacidade para 400 mil litros de biodiesel ao dia. No Ceará já existe unidade semelhante, que faz a transformação da mamona em óleo combustível. Uma das características da mamona é que ela pode ser cultivada junto do feijão, do milho e de outras plantas típicas da agricultura de subsistência. Assim como o Ceará, o projeto verificou bons resultados nos testes realizados no interior de São Paulo, em Estados como Rio de Janeiro, Paraná, Piauí e em Brasília. Na USP de Ribeirão Preto, o combustível é fabricado à base de soja e tem desempenho igual ou superior ao diesel convencional.

A montadora francesa PSA Peugeot Citroën cedeu dois automóveis para os testes. “Nosso primeiro carro, o Xsara Picasso, demonstrou que o biocombustível
é uma solução para um futuro bem próximo, em termos de economia e por
emitir quantidades baixíssimas de poluentes”, garante Rodrigo Junqueira,
diretor de relações corporativas da empresa. Os dois carros vão rodar cerca
de 80 mil quilômetros com a mistura. Outro exemplo é a América Latina Logística, que opera 15 mil quilômetros de malha ferroviária em São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, parte da Argentina e testou o uso do biodiesel na frota brasileira. A empresa calcula que poderá reduzir em até 20% sua emissão de poluentes. A expectativa é substituir um quarto do diesel derivado de petróleo nas 380 locomotivas ainda este ano.

Agricultura familiar – Com incentivo do governo, amparo científico e viabilidade técnica, só falta mesmo produzir a matéria-prima em larga escala. O que será, sim, possível a partir do ano que vem. Diversos tipos de solos brasileiros são ideais
para o plantio de oleaginosas sem necessidade de grandes adaptações, o
que pode trazer desenvolvimento social para várias regiões agrícolas e carentes
do País, como o Vale do Ribeira e o Pontal do Paranapanema, em São Paulo,
o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e alguns Estados do Norte e Nordeste.
A Ecodiesel, do empresário gaúcho Daniel Birman, saiu na frente. Em parceria
com o governo do Piauí, inaugurou um núcleo de plantio de mamona para a produção do diesel ecológico. Numa área de 18 mil hectares cedida pelo Estado
em Canto do Buriti, a 435 quilômetros de Teresina, a empresa investiu
R$ 15 milhões na primeira fase do projeto.

São 560 famílias de agricultores, boa parte do MST, já assentadas. A idéia é chegar a 11 mil trabalhadores e 200 mil hectares de mamona plantados. Cada família recebeu um lote de 25 hectares – 15 deles para o plantio de mamona e três para o cultivo livre (a maioria optou pelo feijão) –, o terreno restante fica para a casa de alvenaria, com rede de esgoto e água encanada. No contrato com os agricultores, a empresa se compromete a comprar toda a produção, pagando R$ 0,36 pelo quilo da mamona. Nos primeiros seis meses, cada família receberá R$ 250 por mês, como adiantamento da primeira safra. A partir daí, cada trabalhador pode atingir um rendimento mensal de R$ 700.

“A vantagem da mamona é que a cultura não é totalmente mecanizada e depende de muita mão-de-obra”, explica Nelson Silveira, diretor executivo da empresa, que prevê a criação de mais quatro núcleos como esse só no Piauí, e outros dois no Ceará. É o petróleo verde brotando no Nordeste brasileiro. Já não dá para dizer que o projeto do biodiesel, um símbolo do pacto social tão prometido pelo governo, seja apenas uma bandeira de campanha.