SOBREVIVÊNCIA Na costa da Flórida, 14 tubarões fugiram para águas profundas 12 horas antes
de o furacão Charley atacar a região

Eles são considerados os reis dos mares, sobretudo porque sobrevivem como ferozes predadores – mas nem tudo neles é destruição. Podem ajudar, por exemplo, a salvar vidas humanas diante da iminência de catástrofes naturais. Os tubarões freqüentam atualmente o universo de pesquisa de biólogos de todo o mundo que buscam compreender as suas inúmeras habilidades. A pesquisadora britânica Lauren Smith realizou uma série de experimentos no Centro Hiperbárico Nacional em Aberdeen, na Escócia, e na semana passada veio à tona uma nova e surpreendente revelação: os tubarões acusam em seus corpos mínimas mudanças na pressão atmosférica, mudanças que são, por sua vez, os sinais da natureza sobre eventuais furacões e terremotos.

De tão minucioso, preciso e sincronizado, o organismo de um tubarão parece ter sido construído num laboratório de alta tecnologia. A sua visão é de longo alcance, podendo observar uma presa nitidamente a três metros de distância ou, com menor grau de definição, a 15 metros. Isso ocorre graças a uma camada refletiva em seus olhos que permite um aproveitamento superior da luminosidade em locais com pouca luz, como águas turvas ou profundas. O olfato é extremamente apurado, identificando substâncias muito diluídas na água, como o corpo de um animal em decomposição a meio quilômetro de distância. Quanto à pele, o tubarão possui escamas que lhe dão um deslizamento na água de aproximadamente 40 quilômetros por hora (é a velocidade média de um jet ski). Está em sua audição, no entanto, a chave para operações de prevenção e salvamento de milhares de pessoas diante de catástrofes naturais. "É incrível a percepção de perigo desses animais. Em um dos furacões que destruíram a costa da Flórida, eles migraram cerca de 12 horas antes para águas profundas", diz Lauren.

O caso mais famoso que comprova essas pesquisas no campo da biologia envolveu o monitoramento de 14 tubarões da espécie galha-preta, eletronicamente marcados. Eles migraram de seu habitat, em Sarasota, nove horas antes de o furacão Charley atacar a região. Mantiveramse afastados das áreas de risco por mais de duas semanas e só então retornaram. O fato intrigou a bióloga Lauren, que passou a comandar incansáveis monitoramentos para entender como os tubarões funcionam como sismógrafos. "A resposta está na audição, que é sensível à pressão atmosférica", diz ela. "Ainda no núcleo do planeta, o tremor de terra gera um tipo de pressão que eles entendem como alerta de perigo."

LABORATÓRIO A bióloga Lauren Smith monitorou
os tubarões de perto

Parte das pesquisas foi realizada em uma câmara de altitude. Em seu interior, as mudanças de pressão imitaram as alterações verificadas dentro e fora do oceano diante de frentes e massas de ar quente. Outra parte do estudo monitorou o movimento de tubarões selvagens com receptores acústicos e aparelhos GPS (sistema de posicionamento global via satélite) na Estação de Campo Biológica de Bimini, nas Bahamas. "Ficou claro que o ouvido dos tubarões é semelhante ao dos humanos, tanto que sente mudanças de pressão", diz Lauren. "Nos animais, no entanto, há um nervo especial que comunica ouvido e cérebro, levando as informações sobre pressão atmosférica. O tubarão usa então esse mecanismo como sistema de alerta sobre mudanças no tempo."

Diversos cientistas concluíram que a complexidade de seu formidável organismo se deve ao fato de sua morfologia não ter sofrido alterações nos últimos 60 milhões de anos – fenômeno raro no reino animal. Qual o motivo de essa espécie estar há tanto tempo imune a mutações? A resposta a essa questão recai principalmente em seus sensores naturais na região frontal do corpo e na impressionante e acurada audição: são superpoderes que protegem os tubarões das ameaças do meio ambiente, ainda que tal proteção seja exercida intuitivamente com extrema agressividade. Eles são capazes de sentir o cheiro de uma única gotícula de sangue, por exemplo, em meio a uma piscina olímpica, e percebem à distância o batimento cardíaco de uma presa.

Os maiores predadores do mar serão também testados em outras pesquisas. Os governos de países que constantemente são castigados com desastres naturais estão interessados no monitoramento de tubarões na tentativa de impedir milhões de mortes, como aconteceu em dezembro de 2004 quando um tsunami varreu parte da Indonésia. Os únicos seres que saíram ilesos dessa tragédia, segundo os biólogos que trabalharam no local, foram os animais.