Os profissionais da medicina e da enfermagem estão numa disputa de espaço. A polêmica sobre os limites de ação dos enfermeiros e
sua capacidade de realizar diagnósticos e indicar medicamentos não é nova, porém ganhou fôlego por causa de uma resolução baixada há três meses pelo presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Gilberto Linhares. Ele reuniu em um único
texto diversas normas feitas anteriormente
pela entidade, encarregada da regulamentação do exercício profissional da enfermagem no
País. A medida afirma que os enfermeiros podem diagnosticar, prescrever remédios e pedir exames complementares de acordo com guias de conduta estabelecidos pelo Ministério da Saúde ou por instituições privadas para o atendimento de várias doenças. A maioria desses protocolos está descrita para males para os quais já estão bem definidos os sintomas, as complicações e os procedimentos adotados.

A resolução, em sua essência, não traz novidade. Hoje, os enfermeiros formados pelas faculdades de enfermagem e com Especialização
em saúde pública estão autorizados a examinar, diagnosticar e
medicar de acordo com as normas descritas nesses guias de conduta aprovados pelo Ministério da Saúde para tratar problemas como a
diabete e a hipertensão. Nas instituições particulares, os protocolos podem ser criados por médicos e aplicados pelos enfermeiros para o tratamento de qualquer doença.

A reedição das normas pegou de surpresa muitos médicos que não conheciam a permissão para que os enfermeiros exerçam essas funções. E, embora não seja consenso, boa parte da classe médica sustenta
que esses profissionais não estão capacitados para tomar as decisões necessárias, mesmo dentro de protocolos específicos. “Pode acontecer algum problema que não está descrito nesses guias. Isso exige um conhecimento prévio que muitas vezes os enfermeiros não têm”, afirma Caio Rosenthal, do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Por
isso, os médicos reagiram. O Conselho Federal de Medicina (CFM) prepara uma ação judicial para limitar as ações dos enfermeiros. “O diagnóstico
é uma atividade privativa dos médicos”, afirma Roberto D´Avilla, corregedor dos conselhos de ética do CFM.

Os médicos temem que a medida aumente os erros de atendimento.
Não só por considerar que os enfermeiros estejam despreparados para assumir as funções, mas também porque a discussão científica para validar os protolocos não é regra. Na prática, uma clínica particular
pode criar diretrizes sem tanta pesquisa e ainda autorizar que um enfermeiro as utilize. Esse risco preocupa também os profissionais
da enfermagem. “Se os enfermeiros não se sentirem amparados pelos guias e preparados para fazer a consulta e diagnosticar, devem se recusar a assumir a tarefa. Se houver erro, eles estão sujeitos à cassação do diploma e à ação da Justiça”, explica Rita Chamma, do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo.

Preparação – De modo geral, porém, os enfermeiros acreditam que, se estiverem bem treinados e especializados, têm condições de pedir exames e começar o tratamento baseados nas condutas estabelecidas pelos protocolos. Na opinião do presidente do Cofen, a resistência dos médicos está enraizada no medo de perder terreno. “Mas o tempo vai apagar este espírito corporativo”, afirma Linhares.

De qualquer forma, o debate ocorre em um momento no qual se discute no mundo a revisão das atribuições dos profissionais de saúde, inclusive dos enfermeiros. Nos Estados Unidos, por exemplo, há enfermeiras que vão à casa dos pacientes fazer diagnósticos e prescrições de remédios para alguns males. Na Inglaterra, elas decidem o tratamento de feridas e dão alta. Obviamente, a segurança dos pacientes está vinculada à capacitação de qualquer profissional que atue na área da saúde. “Por isso, é preciso que os enfermeiros, as universidades e as instituições invistam na qualificação e avaliação de seus profissionais”, afirma Anna Margherita Bork, gerente executiva da enfermagem do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias