Todo pai de adolescente já sabe: fazer o sujeito se levantar da cama para ir à escola é uma batalha diária. Mas ocorre exatamente o contrário se, em vez de aula, a atração for uma partida de videogame ou uma ida ao shopping. Também é missão difícil convencê-lo a arrumar o quarto, ensiná-lo a priorizar corretamente as atividades ou conter suas explosões de raiva e a inesgotável queda por tudo o que implica risco. Sem falar das crises de tristeza profunda quando o namoro – que durava apenas uma semana – terminou. Os adolescentes são assim.

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GOSTO PELO RISCO
Quando a bola de futebol da pelada da rua cai na casa do vizinho, entra em cena Rubens Castelli Neto. Aos 16 anos, ele não se esquece de suas peripécias em cima de telhados alheios. "Não tenho medo de altura. Aos seis anos, já escalava um barranco ao lado de casa", diz. Um de seus programas favoritos é ir ao Playcenter, famoso parque de diversões de São Paulo. Um de seus brinquedos preferidos é o Skycoaster, no qual a pessoa curte a sensação de uma queda livre de 18 metros a uma velocidade de 120 km/h. "Gosto do risco", diz.
EXPLICAÇÃO: ainda está em processo de amadurecimento a região que avalia as conseqüências dos atos

Até pouco tempo atrás, boa parte desses comportamento era explicada, grosso modo, como resultado das transformações hormonais típicas do período. Agora, a ciência começa a adicionar uma outra causa a tudo isso: as alterações vividas pelo cérebro durante os anos da adolescência. Elas são muitas e, segundo os especialistas, seriam intensas o suficiente para justificar algumas das atitudes mais comuns dessa idade. Basicamente, o que se está descobrindo é que, no cérebro adolescente, as regiões responsáveis pelo pensamento lógico, organização e capacidade de avaliar possíveis conseqüências dos atos apresentam um ritmo de amadurecimento muito mais lento do que o manifestado nas áreas associadas ao processamento das emoções.

Em outras palavras, nessa fase o jovem é governado por um cérebro onde os sentimentos ganham grande intensidade e a razão fica em segundo plano. Esse é o motivo pelo qual, entre outras coisas, eles sempre buscam atividades que causem emoções fortes, sem analisar o risco a que estão se submetendo. "Nos jovens, a parte cerebral usada para pensar adiante do ato não está totalmente desenvolvida ou completamente conectada às estruturas que processam as emoções. Então, elas não passam pelo filtro racional. É como ligar o motor de um carro sem um motorista devidamente qualificado ao volante", disse à ISTOÉ o psicólogo americano Laurence Steinberg, da Temple University e autor do livro 10 princípios básicos para educar seus filhos.

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Explosão de hormônios
Apaixonadíssimos, os cariocas Bruna Tavares, 16 anos, e Leonardo Fialho, 19, colecionam idas e vindas na relação. Depois de ficar, namorar, terminar, ficar e namorar de novo, eles estão juntos oficialmente há três meses. "Queremos estar perto um do outro o tempo todo", diz ela. A prova de que o casal vive o ponto alto da paixão está na página dele, no site de relacionamentos Orkut. "Quero misturar o que é teu com o que é meu, e nunca mais separar, se é que pode ser separado. Você é o meu amor, minha namorada, minha doença, meu remédio, minha amante, minha amiga, meu chão, minha vida", escreveu o rapaz.
EXPLICAÇÃO: na adolescência, há grande produção de hormônios. Boa parte tem ação no centro que processa as emoções. Por isso, o desejo de ficar junto é forte

Os estudos sobre a relação entre o funcionamento cerebral e o comportamento teen ganharam fôlego há uma década. Um dos pioneiros nesta área é o pediatra americano Jay Giedd, do Departamento de Psiquiatria do Instituto Nacional de Saúde Mental, em Maryland, nos Estados Unidos. Há 19 anos, ele conduz um experimento com adolescentes, acompanhando a evolução do cérebro de cada um por meio de exame de imagens. Os primeiros resultados mais consistentes foram divulgados há quatro anos e já apontavam várias modificações. Na última semana, um artigo publicado pelo pesquisador no Journal of Adolescent Health confirmou os achados anteriores e os detalhou ainda mais. O trabalho já está sendo considerado pelos especialistas um divisor de águas no que diz respeito à compreensão do universo adolescente. "Abriu-se a caixa de Pandora que era o cérebro durante a puberdade", afirma a pediatra Marilúcia Picanço, coordenadora do Ambulatório do Adolescente do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB).

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Dificuldade para pegar no sono
Não importa o quanto a mãe lute para fazê-lo dormir mais cedo: o carioca Lucas Ferreira, 15 anos, fica "ligado" até por volta de 1h. Seja no computador, no telefone ou em frente à televisão, ele enrola o mais que pode. Lucas sabe que o hábito prejudica seu desempenho escolar, mas não consegue evitar. Resultado: acaba cochilando à tarde, quando isso não acontece dentro da sala de aula onde cursa o último ano do ensino fundamental. "Nos fins de semana, saio com amigos e também durmo tarde", diz.
EXPLICAÇÃO: a melatonina, hormônio que induz ao sono, é produzida por uma glândula localizada na base do cérebro. Nos adolescentes, sua fabricação começa mais tarde, o que atrasa o início do sono

A primeira grande constatação de Giedd é a de que o cérebro não está totalmente maduro aos 11 ou 12 anos, como se imaginava. Ele atingiu o volume de um cérebro adulto, mas só alcançará sua maturidade – quando suas estruturas e conexões estão devidamente equilibradas – por volta dos 25 anos. Além disso, é exatamente no início da adolescência que ele passa por uma segunda onda de reformulação. A primeira ocorre ainda na gestação. No final da gravidez, o cérebro do feto é submetido a um processo de "poda" ou descarte dos neurônios que o próprio órgão entende não serem mais necessários. Trata-se de uma estratégia que objetiva o amadurecimento do cérebro, jogando fora o que não precisa e melhorando os canais mais importantes. O mesmo processo acontece mais ou menos aos 12 anos. E desta vez também há corte de conexões entre os neurônios. "Porém, o trabalho mostra que essa maturação acontece tardiamente no córtex pré-frontal", explica o psiquiatra Ricardo Uchida, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O problema é que o córtex é justamente a área responsável pelo raciocínio, controle de impulsos e pela avaliação de riscos.

A escolha das conexões que serão cortadas obedece às características genéticas e à velha lei da dinâmica cerebral, segundo a qual o que não é usado é descartado – o conhecido use-o ou perca-o. Por isso, o que os cientistas estão verificando é que os circuitos cerebrais mais usados na infância, como o da linguagem ou da escrita, tendem a ser menos afetados. É também por esse motivo que os pesquisadores estão alertando para a importância de dar à criança nos primeiros anos de vida uma boa formação intelectual e também em termos de princípios, conceitos e valores. Quanto mais fortes eles estiverem gravados no cérebro, maior a chance de permanecerem.

O trabalho também aponta outras estruturas que teriam suas funções ainda não completamente amadurecidas. Uma delas é o núcleo accubens, relacionado à avaliação de quanto esforço é necessário para receber uma recompensa. Por isso, nas contas do adolescente, não vale a pena arrumar-se rapidamente para fazer um programa que considera chato. A pergunta que ele se faz é: O que eu vou ganhar com todo esse esforço? "Essa é uma das razões pelas quais é tão difícil motivar os adolescentes e por que eles preferem atividades que requerem menos esforço, mas com maior excitação", explicou à ISTOÉ Ken Winters, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Minnesota (EUA).

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Sentimentos intensos
Aos 16 anos, a cearense Raquel, moradora do Rio de Janeiro, viu seu namoro adolescente tornar-se uma relação madura. Quando os pais decidiram voltar para o Ceará, ela já não imaginava como seria viver sem o namorado, Raphael, 21 anos. Chegou a viajar com a família, mas dois meses foram suficientes para a saudade apertar tanto que o único jeito foi o amado buscá-la de volta. Eles casaram no civil e a cerimônia religiosa ficou para quando a menina atingir a maioridade. "Quando o juiz perguntou se eu estava certa de minha decisão, caiu a ficha sobre o quanto aquele passo era importante, mas seguimos em frente e hoje estamos muito felizes", garante.
EXPLICAÇÃO: as áreas associadas aos sentimentos estão a pleno vapor. As paixões, por exemplo, são sempre avassaladoras

Além disso, a recompensa tem de ser boa, a seus olhos, e imediata. Não adianta insistir para que ele se dedique mais aos estudos com a justificativa de que desse modo seu futuro profissional será promissor. É mais eficaz argumentar que, se repetir de ano, vai ficar longe da turma de amigos. Para ele, faz mais sentido. Segundo especialistas, a constatação ajuda a entender por que tantos adolescentes tornam-se dependentes de álcool ou drogas. Essas substâncias dão sensação de prazer, e em pouco tempo. O que também já está demonstrado é que o núcleo accubens sofre uma queda na sua resposta à ação da dopamina, substância associada à motivação. "Por causa disso, ocorre o que chamamos de óbito da infância. Tudo o que ele gostava fica sem graça, o carrinho, a boneca", explica o neurologista Carlos Aucélio, do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Neurocomportamental da Criança e Adolescente da UnB.

Já no sistema límbico, o centro onde as emoções são processadas, a evolução do amadurecimento está bem mais adiantada. A amígdala, estrutura importante dessa engrenagem e vinculada a respostas impulsivas, é uma das mais ativadas na adolescência. E como a ligação entre essa área e a responsável pela razão ainda não está finalizada, as reações emocionais não são submetidas a uma análise mais crítica. O resultado é que elas acabam se manifestando de forma mais intensa. E, muitas vezes, os adolescentes não conseguem fazer a interpretação correta das emoções alheias, como provou um trabalho realizado por Deborah Yurgelun-Todd, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. No estudo, todos os adultos analisaram corretamente as emoções exibidas em retratos de algumas faces a eles apresentadas. Entre os adolescentes, só a metade acertou. O resto viu tristeza onde, na verdade, a expressão era de medo. Ou seja, entre outras coisas, eles podem enxergar raiva ou desinteresse onde decididamente esses sentimentos não existem.

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O prazer antes de tudo
É raro o dia em que o paulistano Felippe Belinetti, 17 anos, sai de casa sem o skate a tiracolo. Quando estudava de manhã, entrava na escola com o shape de rodinhas. Certa vez, chegou a andar no meio do pátio e só depois de muito choro convenceu o diretor a devolver seu brinquedo. "Quando cheguei em casa, minha mãe quebrou meu skate no meio", conta. Não adiantou. Às terças-feiras, Felippe acordava às 8 h e avisava a mãe que iria faltar à aula para andar em uma pista. "Teve vezes em que eu acordava de madrugada para andar de skate", diz.
EXPLICAÇÃO: a estrutura que avalia a quantidade de esforço necessária para receber uma recompensa ainda está se desenvolvendo. Por isso, eles preferem ações que dêem mais prazer, com menos esforço

Como se não bastasse tudo isso, as estruturas relacionadas aos sentimentos também estão sob forte impacto dos hormônios sexuais, abundantes nessa fase da vida. Ou seja, cria-se um verdadeiro furacão de desejo, sem que o freio do racional esteja funcionando plenamente. "Mas ainda estamos começando a entender como se dá a atuação dos hormônios sobre esses centros", disse à ISTOÉ Ronald Dahl, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh (EUA).

Mesmo que ainda faltem explicações para muitos dos fenômenos observados no cérebro ao longo da puberdade, o fato é que as informações coletadas até agora permitem que pais, professores e outros profissionais que de alguma forma lidam com adolescentes consigam entendê-los melhor. "Esses achados mostram que neste momento é muito mais importante que eles tenham cada vez mais atenção das políticas públicas, não como se fossem um problema, mas como jovens que precisam de acolhimento", afirma Albertina Takiuti, coordenadora do Programa da Adolescência da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. "Da mesma forma que se respeita o desenvolvimento infantil, o processo do adolescente tem de ser respeitado", diz.

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Dificuldade de organização
De segunda a sexta-feira a história é a mesma. Assim que chega do colégio, a paulistana Nathalie Gimenez, 15 anos, joga o material escolar para o lado. Na seqüência, tira o uniforme e faz o mesmo com ele, antes de almoçar de olho na tela do computador. A garota assume que não consegue priorizar as tarefas que tem de realizar e nem organizar seu espaço. "Meu quarto é uma zona. Sou bagunceira", afirma. Em uma única gaveta, por exemplo, pulseiras se misturam com brincos, perfumes e roupas. "Brinco que, quando eu me casar, meu marido vai achar a cueca no meio da gaveta de calcinhas", diz.
EXPLICAÇÃO: a área do cérebro responsável pela organização espacial e de ações está imatura

Os dados também dão um alerta de quanto os pais são importantes nessa fase. "Se, de um lado, há um cérebro fisiologicamente imaturo, é importante que, do outro lado, o ambiente dê o suporte necessário para o desenvolvimento desses jovens", explica Ana Olmos, neuropsicóloga infantil e orientadora de várias escolas paulistanas. Se eles não enxergam as conseqüências de se expor ao risco, por exemplo, cabe aos pais impedi-los. Com firmeza e sem culpa. Os pais podem se comover com as dificuldades do filho ou se irritar com os gestos de rebeldia, mas no meio de tudo isso precisam estimular os adolescentes a lidar melhor com a frustração, a cumprir com suas responsabilidades e também a descobrir seus verdadeiros recursos.

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