Velázquez-Manet: the french taste for spanish painting (Velázquez/Manet: o gosto francês pela pintura espanhola) é a exposição do momento em Nova York. Por momento entenda-se todo o resto de 2003, e talvez dos próximos anos. Nada no programa artístico de curto prazo da cidade será capaz de suplantar esta mostra que o Metropolitan Museum of Art abriga até 8 de junho. Através dela nota-se que a guerra – quem diria? – tem lá suas vantagens. Não fossem as campanhas napoleônicas na Península Ibérica (1808-14), hoje não seria possível tamanho esplendor à beira do rio Hudson. Napoleão Bonaparte, acredite, deu as primeiras pinceladas no cenário da arte moderna. Quando invadiu a Espanha, roubou o que pôde dos museus, dos palácios e das paredes de colecionadores particulares. Levou tudo para Paris, onde não se tinha muita idéia de que os espanhóis possuíam empunhadura de mestre nos pincéis.

Assim que os jovens artistas franceses – já fomentando revolta velada à ditadura do classicismo – colocaram os olhos nas obras do alto barroco espanhol, as artes visuais no país jamais foram as mesmas. A moda espanhola pegou de vez em 1838, quando o rei Louis Phillipe inaugurou a Galerie Espagnole no Museu do Louvre, com uma coleção que seria posteriormente vendida. Estabeleceu-se como fato notório a influência, descarada em alguns casos, dos pintores ibéricos do século XVII sobre seus colegas de 200 anos depois, à beira do rio Sena. Esta ascendência é o tema de Velázquez-Manet, mostra com mais de 200 obras de vários artistas, delineando com precisão a simbiose entre eles.

Pelas galerias do Metropolitan estão emparelhados exemplares soberbos de mestres espanhóis, como Murillo, El Greco e Zurbaran; franceses do porte de Delacroix, Coubert e Degas; e americanos da importância de Sargent, Chase e Cassatt. São 150 telas e mais 50 desenhos que ilustram o profícuo intercâmbio de influências. A ênfase, claro, centra-se em Velázquez e Manet, autores de 43 telas expostas, sendo 13 do primeiro e 60 do segundo. É com eles que a exemplar mostra cumpre com louvor sua missão. O destaque para Velázquez e Manet tem valor absolutamente didático. Ninguém levou a devoção ao espanholismo mais a sério do que o inovador Edouard Manet (1832-1883). Ele não apenas empreendeu andança à Espanha como trouxe na bagagem
alguns dos segredos do maior mestre daquele santuário: Diego
Velázquez (1599-1660). Manet “descobriu” Velázquez para os franceses
e talvez para o mundo.

Transportou de volta à casa, e para suas telas, valores revolucionários. Basta observar a pintura do cotidiano, na qual atores parisienses fazem as vezes dos bobos da corte das telas de Velázquez e mendigos substituem os anões ou as crianças, eternas musas do pintor espanhol. Neste diálogo, o ideal clássico seria depois subvertido pela realidade cotidiana, pura e gloriosa. Também estabeleceu-se o uso expressivo
de cores em vez das linhas tão ao gosto classicista. A atmosfera
iria envolver os personagens, causando uma completa quebra dos padrões da época. E as sugestões de profundidade passariam a ser arrebatadas por meio do que os espanhóis chamavam de tenebrismo,
algo semelhante ao chiaroscuro dos artistas italianos, mas com temperos ibéricos. Assim, a luz parece escolher favoritos e, por vontade própria, acentua pessoas ou objetos. Em Velázquez, não se dá brilho desmerecido aos santos e nobres. Quem impera são anões, velhos, meninas e até
seus patrões de carteira assinada: os reis de Espanha, que pagavam
seu salário fixo e generoso.

Exceto a família real, Velázquez pintava o que bem entendia. Ele foi o precursor do espírito liberalizante, que deu os primeiros contornos básicos à arte moderna. Manet canalizaria esta fonte rumo à França. Ao ver o retrato Infante Dom Carlos (1626), sem adornos exagerados e com um simplérrimo fundo marrom, o francês diria: “Não há nada além do ar cercando este homem.” Sacou tudo, o bom Manet, pois Velázquez, propositalmente, apagou qualquer vestígio ostensivo do retratado. Ao lado desta tela, astutamente o Metropolitan colocou a magnífica obra O anão Dom Diego de Acedo – el primo (1636-38). Não se trata aqui de mais um dos proverbiais anões de Velázquez, pois Dom Diego é um gigante filosofal.

Manet não demonstrou ser apenas um estudante dedicado, mas um criador poderoso, com ensinamentos muito próprios. Repare-se a tela


O balcão

(1868-69), na qual a influência hispânica não se restringe às obviedades da mantilha, do leque e do próprio balcão. Estende-se à supremacia das cores, substituindo os traços classicistas. Ou tome-se

a

Infanta Margarita

(1653), de Velázquez, e a compare com

O garoto com a espada

(1860-61), de Manet. A juventude dos personagens não

é o único ponto em comum. Há a luz, os fundos escuros (exemplos de tenebrismo) e as expressões faciais, fatores que os transformam em irmãos. Outro exemplo é o menino da tela

O pífaro

(1866), de Manet,

que transcende equivalências únicas com Velázquez e, profundamente, vai exibir o quanto os franceses se saciaram nas fontes espanholas.

Para quem não pode visitar esta belíssima mostra in loco, basta acessar

a galeria comparativa do site

www.metmuseum.org

na página de exibições especiais e seguir a magistral aula oferecida de graça. Nada, porém, se compara a um passeio ao vivo e em cores à arte de

Velázquez, Manet e seus correspondentes.