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DESERÇÃO DO LUXO
Marcas precisam solicitar uma autorização prévia à gestão
de Cristina Kirchner se quiser importar produtos

Os palacetes construídos entre 1880 e 1930 com materiais importados, pés-direitos altos e assoalhos de carvalho inspirados em construções neoclássicas parisienses dão um tom aristocrático à avenida Alvear, no bairro de Recoleta, em Buenos Aires. Não à toa, a via tornou-se referência do alto luxo argentino, chegando a constar em pesquisas como um dos cinco melhores destinos de compras do mundo. Grifes internacionais, a exemplo de Chanel e Gucci, travavam verdadeiros embates imobiliários há menos de uma década para ocupar alguns de seus então valiosos metros quadrados e se tornarem vizinhas das marcas Hermès e Louis Vuitton. Atualmente, no entanto, a imponência dos prédios contrasta com os seus interiores. Ao passear pela via se observa uma sequência de endereços ilustres com as portas fechadas em claro sinal da debandada das marcas de luxo por qual passa toda a Argentina, desde que o governo da presidente Cristina Kirchner adotou um controverso pacote de barreiras à importação de produtos estrangeiros.

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ADEUS
Na sexta-feira 28, a grife de bolsas francesa Louis Vuitton,
localizada na avenida Alvear, fechou suas portas

Na sexta-feira 28, foi a vez de a grife de bolsas francesa Louis Vuitton fechar sua operação na Argentina. De acordo com o porta-voz da companhia, um possível retorno ocorrerá em um período favorável, em data não definida, é claro. Já para 31 de outubro, está marcado o desembarque de sua ex-vizinha na avenida Alvear: a joalheria Cartier. Ambas seguiram os passos de Polo Ralph Lauren, Ermenegildo Zegna, Armani e Escada, entre outras. Enquanto isso, as marcas que permanecem na Argentina, como Calvin Klein e Chanel, enfrentam dificuldades para repor os estoques ou lançar peças de novas coleções simultaneamente às suas filiais espalhadas pelo mundo. Integrantes do governo, no entanto, mostram-se indiferentes ao êxodo do luxo. Preferem comentar sobre a internacionalização das grifes argentinas. ?Nós temos marcas que estão crescendo cada vez mais como Cardon e Pampero?, declarou o ministro do Turismo, Enrique Meyer. ?Acho que a Cardon está abrindo lojas em vários lugares do Oriente Médio e talvez no Brasil?, comentou. Empresários argentinos do segmento de luxo, porém, reclamam que as medidas adotadas por Cristina Kirchner estão inviabilizando a importação de matérias-primas para os produtos e afetando a qualidade das mercadorias que produzem.

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Em uma tentativa de manter o superávit de sua balança comercial (diferença entre a soma das exportações com as importações) acima de US$ 10 bilhões, o secretário de Comércio da Argentina, Guillermo Moreno, colocou em vigor medidas protecionistas. Implementado no começo do ano, o sistema de Declarações Juramentadas Antecipadas de Importação, por exemplo, obriga empresas de diversos segmentos, como o de moda, a solicitar uma autorização prévia à gestão de Cristina Kirchner para importar produtos. O pedido pode levar meses para ser aprovado ou não. De acordo com outra iniciativa, as compras realizadas por uma empresa no Exterior devem ser equivalentes aos valores que ela exporta.

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Especialistas ouvidos por ISTOÉ analisam que, na prática, as barreiras inviabilizam as operações das grifes internacionais, acostumadas a vender produtos produzidos em outras nações. ?A Argentina enfrenta um problema ainda maior que é a falta de credibilidade para convencer companhias a investirem ou permanecerem no país?, comenta Antônio Carlos Alves dos Santos, professor de economia e comércio exterior da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). ?As estatísticas oficiais, como a inflação, não condizem com a realidade e o ambiente de negócios é inseguro?, complementa. Para o economista Roberto Troster, conselheiro da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira, o governo de Cristina Kirchner parece não entender que empresas importadoras nem sempre exportam também. ?Eles estão insistindo em ler livros de economia há tempos fora de moda?, analisa Troster. De fato, a Argentina parece mesmo estar totalmente fora de moda. 

Foto: PRESIDENCIA/AFP
Fotos: Juan Mabromata/AFP