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INDEPENDÊNCIA
Apparício Torelly, Barão de Itararé, na década de
1920: cela dividida com o escritor Graciliano Ramos

Não há momento melhor para o jornalista gaúcho Apparício Torelly (1895-1971) ser lembrado do que em época de eleições. Famoso pela alcunha de Barão de Itararé – dada a si próprio em referência à batalha de mesmo nome –, ele foi o fundador de um estilo de humor político, praticado no seu jornal “A Manha”, cuja verve crítica é detalhada na biografia “Entre sem Bater: a Vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé” (Casa da Palavra), de autoria de Cláudio Figueiredo. O escritor teve acesso a documentos que iluminam o período mais fértil de sua carreira, a partir dos anos 1920. “A fase da vida mais conhecida de Itararé é a partir da década de 1960; deter-se apenas nela é o mesmo que falar só do final da carreira de Pelé”, diz Figueiredo.

O autor mostra como o Barão mantinha boas relações com o círculo do poder e a alta sociedade carioca, justamente os personagens com quem lidava nas páginas do seu diário. Getúlio Vargas, apoiado por ele no início do mandato presidencial, passou a ser pintado como inimigo ao se manter no poder por oito anos. Mereceu de Torelly a anedota: “Sabe como se chama nosso caro presidente? Gravata Preta. Adapta-se a qualquer roupa e a qualquer regime.” Parceiro em mesas de bilhar, o compositor Heitor Villa-Lobos ganhou tratamento mais ríspido: dono de “ignorância niagaresca, blusa russa e cabelos desgrenhados, como uma Desdêmona ressuscitada”. Era uma resposta ao fato dele valer-se das benesses do prefeito carioca para desenvolver um projeto em escolas, “à custa do erário público”.

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Essas passagens da vida de Torelly foram resgatadas graças às anotações de informantes da polícia política que mantinham o olho no jornalista. Ele foi preso duas vezes por causa da militância comunista – numa delas, em 1935, dividiu a cela com Graciliano Ramos e tornou-se personagem do romance “Memórias do Cárcere”. Em sua pesquisa, Cláudio Figueiredo encontrou na infância do seu personagem os primeiros traços do sarcasmo que mais tarde faria história. Na escola, o professor de português, Oswaldo Vergara, pediu-lhe a conjugação de um verbo qualquer no tempo mais que perfeito. O menino Torelly levantou-se e respondeu: “O burro vergara ao peso da carga.” “Apesar da acidez da brincadeira, o mestre aprovou o aluno”, diz Figueiredo.