Mais do que um dos principais cartões-postais da cidade de São Paulo, a Catedral da Sé foi palco de manifestações que ajudaram a mudar o cenário político do Brasil. Lá foi celebrado o culto ecumênico em homenagem ao jornalista Wladimir Herzog, em 1975, morto durante a ditadura militar. Também sediou o grande comício pelas eleições diretas em janeiro de 1984, que reuniu mais de 300 mil pessoas. Última igreja gótica a ser construída no mundo, a catedral reabre suas portas no domingo 29, após quase dois anos e meio de reformas. Em julho de 1999, a Sé foi interditada pelo Controle de Uso de Imóveis (Contru) por apresentar riscos à população. De fato, depois da construção do metrô – que passa embaixo dela –, e vários anos sem manutenção adequada, a catedral tinha trincas, rachaduras e infiltrações que comprometiam sua segurança.

Com as restaurações, os cinco mil metros quadrados da igreja
ficaram ainda mais imponentes. O renomado arquiteto Paulo Bastos
foi o responsável pela obra, executada pela Concrejato Restauro,
que já reformou o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o Museu de
Arte de São Paulo (Masp), entre outros. O destaque ficou por conta
das 14 novas torres que estavam no projeto original e que nunca
haviam sido construídas.

“Os espaços reservados para as torres permitiam a entrada de água de chuva e sujeira. Isso foi eliminado”, explica o engenheiro Ronaldo Ritti Dias, diretor da Concrejato. Os especialistas tiveram de driblar várias dificuldades para levantar as torres – que variam entre 13 a 19 metros de altura. “O trânsito ao redor é intenso e o espaço pequeno para colocar guindastes”, afirma Dias. “Importamos uma argamassa chamada GRC usada na igreja da Sagrada Família, de Barcelona, e as torres foram construídas bloco por bloco, num processo quase artesanal”, completa ele. A reforma da igreja, que custou R$ 19,5 milhões, incluiu também a restauração dos vitrais, importados da Itália, bem como pisos e teto. “Tivemos ainda de adequar a obra aos dias de hoje, com banheiros e elevadores que levarão até ao mirante da igreja, a 90 metros de altura”, lembra Dias. Isso faz parte do projeto de tornar a catedral um ponto turístico. Em breve, será instalado ainda um museu, com pelo menos seis mil peças, entre elas uma imagem rara do século XVI. “A reforma da Sé vem ao encontro da revitalização do centro histórico de São Paulo”, diz o Monsenhor Dario Bevilacqua, um dos párocos que por mais tempo ficou na Sé, de 1981 a 1992.

Até por isso, o monsenhor adora contar e recontar a história da Sé – que se confunde com a de São Paulo. “Em primeiro lugar é bom saber que catedral só existe em dioceses, ou seja, em cidades que têm bispo. Cátedra vem de cadeira – cadeira do bispo”, explica ele. E Sé? “Ah, é a mesma coisa. Vem de Sedes, do latim, que também significa cadeira.”

Prosperidade – A capital paulista ganhou status de diocese em 1745 e a catedral – então uma igrejinha – foi construída em estilo barroco. Mas, no início do século XX, a cidade prosperava com o café e os paulistanos queriam uma construção mais imponente. A pequena igreja foi demolida e em 1912 começaram as obras da Catedral da Sé, com projeto do arquiteto Maximiliano Hell. “Como não havia uma arquitetura brasileira, ele optou pelo estilo gótico, o mesmo de belíssimas igrejas como a Notre Dame e a Chartres, na França”, conta Bevilacqua.

A arquitetura gótica (a palavra faz referência
aos godos, povo do Norte da Europa) teve início naquele país e marcou o fim do obscurantismo medieval. Implicava uma renovação das técnicas
e formas de todo tipo de arte. A construção
se diferenciou pela elevação das paredes e
a distribuição da luz no espaço. A abóboda
central e as torres são bem características
dessa arquitetura.

A Catedral da Sé foi inaugurada em 1954, durante os festejos do 4º Centenário de São Paulo, ainda sem as torres da fachada principal – que só foram construídas em 1968. “Esta é a riqueza do gótico. Está sempre em construção. Notre Dame não está acabada. Como o homem, sua obra nunca chega à perfeição”, conclui
o monsenhor Bevilacqua.