O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou tenso para a entrevista na sede de ISTOÉ, na segunda-feira 23. Eram 17h20 e ele acabara de receber uma péssima notícia do mercado financeiro. A Bolsa de Valores apresentara uma queda acentuada no dia e a cotação do dólar tinha batido um recorde. Estava em R$ 3,56 e ainda apontava uma forte tendência de subida, para desespero dos petistas. Preocupado, Lula disparou uma aflita ligação para o ex-deputado Luis Gushiken, contato do PT com o capital: “Ligue para as pessoas sérias do mercado e bota o pessoal para explicar que esta confusão não tem nada a ver com eleição. Fala com o Magliano (Raymundo Magliano Filho, presidente da Bovespa) e diz para ele esclarecer que não é a eleição. Quem tem que explicar é o Fernando Henrique. A culpa é do Banco Central, por causa dos títulos brasileiros que estão vencendo amanhã
(na terça-feira 24, US$ 1,5 bilhão em títulos com correção cambial
vencia e o BC anunciou previamente que não rolaria os papéis)”, disse Lula, antes de desligar, visivelmente apreensivo.

Escaldado por desgastes passados, quando o PT foi atacado como gerador de incertezas econômicas, Lula intuía que os adversários iriam ressuscitar a estratégia do “terror econômico” às vésperas da eleição e, por isso, os petistas se articulavam na montagem de um estratagema para neutralizar a exploração eleitoral da histeria no mercado. As preocupações se confirmariam no dia seguinte. Na tarde da terça-feira 24, o dólar explodiu. No fechamento do mercado eram necessários
R$ 3,78 para comprar US$ 1, uma subida recorde de 5,88% em apenas um dia. O real atingiu uma cotação irreal, abaixo do peso argentino. Operadores especularam livremente com os rumores de que a pesquisa do Ibope, que seria divulgada na terça-feira à noite, indicaria uma vitória petista ainda no primeiro turno e Anthony Garotinho (PSB) teria ultrapassado o tucano José Serra – o preferido do sistema financeiro.

Desgaste – Ainda que o QG de Serra negue que vá explorar o pânico econômico no horário gratuito, os tucanos enxergaram na desordem cambial uma fresta para desgastar Lula. Na mesma terça-feira, logo após a divulgação da pesquisa Ibope, na qual o petista aparecia com 41% das intenções de voto (dois pontos a mais que a sondagem anterior) e Serra patinava nos 18% (um a menos), o candidato governista se encarregou de tentar faturar. Na privilegiada audiência do Jornal Nacional. Serra lançou: “Não basta apontar os problemas. É preciso mostrar como resolvê-los. Hoje tivemos o exemplo do dólar. Eu me preocupo com isso porque afeta a vida das pessoas, o preço do pão, do macarrão, do biscoito e da gasolina. Se eleito, vou dar confiança aos investidores e trazer mais dólares para o país.” O ministro da Fazenda, Pedro Malan, que costuma manter distância do tititi eleitoral, tangenciou a raia política ao dizer que os candidatos precisavam reiterar os compromissos do acordo com o FMI para evitar novos desarranjos. O PT respondeu, através do deputado Aloizio Mercadante, que o partido reafirmou várias vezes a manutenção dos contratos e os compromissos com a responsabilidade fiscal, metas de inflação e geração de superávits. O próprio presidente Fernando Henrique deu suas alfinetadas, depois de garantir que o stress cambial não tinha conexão com a economia real: “Se imaginarmos que está tudo assegurado, incorremos em grande erro, porque a democracia se refaz a cada dia. E a capacidade de um povo, de marchar na direção dos países mais desenvolvidos, pode se perder em poucos meses.” Na quinta-feira 26, FHC irritou-se: “O que determina o rumo de um país é a vontade soberana de seu povo, queiram ou não os especuladores.”
O temor de que a piora no cenário econômico empurre eleitores para um voto conservador leva a turma petista a desconfiar do acanhamento do governo na administração da crise. “O BC poderia jogar mais pesado com o mercado. É uma atuação suspeita”, acusa o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). Mercadante, economista e amigo de Armínio Fraga, reforça: “O governo já jogou com a alta do dólar em abril e pode estar fazendo isso de novo, numa estratégia desesperada para salvar sua candidatura. Pode estar havendo omissão do governo ao não utilizar os instrumentos que dispõe com objetivo de gerar um fato político.” Os tucanos refutam: “O Armínio é uma pessoa séria. Ninguém é irresponsável a esse ponto. O Lula sobe e o mercado entra em pânico. Quando o Serra sobe há tranquilidade. Essa é a realidade, e não uma estratégia”, responde o líder do PSDB, Jutahy Magalhães Júnior (BA).

O raciocínio dos tucanos é o seguinte: o dólar só cedeu e o mercado readquiriu alguma “tranquilidade” na quarta-feira 25, após a publicação da pesquisa Vox Populi. Por este instituto, Serra subiu dois pontos e chegou a 19%, enquanto Lula caiu um ponto e ficou com 41%. As duas pesquisas divulgadas esta semana têm muitas coincidências: ambas indicam a realização de um segundo turno, a estabilidade dos candidatos dentro da margem de erro e o crescimento tímido, mas contínuo de Anthony Garotinho. A assimetria está nas tendências – o Vox Populi mostra crescimento de Serra e queda de Lula. O Ibope registra o oposto. Por isso, Serra está tecnicamente empatado com Garotinho no Ibope e, no Vox Populi, está cinco pontos à frente.

Tensão – Na reta final da eleição, crises não faltam nas campanhas. No QG de Serra, o clima é de nervosismo e desânimo. A estratégia, que vem sendo desastrosa, abriu uma briga interna e parte da equipe política está em pé de guerra com a equipe do marketing. Enquanto o coordenador Pimenta da Veiga agora diz que nunca concordou com a linha ofensiva, o deputado José Aníbal é voz dissonante. Para o presidente do PSDB, os ataques são inevitáveis: “Eleição é confronto, debate. Nós somos muito atacados. Já fizemos tudo com tranquilidade, agora não dá mais”, diz Aníbal. Já Serra, depois de negar desentendimentos com o marqueteiro Nizan Guanaes, abandonou os ataques a Lula, considerados um tiro no pé. A alça de mira dos tucanos se virou para Garotinho, cujos números estão assustando. Na quinta-feira 26, o programa desmentiu as críticas do candidato do PSB e prometeu um salário mínimo de R$ 300, sendo que o primeiro aumento aconteceria em janeiro de 2003 e seria superior aos R$ 211 previstos no orçamento do ano que vem. Uma outra inquietação ronda o comitê tucano: o PMDB de Santa Catarina, cujo líder Luiz Henrique foi recusado como vice de Serra, está irritado com os salamaleques do candidato com Esperidião Amin (PPB), adversário de Henrique no Estado. A cúpula também desaprova, mas não chega a ameaçar com rompimento.

Prioridades – Além da mudança de alvo, os tucanos irão reforçar suas ações políticas no Sudeste, que agrupa 42% dos eleitores, especialmente em São Paulo e em Minas, onde contam com Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Aécio, virtualmente eleito no primeiro turno, só começou a pedir votos para Serra no ar na última semana. Serra retribuiu no programa
de quinta-feira 26, rasgando elogios a Aécio e a Minas Gerais. O PT,
que espera liquidar a fatura no primeiro turno, aposta tudo na chamada “onda vermelha”, uma referência às viradas que estão acontecendo em alguns Estados beneficiando candidatos petistas locais e às adesões de última hora de empresários de peso.

Já a campanha de Ciro Gomes despencou de vez e desencadeou sucessivas crises entre os caciques da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB). Os capos do comitê de Ciro resolveram afastar o marqueteiro e cunhado do candidato, Einhart Jacome. Agora pode ser tarde demais.
O líder do PTB, Roberto Jefferson, já começou a sondar o partido sobre
o apoio a Serra no segundo turno, prevendo que Ciro não chegará até
lá. E o ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL) tem a mesma opinião: “Ciro só vai para o segundo turno se houver um fato de grande repercussão.” Como crise pouca é bobagem, de outro lado, o ideólogo
de Ciro, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, provocou balbúrdia ao procurar Garotinho para propor uma dupla renúncia – Garotinho e Ciro –
em favor de Lula no primeiro turno. Na conversa, Unger garantiu que
se tratava de uma iniciativa individual e disse que tinha escrito uma carta a Ciro para “registrar sua opinião”. O ex-governador do Rio recusou a proposta com o argumento de estar em ascensão nas pesquisas. “Nós apoiaremos Lula no segundo turno, se não passarmos”, diz o vice de Garotinho, José Antônio de Almeida (PSB-MA).

Atropelando por fora, Garotinho foi a grande novidade dos últimos dias na corrida presidencial. Pelos números do Ibope e do Vox Populi, o ex-governador conseguiu uma surpreendente recuperação e se aproxima rapidamente de Serra. “Essas pesquisas confirmam o que venho afirmando, vou chegar ao segundo turno”, gabava-se o candidato. O desempenho realmente parece coincidir com as previsões do próprio Garotinho. Nas últimas semanas, ele repetiu diversas vezes que levantamentos de sua equipe apontavam para a iminência de uma aproximação com o tucano. Desde as pesquisas feitas no fim de agosto pelo Ibope, Garotinho apresenta crescimento de um ponto porcentual a cada nova sondagem. No Vox Populi, foi de 12% para 14%, o mesmo porcentual de Ciro. A escalada do ex-governador tem contornos que devem acender o sinal de alerta na campanha do tucano. No Sudeste, Garotinho passou a ter um desempenho melhor do que o de Serra – 18% a 17%. Além disso, o Ibope indica que ele tem o menor índice de rejeição entre os adversários, enquanto o tucano tem o maior, 29%. Garotinho sofreu um único abalo na última semana: foi obrigado a reconhecer que não falou a verdade no horário gratuito ao afirmar que seu programa de habitação popular no Rio beneficiou 500 mil famílias. Os números são mais modestos e ele tentou se isentar dizendo que não passou de “um equívoco da produção do programa”.

Evangélicos – O crescimento de Garotinho assusta Serra e já começa a ser observado pelos petistas, devido principalmente à influência do candidato do PSB no eleitorado evangélico. Pode ser coincidência, mas Lula marcou na agenda do domingo 29 a presença em um grande evento religioso com a participação do reverendo Jesse Jackson, ex-senador democrata americano, líder evangélico considerado uma espécie de sucessor de Martin Luther King na luta pela igualdade racial nos Estados Unidos. O cientista político Jairo Nicolau, do Instituto de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj), acha que a progressão
de Garotinho não pode ser creditada apenas ao apoio dos evangélicos. “Num momento inicial, esse fator pode ter sido fundamental, mas agora
os motivos são outros”, diz. Para Nicolau, os votos que agora alavancam o ex-governador podem estar vindo das áreas populares das regiões metropolitanas. “São eleitores de baixa escolaridade, que vivem em situações precárias e à custa de subemprego. Eles não se sentem representados pelos outros discursos políticos, e, sim, por Garotinho,
que defende políticas sociais pragmáticas e inteligíveis para esse público, com propostas simples.” O cientista político avalia que, mesmo se não chegar ao segundo turno, ele sairá da campanha presidencial vitorioso. “Terá cerca de 15% de votos, mais ou menos o mesmo que Lula em
1989, e isso é muita coisa.”

O coordenador de comunicação de Garotinho, o publicitário Carlos Rayel, afirma que a campanha segue o ritmo traçado originalmente. “De junho a agosto passamos por momentos difíceis, com os boatos de que ele iria desistir. Mas nos baseamos no patrimônio de votos de 10% que ele já tinha para conseguir resistir.” Daí para a frente, os coordenadores usaram o horário eleitoral pela televisão para apresentar Garotinho ao eleitorado nacional e difundir suas propostas. “A partir daí a rejeição caiu. Isso propicia uma melhor aceitação de sua mensagem”, avalia Rayel. Na reta final, a campanha de Garotinho vai se concentrar em regiões onde ele ainda tem poucos votos, como no Sul e no Nordeste.