Muito antes de integrar os Titãs, o baterista Charles Gavin tinha como hobby gravar fitas cassete com seleções personalizadas de músicas. Para a namorada, as mais românticas; para o amigo, as últimas novidades, e assim por diante. Hoje, Gavin acumula a função de pesquisador de repertório. Entre suas pérolas pinçadas está o álbum Lounge Brasil (Natasha Records), compilação de canções semi-esquecidas nas vozes de cantoras dos anos 50 e 60, como Sylvia Telles, Wanda Sá, Dóris Monteiro ou Maysa. A seleção mistura boa música e bom astral. “São canções para ser ouvidas enquanto se faz outra coisa”, diz o baterista e produtor que, de quebra, incluiu a atriz e antes cantora sazonal Norma Bengell, musa da turma da bossa nova, e Hebe Camargo, que costumava soltar belos trinados. Pois bem, com este e outros discos, a indústria fonográfica criou o lounge Brasil, rótulo que deve provocar gargalhadas nos fãs de canções antigas que agora ganham sabor de modernidade.

Mas fonogramas dos anos 50, brasileiros ainda por cima, podem ser considerados lounge? Sim, se considerarmos que o conceito lounge, ou chill out music, como os clubbers preferem chamar, remete ao momento de tranquilidade, quando a balada já esgotou as energias e tudo o que a pessoa quer é dar uma folga aos ouvidos e ao corpo. Lembra a idéia americana de lar no pós-guerra, época em que o rock’n’roll ainda estava nos guetos ou nas estradas, e nas casas, geralmente, tocavam-se discos como relaxamento. Os repertórios seguiam algumas regras: as canções obedeciam a um encadeamento, para uma faixa não destoar da outra, exatamente como no trabalho de Gavin, e sofriam influência de todas as partes do planeta. Não à toa, a bossa nova foi recebida de braços abertos nos Estados Unidos.

O compositor Marcos Valle, ícone da segunda geração da bossa nova, é um exemplo típico deste casamento. Com o boom da new bossa inglesa na segunda metade dos anos 80, suas músicas começaram a ser incluídas em compilações na Europa e no Japão. Todos os seus discos foram lançados no Exterior e logo o compositor de Samba de verão passou a fazer a média de três turnês anuais. Seu cacife reflete-se no álbum chill:brazil (Warner Music), de 34 faixas compiladas por ele, trazendo canções que vão de Água de beber à recente Guanabara. Já vendeu cerca de 200 mil cópias em 29 países.

A onda pegou mesmo. Gravadoras ligadas à world music ou mesmo à new age vestiram a roupa tropical do lounge Brasil, a exemplo dos dois volumes de Cafemamsp (MCD), com a dupla BPM e os grupos Mantra Pop e Latex, brasileiros que misturam sons eletrônicos a um clima relaxante ou refinado, seguindo o caminho aberto pelo falecido produtor iugoslavo Suba, que descobriu minas musicais no País. Jazzistas como o violonista Ulisses Rocha, com Acoustic lounge café (Azul Music), e o pianista Michel Freidenson, com Jazzis (Azul Music) reduziram o andamento de suas canções para entrar nessa linha. A mesma seguida pela gravadora Trama, que aposta em Aspirar, de Patricia Marx, incluída na disputada coletânea São Paulo Fashion Week, ao lado de M4J e Max de Castro, todo mundo esfriando ao som da calmaria.

Até o delicioso A onda que se ergueu no mar (Universal Music) – CD duplo com repertório selecionado pelo autor do livro homônimo, o jornalista e ferrenho defensor da bossa nova Ruy Castro – entrou na dança, estampando no invólucro o selo Lounge. Seleciona preciosidades da linha de Tema para quatro, com Os Cariocas, Que besteira, na voz de João Donato e Captain Baccardi, com Tom Jobim. Ouve-se até a ex-atriz francesa Brigitte Bardot enchendo de “érres” Maria ninguém, de Carlos Lyra. Nem os clubbers imaginariam tamanha diversão.