Cristalizado no imaginário popular como fascinante, em parte devido à fuzarca promovida pelos estudantes parisienses, 1968 também ficou tristemente marcado na memória dos brasileiros como o ano do AI-5. Em poucas palavras, o ato institucional, assinado pelo então presidente da República, general Arthur da Costa e Silva, instituía a censura no País. A lembrança não é, assim, das melhores. Mas, analisada em profundidade pela nova edição de A revista, publicação bimensal da Takano Editora Gráfica, distribuída gratuitamente para um público seleto, ganha outros contornos. O número 7 – que será lançado numa festa no domingo 29, na rua Maria Antônia, em São Paulo, onde em 1968 aconteceu uma encarniçada disputa entre estudantes de direita e esquerda – abre com um longo artigo sobre o centenário de Sérgio Buarque de Holanda. O recheio remete aos “anos de chumbo” e traz assuntos como as músicas censuradas, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o fechamento da empresa aérea Panair. Sem deixar de lado, é claro, a informação gráfica. Enfim, é uma revista da área.

Mas o grande trunfo deste número de 84 páginas e tiragem de 15 mil exemplares é o lançamento conjunto de uma edição fac-similar da monumental obra de Luis de Camões, Os lusíadas, feita a partir de um original cedido pelo colecionador José Mindlin. Quem viveu o auge da ditadura nos anos 70 sabe que cada publicação aleatória dos poemas de Camões no jornal O Estado de S. Paulo na verdade encobria uma notícia censurada. Pasmem, o livro trará algumas das matérias nunca publicadas, com suas respectivas páginas reproduzidas com os respeitáveis versos tapa-buraco. Um outro livreto de 60 páginas – com textos do jornalista Júlio de Mesquita Neto, que à época chefiava
o jornal, e do comentarista político Arnaldo Jabor, entre outros – explica o período tão conturbado. Também acompanha o número dedicado à censura um CD com imagens inéditas em vídeo. Entre elas, flagrantes dos então líderes estudantis José Dirceu e Luiz Travassos sendo presos em Ibiúna e cenas raras de políticos da oposição, como
as do ex-governador Mário Covas e do deputado Márcio Moreira Alves, cujo discurso precipitou o AI-5.

Tal ousadia é que faz de A revista um objeto de desejo de dez entre dez profissionais de comunicação. Dirigida por Marcos Weinstock, a publicação tem suas edições, sempre primorosas, a cargo da jornalista e escritora Regina Echeverria, autora de Furacão Elis. Além dos assuntos principais, a revista ficou conhecida pelo charme dos infindáveis “penduricalhos”, como Regina se refere aos apêndices preciosíssimos. “Tivemos duas fases. A primeira caracterizada pela pergunta: Quem é esta pessoa? Colocávamos na capa uma fotografia do focalizado quando criança ou adolescente, incitando o leitor a saber, só no meio da revista, quem era ele.” Assim foi com Tom Jobim, Nelson Rodrigues, Elis Regina e Glauber Rocha. Em sua segunda fase, já no número cinco, A revista virou temática. Inaugurou esta etapa a edição dedicada ao Rio de Janeiro, com Leila Diniz na capa. A seguir foia vez do sonho de JK e o pesadelo do golpe de 1964. No número 8, a publicação promete dedicar-se à língua portuguesa. Vista – e lida – por brasileiros e portugueses