ANDRÉ PORTO/AG. ISTOÉ

FETICHE Débora e sua coleção
de cerca de 100 pares: paixão por calçados

A cena já é um clássico do repertório feminino. Diante de uma decepção amorosa, uma crise no trabalho, um ataque de baixa auto-estima, ou simplesmente aquele desejo de adquirir algo novo, a moça se dirige ao primeiro shopping que vê pela frente e aplaca suas dores e vontades dentro de uma loja de sapatos. Comprar calçados funciona como um bálsamo para muitas mulheres. Vários pares deles. Porque, para algumas, o difícil é fechar a comporta do consumo desenfreado que é aberta diante de uma infinidade de modelos.

Mas por que as mulheres preferem enfeitar os pés a adquirir novas peças de roupa? A resposta é simples: porque os calçados não as traem. Quase sempre servem, caem bem, não mudam a numeração. Não são volúveis como as calças jeans, por exemplo, que podem saltar de 38 para 40 depois de um inofensivo fim de semana de excessos gastronômicos. “O sapato não te julga, não olha para sua cara e diz que você está gorda, que não serve para nada”, diz Amalia Sina, presidente da Sina Cosméticos. “Você compra e volta para casa com aquela deliciosa sensação de bem-estar, de que está tudo bem”, completa. E não precisa passar pelo trauma de enfrentar o provador.

O sapato é item de necessidade básica para a atriz e locutora Débora Campos Salles. “Se tenho algum dinheiro para gastar, compro calçado”, assume a feliz proprietária de cerca de 100 pares, que se recusa a comprar roupas quando está acima do peso. “Só entro num provador quando estou em forma”, comenta a atriz, agora na fase dos modelos de verniz e bico arredondado. Débora acaba de voltar da Itália, onde procurou, durante 20 dias e obstinadamente, o par de botas perfeito. Só o encontrou horas antes de voltar ao Brasil. “Tive de abrir as malas em cima da hora, elas não cabiam de jeito nenhum, foi um desespero.” Mas valeu a pena, garante.

O professor de psicologia aplicada ao consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Mário René, diz que a obsessão feminina por sapatos é um fenômeno recente, fruto da era de consumo atual, que acelera e estimula toda compra de bens. Mas lembra que eles são objeto de luxo e desejo há muito tempo. “No século XVII, por exemplo, um dos indicadores de nobreza era o formato dos pés, que tinha de ser pequeno e delicado”, lembra. “Vide o conto da Cinderela: a moça só podia se casar com o príncipe se seus pés entrassem no minúsculo modelo de cristal.”

“É muito mais fácil um calçado cair bem do que uma roupa”
Sandra Harabagi, professora

Distante das tradições seculares, a professora Sandra Harabagi, do Laboratório de Criação e Estilo da Universidade Anhembi Morumbi, aprecia o design. “Se gosto muito de um par, uso até certo ponto, para não estragar, e guardo na minha coleção”, conta. Sandra também abre mão de qualquer peça de vestimenta por um bom exemplar para seus pés. “É muito mais fácil um calçado cair bem do que uma roupa”, conclui. De cima do salto e a uma distância segura do provador.


O lado B do vício

Imelda Marcos virou sinônimo de mulher louca por sapatos. A exprimeira- dama das Filipinas é conhecida mundialmente por sua coleção de três mil pares de calçados, extravagância que veio à tona quando ela fugiu do país com seu marido, Ferdinand Marcos, em 1986, deixando para trás seus preciosos bens. A paixão é tanta que Imelda chegou a abrir um Museu de Sapatos nas Filipinas, anos depois, viúva e de volta do exílio no Havaí.