Luiz Inácio Lula da Silva quando decidiu ser candidato pela quarta vez à Presidência da República não queria ser a repetição do Lula de 1989, de 1994 e tampouco de 1998. O diferencial: apresentar-se à sociedade com mais substância, com um programa que pensasse o Brasil não apenas para os próximos quatro anos, mas para 15, talvez 20 anos à frente de seu tempo. Para começar a construir os alicerces desse país mais sólido do sonho de Lula e do PT é preciso mudar o modelo econômico e devolver a auto-estima ao povo com ações políticas fortes a fim de pôr a Nação nos trilhos do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda. Mesmo perto de viver o sonho, Lula não quer saber de já ganhou. Trabalha voto a voto para chegar lá. A 13 dias da eleição, esteve na redação de ISTOÉ para expor suas idéias. O candidato não abre mão da fase paz, amor e humor, incorporada não apenas à campanha, mas à sua vida. Ele não vai responder aos ataques dos adversários, seja de Serra, seja de Ciro ou de Garotinho. O tom sobe quando Lula fala das questões que ameaçam a soberania nacional. Para ele, a Alca, do jeito que está, não é uma política de integração, mas de anexação. No lugar da guerra fria, entra em cena a guerra comercial. E, para isso, pretende criar uma secretaria de comércio exterior. Cada embaixador se transformará num mascate, para vender ao mundo o que o País tem de melhor. O diálogo será marca registrada. “Somos capazes de fazer o grande pacto social que o Brasil precisa.” O governo, defende Lula, tem que conversar com os setores organizados da sociedade para, inclusive, se livrar da dependência do capital especulativo. “Queremos acabar com essa história de sermos um país de economia capitalista onde o capital é proibido para quem queira tomá-lo emprestado, seja para giro ou para comprar uma simples geladeira.”

ISTOÉ – O que fazer para tirar o País do caos social?
Luiz Inácio Lula da Silva –
Precisamos ter claro que o número de miseráveis no Brasil não pode continuar a crescer. Hoje, temos 43 milhões de brasileiros que não consomem as calorias e as proteínas necessárias. Estão a um passo de cair num processo de desagregação e degradação. Nós queremos com o projeto Fome Zero garantir comida a essas pessoas. O projeto não tem como filosofia dar peixe a vida inteira, a gente vai querer que eles pesquem e comam seu próprio peixe. É por isso que temos medidas de mudanças estruturais e políticas compensatórias porque quem está com fome não pode esperar. A questão da distribuição de renda e da política social são os temas principais, que permeiam todo o nosso programa de governo.

ISTOÉ – O mercado começa a falar no preço de um governo
Lula. Que tipo de relacionamento o sr. vai estabelecer com
a banca internacional?
Lula –
Estamos vivendo um momento de excepcionalidade no mundo. A crise não é apenas brasileira, temos os americanos passando por uma situação complicada. Por outro lado, os EUA agora têm um presidente que só pensa em guerra e isso vai criando tensão no mundo. Logicamente causa mais intranquilidade em países emergentes, como o Brasil. Espero que o presidente Fernando Henrique afirme o compromisso que assumiu comigo de fazer uma transição democrática e a partir de outubro chamar o candidato vencedor para participar das decisões do governo. Isso pode deixar as coisas muito mais claras para toda a sociedade e para aqueles que são os investidores no Brasil. Do ponto de vista teórico, há três meses não havia razão para fuga de capitais. Os títulos venceriam em agosto, em setembro, em outubro, em novembro. Portanto, no governo FHC, com (Pedro) Malan (Fazenda) e Armínio Fraga (Banco Central).
Se isso acontecesse a partir do dia 1º de janeiro, iriam dizer: “Ah, foi
por conta do Lula.” FHC, como presidente da República até o dia 31
de dezembro de 2002, tem a responsabilidade de manter a Nação
sob tranquilidade, inclusive quanto à especulação financeira. Somente eles podem fazer isso. Não é porque faltam poucos dias para a eleição que nós vamos aceitar que se crie terrorismo, premeditado ou não,
com relação ao Brasil, porque quem paga o pato é quem não deve:
o povo pobre deste país.

ISTOÉ – O ex-governador Cristovam Buarque, do PT, defende que a
antecipação dos nomes da sua equipe econômica acalmaria o mercado.
O sr. concorda com isso?
Lula –
Não concordo. Isso poderia ser a minha derrota, porque criaria uma fissura interna desnecessária. Você tem pouco mais de 20 ministros e no mínimo 300 pensando que vão ser (risos). Seria uma irresponsabilidade total e absoluta criar uma guerra interna. E mais: se isso fosse verdade, não estaria acontecendo agora esse problema com o dólar, porque o Armínio e o Malan vão estar lá até o dia 1º de janeiro.

ISTOÉ – Só até 1º de janeiro?
Lula –
Só.

ISTOÉ – O que o governo Lula faria assim que assumisse para tranqüilizar os investidores?
Lula –
Não acredito que esse mercado vai estar nervoso no dia 1º de janeiro. Sou otimista, quero trabalhar de forma otimista. A partir da apuração do processo eleitoral, as coisas vão começar a se arrumar neste país. Temos que reconquistar a credibilidade dos setores
produtivos e dos trabalhadores. Isso você não tenha dúvida que
é a primeira coisa que eu vou fazer.

ISTOÉ – O sr. fala em pacto, mas as reformas propostas vão contrariar interesses do capital financeiro…
Lula –
Vamos ser francos. Até na minha casa, toda vez que eu quero fazer uma coisa, nem todos os filhos levam partes iguais. Às vezes, o pequeno chora mais e tem um pouco mais. Hoje, o governo é o maior responsável pelas altas taxas de juros. Eu nunca aceitei a idéia de que é o mercado que regula a taxa de juros, porque quem aumenta é o governo. Ou seja: é o Brasil que, ao querer vender os seus títulos, aceita ou não a pressão do sistema financeiro. O governo não pensou em outro jeito de ter dinheiro, a não ser vendendo títulos.

ISTOÉ – Qual seria o outro jeito?
Lula –
Vamos fomentar no País cooperativas de crédito e fundos de pensão por categorias. Vamos reativar a economia investindo, num primeiro momento, nas atividades que não precisam importar matéria-prima. A construção civil é um exemplo forte disso. Estamos dispostos a discutir com a agricultura um incentivo e uma política agressiva para agregar valor à maioria dos produtos que exportamos. É isso que me dá a garantia de que a gente vai ter mais dinheiro interno, sem precisar tanto de dinheiro especulativo. Há ainda três ingredientes que um país pode oferecer a investidores estrangeiros, em vez de ativos públicos a preços muito baratos e a juros altos: infra-estrutura, mão-de-obra qualificada e mercado. O que falta é ter o governo funcionando como uma espécie de indutor poderoso, não apenas no planejamento, mas no incentivo a que as coisas aconteçam nacionalmente e regionalmente neste país.

ISTOÉ – Há setores no PT e nos partidos de sua aliança que defendem medidas mais radicais, como moratória. Qual será a influência deles no seu governo?
Lula –
Você acha que no governo FHC todo mundo pensa igual? Não pensa. Esse é o grande feito do PT no Brasil: nós brigamos, divergimos, mas vamos a um congresso e aprovamos uma tese. Portanto, aqui não tem posição para a direita, nem para a esquerda. Temos um programa que foi feito e aprovado por 90% do partido e nós vamos executá-lo com gente do PT e com gente que não é do PT, e até de nenhum partido. Queremos fazer um governo plural, com gente da mais alta competência.

ISTOÉ – O sr. ainda é um homem de esquerda?
Lula –
Eu nunca me preocupei com isso. O que me dá mais prazer na vida é não andar com um rótulo na testa. Quem gosta de marca é gado. Lembro que a primeira coisa que me perguntaram, no início da minha vida política, é se eu era comunista. E eu respondi: “Sou torneiro mecânico.” Do ponto de vista filosófico, sou muito mais socialista. Acho que a riqueza do mundo tem que ser distribuída de forma mais equânime para toda a sociedade. Vencendo, terei quatro anos para executar um programa pensando em fazer justiça social, um mínimo de distribuição de renda.

ISTOÉ – No Ministério da Fazenda e no Banco Central pode ter gente que não seja do PT?
Lula –
Eu pretendo diminuir o papel do Ministério da Fazenda. Pouca gente neste país mandou tanto como o Malan. Mandou em nós, porque a subserviência ao Consenso de Washington foi total e absoluta. O Ministério do Planejamento vai ter mais força no meu governo. Não será apenas para fazer orçamento. Será um ministério para pensar o Brasil globalmente, regionalmente, setorialmente. O ministro da Fazenda ainda hoje é uma figura muito importante, e eu não vejo economistas melhores do que os do PT. Alguns cargos serão do PT, outros não.

ISTOÉ – Como mudar o modelo de desenvolvimento para evitar que acelere a concentração no Sudeste e no Sul?
Lula –
Se eu ganhar as eleições, quero anunciar todos os ministros de uma vez. Esses companheiros terão que fazer uma viagem comigo pelo Brasil. É importante que cada ministro consiga conhecer as disparidades regionais, tanto do ponto de vista econômico-social quanto político ou cultural. Por exemplo, quero que entrem na periferia de algumas grandes regiões metropolitanas, que conheçam o que é o Vale do Jequitinhonha, o que é o semi-árido nordestino. As decisões não serão tomadas em função das pressões dos que podem chegar perto do presidente da República ou de algum ministro. Não! Elas têm que ser tomadas pensando na totalidade do Brasil. O Estado pode promover o desenvolvimento em algumas regiões em que somente ele, num primeiro momento, tem interesse em fazer isso. Será que o Nordeste nasceu para ser pobre a vida inteira? Eu não quero que um ministro tome decisão apenas com base numa estatística, que é fria, não tem coração, sentimento. Quero que eles conheçam o Brasil para que, cada vez que tiverem de tomar uma decisão, saibam que estão mexendo com gente. Em oito anos, FHC fez duas reuniões ministeriais e duas de governos de Estado, nenhuma para discutir desenvolvimento regional. É um governo que não discute o seu próprio país.

ISTOÉ – O sr. vai criar um ministério de ação social?
Lula –
Nenhuma precipitação. Execução eu só quero falar depois de ganhar as eleições. Ninguém vai sentar na cadeira antes. Ganhando, vamos discutir internamente o que vai se criar de novo, o que será mantido. Por exemplo, a FAO detectou que o melhor programa de combate à fome neste país foi o projeto do leite do Sarney. FHC
acabou com esse projeto sem nenhuma explicação.

ISTOÉ – Houve denúncias de corrupção na época.
Lula –
Mas era uma coisa que envolvia 15 mil entidades da sociedade civil. Se você tem 15 mil instituições participando de um programa e consegue detectar 0,5% dela praticando desvio, é quase nada. Nós nunca devemos partir do pressuposto que a sociedade vai cometer
erros. É assim que nós precisamos ter a nossa cabeça funcionando
para poder dirigir bem este país.

ISTOÉ – O sr. manteria alguma das políticas de saúde implantadas pelo ex-ministro Serra?
Lula –
O Serra não implantou política alguma. O Serra implantou
as coisas que o PT fez.

ISTOÉ – O sr. não vê nada de bom?
Lula –
Como é que eu não vejo? Quase metade das principais pessoas
que trabalharam com o Serra era ligada ao PT, a começar pelo Davi Capistrano. O genérico foi um projeto de lei do Eduardo Jorge. Fala-se tanto do genérico, mas vocês sabiam que o genérico atende apenas 7% da população brasileira? É muito pouco.

ISTOÉ – Mas ele foi premiado como o melhor ministro
da Saúde do mundo.
Lula –
Porque colocou em prática um programa de combate à Aids que foi feito em Santos no governo da Telma (de Souza). A saúde é uma coisa delicada, porque mexe com a coisa mais frágil do ser humano. Quando a gente está doente, fica um zé-ninguém. Quando vou ao hospital e vejo aquelas pessoas vestidas com aventalzinho andando pelos corredores, percebo que elas estão realmente para baixo. Então esse é o momento em que a gente tem que tratar das pessoas com carinho. Tratar de saúde muitas vezes é também uma ação humanitária.

ISTOÉ – Quais são os partidos que o PT pretende procurar para buscar maioria no Congresso?
Lula –
O Congresso nunca foi problema para governo algum. Quando o Congresso reage é porque o Poder Executivo, por falta de explicação para a sociedade, fala mal do Legislativo. Nós temos que trabalhar com duas certezas: a de que no dia 6 de outubro o povo brasileiro vai eleger o Congresso Nacional e a cara deste Congresso será a cara político-ideológica da sociedade brasileira. Portanto, nós vamos ter que negociar.

ISTOÉ – De que forma?
Lula –
Pretendo escolher o mais hábil dos políticos do PT para ser o interlocutor entre
o Executivo e o Legislativo. Será quase uma coisa sistematizada: reuniões do governo, através do próprio presidente ou através de
seu líder, com os líderes do Congresso. Isso
para a gente ir se habituando a dialogar não apenas em casos emergenciais.

ISTOÉ – Os ataques que o PSDB está fazendo agora nessa campanha não vão prejudicar sua relação com o partido?
Lula –
Minha mãe dizia o seguinte: quando os olhos não vêem, o coração não sente. Como eu não vejo os ataques, pois não vejo televisão, não estou nem preocupado com isso. Parece até que não teve efeito positivo para o candidato. Isso não me impede de conversar com o PSDB.

ISTOÉ – FHC fez coalizão com o PFL e muitas vezes
descontentou o PSDB…
Lula –
Ele não fez coalizão. O PFL teve mais poder no governo FHC
do que se o próprio PFL tivesse eleito o presidente. É diferente. O PT
tem um programa definido e o PT vai fazer alianças com setores que queiram cumprir aquele programa. Eu não sei se será com o PFL. O
PFL não está no nosso espectro de aliança política, embora o
partido tenha bons técnicos.

ISTOÉ – José Sarney e ACM sempre foram criticados pelo PT.
Hoje, estão prontos para votar na sua candidatura. Mudou o PT
ou mudaram os dois?
Lula –
O mesmo estigma que muitas vezes eu tive de muita gente, muita gente também teve de mim. Não são os outros que foram demônios para mim a vida inteira, eu também fui demônio para eles. As coisas estão mudando no Brasil, todo mundo está ficando um pouco mais civilizado, mais moderno. A discussão já não se faz mais como antigamente,
quando tudo tinha um viés ideológico muito forte. O Sarney tinha
como candidata a filha dele. Ela não sendo candidata, ele resolveu declarar apoio à minha candidatura e eu aceitei. O que muita gente gostaria era que eu não tivesse aceitado e que o porcentual que o Sarney tem de influência de voto fosse para os meus adversários.
Tudo o que eu puder ganhar de voto eu vou ganhar.

ISTOÉ – Mas eles terão participação no governo?
Lula –
Se eu não estou nem indicando os meus ministros, por que vou discutir participação no governo? Primeiro, vamos ganhar as eleições. Nós iremos montar o melhor governo que este país já teve, tanto do ponto de vista técnico quanto político. Será um governo que deixará muitos surpresos com a qualidade das pessoas que eu vou colocar lá.

ISTOÉ – Qual vai ser a sua política para o salário mínimo?
Lula –
Estou propondo criar as condições para dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo em quatro anos. Não é muito e não vai pesar. Espero provar que o salário mínimo tem que ser visto como renda e não como custo, porque quem tiver R$ 50 de aumento no seu salário não vai comprar dólar ou carro importado. Vai comprar comida, roupa. O dinheiro vai voltar para o mercado no dia seguinte. É por isso que estou convencido de que as prefeituras podem pagar, estou convencido de que a Previdência pode pagar, na medida em que a gente recupere concomitantemente o trabalho formal neste país.

ISTOÉ – O presidente que assumir vai enfrentar uma negociação sobre a Alca. Qual será a sua posição?
Lula –
Eu defendo uma política de livre comércio com todos os países do mundo, desde que haja uma certa igualdade na participação desses países. Nós temos de ter em conta que os EUA têm hegemonia tecnológica, têm praticamente 80% do PIB da região (o Brasil tem 6%)
e têm ainda lutado por mais hegemonia militar. A Alca, tal como está proposta, não é uma política de integração, mas de anexação. Os EUA aprovaram uma lei destinando US$ 190 bilhões de subsídios para seus produtos agrícolas, dificultando a entrada de produtos brasileiros. Eles elevaram para mais de 400 os chamados produtos considerados
sensíveis, ou seja, produtos com os quais o Brasil poderia disputar
o mercado deles. Então eles já se armaram para não permitir que os produtos brasileiros entrem e querem começar a negociar a Alca dia
15 de fevereiro? Nós não seremos anexados. Vamos participar das conversas, sim, e vamos fazer valer também os interesses da indústria
e da agricultura nacionais nessa mesa de negociação.

ISTOÉ – A sociedade brasileira está consciente desses perigos que a Alca representa para o Brasil?
Lula –
Uma parte está, outra não. A Fiesp tem um estudo que mostra que o Brasil vai ter muito prejuízo. Temos que pensar no Brasil como um todo. Caso contrário, vamos quebrar o pouco de indústria nacional que resta e vamos quebrar a nossa agricultura. Temos que exportar produtos com valor agregado. É isso que trará os dólares de que precisamos para não termos que pedir dinheiro emprestado ao FMI.

ISTOÉ – Com o avanço dessa postura belicista de Bush, como seu governo se posicionará em negociações com o governo americano? Como se portará num cenário de guerra com o Iraque?
Lula –
Primeiro, o ministro das Relações Exteriores do governo Lula
não tirará o sapato nos EUA, em nenhum aeroporto! Segundo, o Brasil precisa se respeitar na política internacional. No mundo da negociação, ninguém respeita quem entra de cabeça baixa. Vamos ter uma política
de comércio exterior ativa, de preferência democrática, com todos os países, sem discriminar ninguém, sobretudo com os EUA, mas o Brasil
terá posicionamento próprio.

ISTOÉ – Qual será a política do PT para os militares e para
as áreas de fronteiras?
Lula –
Para um país ser respeitado no mundo, ele tem que ser muito forte do ponto de vista tecnológico, ou econômico ou militar. O correto é ter as três frentes, como têm os EUA. O Brasil está sem nenhuma. Nós ficamos fragilizados. Sou um pacifista de nascença. Agora, isso não significa que a gente tenha que estar desmontando as Forças Armadas. Um dia você pode precisar delas. O Brasil assinou o Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares imaginando que os EUA fossem cumprir com sua parte: desativar o que têm e não atacar países que não têm armas nucleares. Mas não cumprem. Só nós é que vamos estar proibidos e eles não? Eu vou ficar com uma rosa na mão para enfrentar as armas deles? O Brasil tem que exigir que se respeitem os tratados por nós assinados. O próprio FHC tem feito reuniões com outros governos querendo rediscutir o acordo. O nosso país não é uma republiqueta qualquer, é uma nação grande. Eu quero ser para o povo brasileiro como eles são para o povo deles: quero primeiro pensar no Brasil, segundo pensar no Brasil, terceiro pensar no Brasil! Sou favorável a que não se tenha arma nuclear. Mas entre a minha utopia de um mundo desarmado
e a ganância e a prepotência militar de outros, temos que nos precaver.

ISTOÉ – Todos os candidatos prometem vigiar a fronteira
para evitar que as armas e drogas entrem e equipar melhor a polícia. Qual o pulo-do-gato para mudar o cenário de violência
nas grandes cidades?
Lula –
Para isto não existe pulo-do-gato. O Estado brasileiro não estava preparado para enfrentar o tipo de violência que temos hoje. O narcotráfico e o crime organizado viraram verdadeiras indústrias multinacionais. O crime organizado tem braços no Poder Judiciário, no Congresso, na indústria, no Exterior e na polícia. Precisamos ter uma polícia que seja mais preventiva e ela tem que estar preparada tecnicamente, cientificamente. Estamos propondo um sistema único de polícia, criando uma secretaria ligada ao Ministério da Justiça.

ISTOÉ – Seu adversário José Serra insiste em desafiá-lo, dizendo que o número de empregos que o sr. promete é impossível.
Lula –
É porque ele não leu o programa. Nós afirmamos o seguinte: o Brasil precisa criar no mínimo dez milhões de empregos. Isso vale para mim e para qualquer um que se eleja presidente.

ISTOÉ – Com que projeções o sr. trabalha?
Lula –
Não trabalhamos com projeção. Não quero fazer o que fez FHC, que prometeu criar oito milhões de empregos em 1998, e o saldo no
final do mandato dele são 12 milhões de desempregados. Eu quero reativar a economia, a agricultura, a construção civil e, com isso,
gerar empregos. Já fiquei desempregado 11 meses e sei o que o desemprego causa na cabeça das pessoas, sei o que causa na estrutura familiar. O povo brasileiro não quer esmola, ele quer trabalhar e viver
à custa do seu salário.

ISTOÉ – Há um acordo entre o sr. e FHC para aprovar o foro privilegiado para ex-autoridades, já que o presidente enfrenta 200 processos de primeira instância?
Lula –
Se alguém fez um acordo por mim, falta me dizer. Eu não tenho essa conversa com o FHC. Se já há processos, não é o presidente que vai conseguir dificultar o andamento deles. Se eu ganhar as eleições, a partir do dia 1º de janeiro não terei tempo de ficar futucando a vida de quem quer que seja. Só tenho quatro anos de mandato e vou dedicar 365 dias por ano para pensar no futuro, ver o que vou fazer e não ficar mexendo nas feridas do passado.

ISTOÉ – Nem nas privatizações?
Lula –
A minha prioridade é pensar no dia seguinte, porque o tempo é curto e eu sei a expectativa que o PT gera na cabeça de milhões de brasileiros. Qualquer candidato que for eleito e não der certo, não tem nada, é mais um que não deu certo. Mas, se é do PT, as exigências são muito maiores. Portanto, sei o fardo que está pesando nas minhas costas e sei das coisas que tenho de fazer. Os empresários, os sindicalistas não têm dimensão das tarefas que vou dar para eles. Ninguém vai ficar num canto chorando, não. Vai ter trabalho para todo mundo neste país.

ISTOÉ – A telefonia já está batendo na porta do governo para sair do vermelho. O sr. é favorável a um socorro a esse setor?
Lula –
O Brasil não tem dinheiro para socorrer ninguém. O Brasil precisa ser socorrido. Se temos um problema de gerenciamento nas agências de regulação, precisamos rediscutir o processo. Estaremos abertos a negociar com quem quer que seja, a rever coisas que precisam ser revistas, mas não dá para um Estado que não tem dinheiro tirar do pouco que tem para ajudar grandes grupos econômicos que podem trazer dinheiro de fora e aplicar aqui no Brasil. Aliás, gostaríamos que fosse cumprida a intenção das privatizações, que os componentes fossem produzidos dentro do Brasil para gerar empregos para o povo brasileiro.

ISTOÉ – Em relação ao dia seguinte, fala-se em fuga de capitais…
Lula –
Não acredito nisso. O problema é o seguinte: em cada campanha se inventa um tema. Em 1989, eram os empresários que iam fugir. A
fuga de capitais só está na moda hoje por causa da vulnerabilidade
da economia brasileira, ou seja: um governo que há oito anos não fez crescer a economia, que subordinou todos os seus interesses ao dinheiro fácil, sem levar em conta que o que dá dimensão de nação a um país
é sua capacidade produtiva, de fortalecimento do mercado interno. Tenho conversado com muitos bancos importantes, que estão investindo no Brasil há muito tempo, e eles não ficam com essa estupidez de
tirar dinheiro daqui. Quem age assim são pequenos bancos de investimento que fazem o papel de agiotas. Lamentavelmente, a
equipe econômica subordinou o Brasil a isso.

ISTOÉ – Como será a reforma agrária no governo do PT?
Lula –
Eu sou a única possibilidade de este país ter uma reforma agrária tranquila e pacífica, sem precisar ter nenhuma ocupação de terra e sem precisar ter nenhuma violência contra quem quer que seja.

ISTOÉ – Por quê?
Lula –
Porque nós vamos negociá-la. O Brasil tem 90 milhões de hectares de terras ociosas, boas para a produção. Vamos ter que começar a discutir os assentamentos e vamos fazer da forma correta. Na basta assentar novas pessoas. É preciso cuidar dos quase quatro milhões de pequenos proprietários que já estão trabalhando no campo e não produzem porque não têm política para o setor. A agricultura é um fator importante, tem sido o filé-mignon das exportações. Foi a agricultura que no ano passado nos deu um superávit de US$ 18,5 bilhões.

ISTOÉ – O MST vai invadir?
Lula –
Não sei. O MST é autônomo. Não tem que pedir licença para
nós para fazer as coisas. Eu quero reunir os sem-terra, a Contag, a
CUT, o governo. Quero pegar os mapas do Brasil, do Incra, e ver onde
é que está a terra, onde é que estão esses trabalhadores, para fazer uma reforma civilizada. O que eu espero é que haja efetivamente boa vontade de todos. Este país tem lei, tem Constituição e ela serve para mim, se for eleito presidente da República, e serve para qualquer outro brasileiro ou brasileira.

ISTOÉ – O candidato Serra está chamando o sr. para a briga faz tempo. O sr. vai continuar paz e amor?
Lula –
(risos) Vou. Sabe por quê? O José Serra entrou na água e descobriu que não sabe nadar (risos). Eu vou ficar tranquilo. Quando completei 50 anos, conclui que tinha menos tempo de vida a ser vivido
e iria tentar viver melhor, mais tranquilamente e com mais humor.
Resolvi sair candidato para provar que o PT está mais preparado
que os outros. Acho que o Brasil precisa de uma experiência do PT. Então, resolvi fazer uma campanha em que, em vez de falar mal dos outros, falo bem de mim, bem do PT, das coisas que fizemos pelo País. Eles que tratem de se defender, de defender o seu programa. No
último debate, vou estar do mesmo jeito: carinhoso com todo mundo,
não vou brigar com ninguém. Isso irrita eles? Irrita. Eles vão bater em mim? Vão. Mas não tem problema.

ISTOÉ – O sr. espera baixaria?
Lula –
Quanto mais tiver jogo rasteiro, mais eu vou elevar o nível.
Você pode ficar certo de que não tocarei em problema pessoal de nenhum adversário. A minha divergência com eles é de ordem política. Sou amigo do Serra, sou amigo do Ciro, sou amigo do Garotinho, já
estive junto com eles em palanque. Não vou jogar fora uma relação
de amizade que vem de 30 ou 40 anos para responder bobagem. Quero fazer uma campanha de alto nível. E vou fazer.