Antigamente, ter uns quilinhos a mais era comum, até para mostrar que havia fartura à mesa. Com o tempo, o excesso de peso perdeu a conotação positiva. Hoje, a obesidade se alastra e tira o sono dos médicos por causa do impacto que tem sobre a saúde. Ela facilita o surgimento de doenças e encurta os anos de vida. Na semana passada, cinco mil especialistas de várias nacionalidades vieram ao Brasil para dividir essas preocupações e discutir as estratégias para vencer os quilos a mais em três eventos internacionais de porte, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Por alguns dias, o País, onde cerca de 40% da população está acima do peso, foi o palco mundial da luta contra a obesidade.

Muita coisa pode mudar a partir dessas reuniões, já que foram divulgados avanços suficientes para reformular conceitos sobre obesidade. À luz das descobertas, não dá mais para imaginar que o gordo com dificuldade de emagrecer ou aquele que recupera peso após fazer um tremendo sacrifício carece de disciplina. As pesquisas mostram que a fome e a vontade de comer estão intimamente ligadas a aspectos genéticos e a hormônios que agora começam a ser mais conhecidos. “De doze substâncias presentes no corpo que interferem nesses mecanismos, três têm papel importante: a grelina, a leptina e o PYY3-36”, diz o endocrinologista Geraldo Medeiros, autor do livro O Gordo absolvido e presidente do 9º Congresso Internacional de Obesidade, realizado em São Paulo.

Decifrar esses compostos para aproveitá-los no controle do peso é a meta dos estudiosos. Um dos mais investigados é a leptina, fabricada pelas células gordurosas para provocar a satisfação do apetite. Um estudo, feito pelo cientista brasileiro Júlio Licínio, da Universidade da Califórnia, mostrou a falta que a substância faz. Ele tratou com doses de leptina dois irmãos e um primo de uma família turca com problemas na fabricação da substância. Nenhum deles comia exageradamente, mas todos tinham obesidade mórbida, a mais perigosa e definida por Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40 (obtém-se esse índice dividindo-se o peso pela altura ao quadrado). “Com o nível de leptina restabelecido, emagreceram em dez meses, sem dieta”, conta Licínio.

A substância também faz parte de uma espécie de conspiração do corpo para engordar ex-obesos. Quem defende a teoria é o cientista americano Rudolph Leibel, da Universidade de Columbia. “A perda do tecido gorduroso, onde é fabricada a leptina, faz cair a quantidade desse hormônio e também a queima de energia”, explica Leibel. O resultado não é nada bom: como o mecanismo que dá o sinal de saciedade está com defeito, come-se além do necessário até sentir que chega. Por mecanismos como esse, está em curso mais uma mudança na compreensão da gordura. “Ela é um tecido inteligente, que produz dezenas de substâncias”, diz o endocrinologista Alfredo Halpern, presidente científico do encontro de São Paulo. Outro hormônio associado ao apetite, a grelina (fabricada no estômago para avisar o cérebro que é hora de comer) também está envolvida nas sabotagens para impedir a perda de peso. Estudos mostram que os ex-gorduchos apresentam duas a três vezes mais grelina do que as pessoas que não fizeram dieta. Isso também não é bom, porque quantidades maiores de grelina significam mais sensação de fome.

Há outras substâncias sendo esmiuçadas, entre elas a adiponectina e o neuropeptídeo Y. “Elas nos ajudam a entender como é regulado o nosso equilíbrio energético”, explica o endocrinologista Walmir Coutinho, um dos organizadores do Simpósio Internacional em Obesidade, Hormônios e Síndrome Metabólica, que aconteceu no Rio. Porém, o composto que mais entusiasma os cientistas é o hormônio PYY3-36, fabricado no intestino após as refeições. Em um estudo publicado em agosto na revista Nature, pesquisadores injetaram a substância em voluntários e obtiveram resultados impressionantes, como a redução de 35% do apetite durante 24 horas. “É uma descoberta maravilhosa, mas ainda cumprirá várias etapas de testes até trazer benefícios práticos”, pondera o médico Medeiros. Em busca de armas mais eficazes, a ciência se debruça ainda sobre a genética. O canadense Claude Bouchard, autoridade no assunto, sustenta que há alta probabilidade de que pacientes com IMC superior a 33 tenham uma grande predisposição genética para a obesidade. Até o momento, os especialistas não identificaram os genes específicos para a doença, embora contabilizem 60 genes relacionados ao mal.

 

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A batalha contra o excesso de peso está longe de ser fácil, mas há esforços para torná-la menos sofrida. E esse é um caminho promissor, principalmente para renovar as esperanças de pessoas para quem os quilos ameaçam abrir as portas do corpo para outras doenças. A secretária Maria Lúcia Falgela, 57 anos, de São Paulo, conhece esse perigo. “Tive de emagrecer 18 quilos porque fiquei hipertensa. Com ajuda de uma nutricionista, aprendi a comer direito e controlei a doença”, conta. Outra enfermidade que atormenta os médicos é a diabete do tipo 2, adquirida devido à má alimentação e ao sedentarismo. A facilidade com que a obesidade se associa a esse tipo de diabete tornou-se tão clara que acaba de nascer uma palavra para classificar a união dos dois males, a diabesidade. A combinação coloca o obeso numa faixa de risco mais acentuada para males cardíacos e lesões nos vasos sanguíneos. “A manifestação da diabete em obesos tende a crescer e precisa ser prevenida”, afirma a endocrinologista Rejeane Cronfli, de São Paulo. Por isso, uma das propostas para evitar o problema em pessoas com grande risco de se tornarem diabéticas é justamente emagrecer. Um estudo do médico Xavier Pi-Sunyer, da Universidade de Columbia, feita com três mil pessoas, comprova isso e mostra que não é preciso perder muitos quilos para obter os benefícios. “Reduzir o peso entre 7% e 10% e fazer exercícios durante a semana pode evitar o desenvolvimento da doença”, conta o pesquisador. As pessoas que participaram do trabalho tinham a taxa de glicemia (açúcar) elevada. Um grupo se exercitou regularmente (220 minutos distribuídos na semana) e seguiu uma dieta com menos calorias e gorduras. O outro não fez nada. O resultado fala por si: a progressão da diabete no time dos esforçados foi 58% menor.

O endocrinologista Linneu Silveira, de São Paulo, só tem elogios a essa linha. “Essa perda de peso modesta também melhora a resposta do organismo. Muitas vidas podem ser salvas com essa conduta”, avalia. No entanto, para a nutricionista Celeste Viggiano, que trabalha com diabéticos e hipertensos, emagrecer até 10% para evitar a doença funciona mais na teoria do que na prática. “Alguém que pesa 100 quilos e perde cinco não conseguirá controlar a diabete”, desconfia. De qualquer forma, a indústria farmacêutica aposta nos benefícios de uma pequena redução de peso. O laboratório Roche divulgou um trabalho sobre os efeitos do Xenical na prevenção da diabete. “A pesquisa mostrou que a perda de 5% a 10% do peso proporcionou uma diminuição de 37% no risco de o paciente se tornar diabético”, diz o médico sueco Lars Sjöström, responsável pelo estudo.

Essa linha de pensamento salientada pelas pesquisas reforça o que os especialistas defendem incansavelmente: para emagrecer com saúde a saída mais segura é aliar a dieta equilibrada à atividade física regular, dentro de um processo lento e com resultados duradouros. A comerciante paulistana Paulina Arena, 42 anos, viveu essa experiência. “Comecei a engordar aos 25 anos. Cheguei a pesar 130 quilos”, lembra. Mas ela entrou num programa de reeducação alimentar e ginástica, orientado pelo personal trainer e nutricionista Isaías Rodrigues. Um ano depois estava com 59 quilos, mantidos até agora. Felizmente, sabe-se que a luta pelo emagrecimento pode ser amenizada ainda mais nos próximos anos. A chegada dos medicamentos que agem sobre as substâncias relacionadas à obesidade é uma grande promessa. “À medida que descobrimos e entendemos mais os mecanismos que levam à engorda e à dificuldade de perder peso, poderemos direcionar melhor o combate de acordo com as características da obesidade em cada paciente”, garante Coutinho. Ou seja, haverá mais de um caminho para atingir e manter o peso adequado.

Aposta nos pontos

Os Vigilantes do Peso acabam de lançar no Brasil o programa PontosAtivos. Nele, cada alimento vale um determinado número de pontos. Pode-se comer o quanto quiser, desde que, ao final do dia, a soma dos pontos fique dentro do limite indicado. O programa – famoso nos Estados Unidos e na Europa – é flexível, possibilitando a economia de pontos para usá-los em ocasiões especiais. Ficar calculando soa cansativo, mas a presidente mundial dos Vigilantes do Peso, a inglesa Linda Huett, diz que dá para fazer as contas de cabeça. “Só olho a tabela quando como alimentos com os quais não estou habituada.” Nesta entrevista a ISTOÉ, Linda, que participou do 9º Congresso Internacional de Obesidade, afirma que comemos mais do que precisamos e que as comodidades da vida moderna são vilãs da boa forma. “O telefone impede que se ande até a casa do vizinho para conversar.”

ISTOÉ – É mais difícil emagrecer ou manter o peso?
Linda –
Ambos. Se você pensa no emagrecimento como algo temporário, e que depois não precisará fazer mais nada, logo o peso perdido estará de volta. Por isso, falamos de fazer escolhas saudáveis para o resto da vida. O programa PontosAtivos atribui pontos à comida de acordo com o teor de gordura e calorias. Uma taça de vinho vale dois pontos. Uma fatia pequena de bolo de chocolate, um ponto. Um pacotinho de batatas fritas, seis pontos. Atividades físicas aumentam a quantidade permitida de alimentos.

ISTOÉ – Não é cansativo contar pontos?
Linda –
Não. Isso se torna parte da sua vida. Conto meus pontos há seis anos, desde que o sistema foi criado. Faço a maior parte das contas de cabeça. Só olho a tabela quando no restaurante servem porções maiores do que estou acostumada ou quando como coisas com as quais não estou habituada. Com o tempo, aprende-se o valor dos alimentos que fazem parte da rotina. Muitos vegetais nem contam pontos e muitas frutas têm baixa pontuação. Ninguém precisa se privar de comer o que realmente gosta.

ISTOÉ – Qual o principal inimigo da boa forma?
Linda –
Sedentarismo e comer muito e errado. Há um mau hábito comum a todos: comemos mais do que o necessário. Nos Estados Unidos, a quantidade de comida que servem é enorme. É difícil fazer o controle das porções e calorias que ingerimos. Muitos países estão seguindo o padrão alimentar americano. E também estamos ficando mais sedentários. Até mesmo o telefone impede você de andar até a casa do vizinho para conversar.

(Eliane Lobato e Vivian Lemos)



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