O juiz espanhol Baltasar Garzón se tornou mundialmente conhecido em outubro de 1998, quando policiais da Scotland Yard detiveram em Londres o ex-ditador chileno Augusto Pinochet. O magistrado havia solicitado às autoridades britânicas a extradição do general para a Espanha, para interrogá-lo por casos de torturas, sequestros e assassinatos cometidos durante a ditadura militar chilena (1973-1990). O caso abriu uma polêmica discussão sobre o conceito de extraterritorialidade, ou seja: se os crimes contra os direitos humanos são universais, seus autores poderão ser julgados em qualquer país. Pinochet acabou voltando ao Chile, mas só depois de amargar 15 meses de prisão domiciliar na Inglaterra, o que feriu de morte a impunidade da qual o ex-tirano gozava em seu próprio país. Outro alvo de Garzón foram os generais da ditadura argentina (1976-1983), dos quais também pediu extradição. Por tudo isso, ele virou um personagem internacionalmente respeitado, embora controverso.

Agora, o juiz de 47 anos, que preside o tribunal número 5 da Audiência Nacional, voltou a ficar sob a luz dos holofotes depois de uma polêmica decisão, desta vez na própria Espanha. Na segunda-feira 26, ele determinou a suspensão, por três anos, do partido basco Batasuna (Unidade), acusado de ser o braço político da organização terrorista ETA (Terra Basca e Liberdade). Poucas horas depois, o Parlamento espanhol aprovava, por 295 votos a 10 e 29 abstenções, um pedido para que o governo entre com uma petição na Suprema Corte para proscrever definitivamente o Batasuna com base na nova lei eleitoral. O partido tem cerca de 10% do eleitorado do país basco, 900 vereadores e 15 deputados nos Parlamentos das regiões autônomas espanholas País Basco e Navarra. A decisão de Garzón determina o fechamento de todas as sedes do Batasuna e impede o partido de promover reuniões ou manifestações públicas, mas mantém os mandatos de seus políticos eleitos. No dia seguinte, unidades da Ertzaintza (polícia autônoma basca) tiveram que empregar a força para fechar as sedes do Batasuna em três cidades bascas.

Críticas – A petição aprovada no Parlamento, que teve o apoio tanto do conservador Partido Popular (no poder) quanto do oposicionista Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), pode dar a impressão de que Garzón é uma unanimidade nacional. Nada mais falso. O juiz, que foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz este ano, é odiado pelos socialistas, desprezado pelos conservadores e olhado com desconfiança por muitos de seus pares, que o consideram vaidoso, arrogante e exibicionista. Antigos companheiros do magistrado, os socialistas acusam-no de agir por vingança. Afinal, em 1993 Garzón foi candidato a deputado por Madri, pelo PSOE, na expectativa de ser nomeado ministro da Justiça do governo do então premiê socialista Felipe González. Frustrado por ter sido colocado para escanteio, ele voltou à magistratura e começou a investigar as atividades de grupos paramilitares ilegais – os Grupos Antiterroristas de Libertação (GAL) –, responsáveis pelo assassinato de vários militantes da ETA. Suas investigações revelaram conexões entre os GAL e o Ministério do Interior e levaram à prisão do ex-ministro José Barrionuevo e do ex-secretário de Estado Rafael Vera. Já o atual premiê conservador, José María Aznar, que ascendeu ao poder depois que o escândalo dos GAL precipitou a queda dos socialistas, digere mal a independência de Garzón. No episódio Pinochet, Aznar fez de tudo para atrapalhar a ação do juiz.

Muitos dos colegas de magistratura de Garzón também não compartilham seus métodos, que consideram pouco ortodoxos. Há alguns anos, quando lançou a “Operação Nécora”, o juiz foi à Galícia com a Guarda Civil para prender um grande número de narcotraficantes. Suas aparições na cena do crime, no mais puro estilo das minisséries americanas, irritaram profundamente alguns juízes. Outros denunciam o que consideram esbirros autoritários de Garzón. Nas Olimpíadas de 1992 de Barcelona, por exemplo, ele foi acusado de perseguir indiscriminadamente o Terra Lliure (Terra Livre), movimento que defende a independência da Catalunha, mas, que diferentemente da ETA, não tomou o caminho da luta armada. Mesmo o caso de suspensão do Batasuna tem sido criticado por juristas. “É um processo em que não se pode chegar à conclusão de que o Batasuna é a ETA, porque a conduta delituosa de alguns cidadãos que estão sendo investigados não pode comprometer o partido em seu conjunto. Mas acaba por se chegar a essa conclusão, para proceder à suspensão do partido e abrir o caminho à possível imputação penal de seus dirigentes e, eventualmente, de todos os seus membros. Contra o Batasuna, o fim justifica os meios?”, escreveu no El Pais o professor de direito constitucional da Universidade de Sevilla Javier Pérez Royo.

Seja como for, Garzón já garantiu seu lugar na história. Desde o caso Pinochet, ex-ditadores ou torturadores de todo mundo nunca mais ousaram pôr os pés fora de seus torrões natais, com medo de serem detidos. Nem mesmo o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, outro investigado pelo juiz espanhol pelo envolvimento no golpe que levou Pinochet ao poder, ousa sair dos EUA hoje em dia.