O agrião é mais verde e tem folhas miúdas, a beterraba é pouco maior que uma bola de gude, a laranja tem um suco mais saboroso, o arroz é insuperável e até a banana, nossa fruta nacional, é mais gostosa. Coloque nessa lista café, morango, açúcar, frango, legumes os mais variados e terá um cardápio que se amplia dia a dia nas prateleiras de supermercados reservadas aos produtos orgânicos. O apetite por esses produtos sem agrotóxicos e sem aditivos químicos, cultivados num sistema de produção agrícola que busca manejar de forma equilibrada o solo e demais recursos naturais (água, plantas, animais, insetos, etc.), começa a crescer no Brasil, ao mesmo tempo que explode na Europa e, também numa escalada ascendente, conquista consumidores americanos, movimentando no mercado internacional US$ 17,5 bilhões ao ano, com perspectiva de chegar a US$ 40 bilhões em 2004, de acordo com dados do Centro Internacional do Comércio (ITC).

Aqui, o crescimento da produção foi de 50% ao ano nos últimos dois anos, enquanto a média mundial ficou entre 20% e 30%. O consumidor brasileiro ainda está aprendendo o que é orgânico e, aos poucos, desfazendo a associação entre a denominação e a macrobiótica, saudável, mas difícil de engolir. São produtos que custam, em média, 30% mais que os tradicionais, por uma conjunção que une a baixa escala da produção à falta de hábitos de consumo, o custo da embalagem para diferenciá-lo dos convencionais, além dos gastos adicionais com o processo de certificação – para que um produto possa ser considerado orgânico, é necessário que a terra e todo o sistema de produção passem por um procedimento de fiscalização e inspeção, o que é feito por entidades certificadoras, como o Instituto Biodinâmico (IBD) e a Associação de Agricultura Orgânica (AAO), as principais do País.

A Fazenda Santo Onofre, com 200 hectares em Morungaba, no interior de São Paulo, cumpriu todas essas etapas, para em 1998 ganhar o passaporte orgânico e dedicar-se ao plantio de legumes e verduras. Há dois anos, o casal Paula e Renato Hauptmann resolveu estruturar o negócio como uma agroindústria e fez uma parceria internacional com o Fundo Terra Capital. “Queríamos deixar de ser apenas produtores”, diz Renato. Hoje, eles produzem, processam e comercializam para 150 lojas de varejo do País, fornecem para restaurantes e atuam no chamado “catering” (comida de avião) para companhias aéreas. O faturamento no ano passado foi de R$ 4,3 milhões, devendo chegar em 2002 a algo em torno de R$ 5,5 milhões. A Santo Onofre está adotando várias modificações em sua estrutura.“Estamos saindo da poesia e caindo na vida real”, diz ele. Renato é membro do Conselho e sócio da empresa; Paula é diretora. O presidente é o argentino Jaime Bunge.

A “real” a que se refere o sócio da Santa Onofre é tão boa que outros estrangeiros estariam de olho em parcerias com a nossa indústria orgânica. Por exemplo: o grupo holandês Wessanen, criado em 1765, com 11 mil funcionários, uma receita no primeiro semestre de 1,5 bilhão de euros e o reconhecimento no mercado por fazer produtos naturais e saudáveis de qualidade. No Brasil, além de marcas como Milani, Fibraxx e Naturabella, a Wessanen detém a marca Maraú, exclusivamente para produtos orgânicos (o suco de laranja é imbatível).

O Brasil tem 275 mil hectares em produção orgânica (a Argentina, campeã sul-americana, tem 300 mil hectares), gerando cerca de 300 mil toneladas ao ano, o que representa uma movimentação entre R$ 220 milhões e R$ 300 milhões, segundo o IBD (em todo o mundo, a movimentação desse setor está em torno de US$ 24 bilhões). Cerca de 70% da produção nacional segue para a exportação.

Água potável – No alto do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, na cidade de Rio do Oeste, famosa pela festa anual da polenta, o descendente de italianos Alberto Nardelli, 57 anos, produtor de arroz, começou a se interessar pelo produto orgânico há quatro anos através de leituras sobre o assunto. Hoje, o produto é a sua menina-dos-olhos. No primeiro semestre, as vendas do arroz orgânico que leva seu sobrenome cresceram 70%. “É uma agricultura familiar”, ele diz. São 18 pequenos produtores, com três ou quatro pessoas, que plantam o arroz de acordo com os princípios orgânicos e, por desconfiarem do que estão fazendo pela primeira vez na vida, cobram 40% a mais. A água tem que ser potável, a semente é especial, o tempo de produção é de 110 dias (igual ao arroz tradicional). É uma empresa familiar, com 52 pessoas, mais 12 para a área orgânica.

Essa é uma das caraterísticas do setor: cerca de 80% dos produtores são pequenos e médios empresários que trabalham com a família. Segundo as entidades certificadoras, os agricultores familiares são responsáveis por aproximadamente 70% da produção orgânica brasileira. São empresas com uma cultura diferente, como a Korin Agricultura Natural, brasileira, fundada em 1994 em Ipeúna, no interior de São Paulo, com visão empresarial baseada na filosofia e no método de agricultura que privilegia o perfeito equilíbrio entre preservação e uso dos recursos naturais. A Korin é pioneira na criação do chamado “frango verde” (sem antibióticos e sem promotores de crescimento) e trabalha em parceria com 36 pequenos e médios produtores, aos quais transfere tecnologia.

Por outro caminho prospera a Companhia Mogi de Café Solúvel, que há 30 anos foi pioneira no lançamento mundial do café solúvel e há três enveredou para a produção do solúvel orgânico no sul de Minas. Quem dirige a operação é a jovem Carolina Atalla, 24 anos. “Esse mercado cresce no Exterior com rapidez”, diz ela. Carolina não fala em números. Diz apenas que 5% de sua produção é exportada para a Suíça e a Alemanha e o crescimento no Brasil tem sido de 30% ao ano.

As perspectivas para 2004 – que serão discutidas de 9 a 13 de outubro, quando acontece em São Paulo a ProNatura 2002, maior feira de orgânicos e produtos naturais da América Latina – são promissoras: segundo o ITC, o Brasil deve alcançar a quinta posição do mundo em área cultivada, com mais de 800 mil hectares, diante das possibilidades geradas pela carne orgânica. No ranking dos exportadores, o País poderá ficar entre os líderes em 2004. A estrela que brilha nessa seara é a Native Indústria Farmacêutica, de Sertãozinho (SP), fundada por farmacêutico-bioquímicos. Eles queriam ampliar o conhecimento e popularizar o uso dos produtos naturais. Conseguiram. Os produtos da Native, de suplementos alimentares a cosméticos, são vendidos para vários países. Inclusive para a Letônia