Sábado, 21h30. O posto Mengão, na Lagoa Rodrigo de Freitas (zona sul), já começa a encher. É um dos points preferidos pelos jovens para a pré-night, a prévia da futura maratona noturna. Troca de olhares, bate-papo e muita azaração são um lugar-comum. O publicitário Carlos Pelon, carioca, 25 anos, conversa com sua turma de cinco amigos, preparando-se para a zoação. Todos querem saber onde a noite está bombando, e para isso os celulares são fundamentais. O roteiro traçado começa pela boate Hard Rock Café, na Barra (zona oeste), passa por outras três casas noturnas em bairros distantes e termina às 6h no mesmo point inicial, o posto Mengão. “Eu gosto de girar, ouvir papos novos, pessoas diferentes em ambientes variados. A mesma atmosfera cansa”, define Carlos.

O comportamento de Carlos e de seus amigos se encaixa bem na pesquisa Noites nômades: práticas espaciais e fluxos subjetivos nas culturas jovens contemporâneas, realizada pela socióloga Isabel de Almeida, 47 anos, pela antropóloga Kátia Almeida, 34, ambas do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Cândido Mendes, e pelos estagiários Ana Paula Podcameni, 23, e João Francisco de Lemos, 21. “Fizemos uma radiografia, sem julgamento, de um novo estilo de vida”, explica Isabel. “A boate não é o objetivo, mas apenas um dos pontos do circuito. Estar circulando é o grande evento”, acrescenta.

A pesquisa, que sai em livro até o final do ano, toma corpo na aventura de Carlos e seus amigos, que só terminou com os primeiros raios de sol. Enquanto o grupo conversa, um carro com duas garotas pára e tenta uma aproximação: “Vocês têm algo para beber?”, pergunta uma delas. O estudante de direito Fabio Jaques Lima, 24 anos, abre a mala do carro e logo prepara um drinque conhecido como gummy (vodca, pó de suco de frutas e gelo). Mais nômade, impossível. O aprendiz de barman oferece a bebida em troca de um beijo na boca e o número do telefone. Uma delas aceita a oferta.

Quando chegam ao Hard Rock Café, observam o ambiente e começam a circular para reconhecer o terreno. Depois de uma hora e meia de dança, bebida e paquera, a noite deixa a desejar. Sem esperanças do lugar bombar, os notívagos migram para a boate The Bed Room, em São Conrado, zona sul. Nenhum deles sabia o que o estagiário João Francisco Lemos, um dos autores da pesquisa, já havia constatado. “Quando começamos a tese, há dois anos, a Bed Room era a bola da vez, mas hoje está vazia. As casas duram no máximo oito meses e os empresários lidam com essa variável. No início o som era o funk, agora é o hip hop. A noite exige permanentes mudanças, a velocidade é impressionante”, observa.

 

Para Carlos e seus amigos não resta dúvida. Boate vazia, total desânimo. Tentam mais um pouco, mas o jeito é zarpar e seguir em frente. O novo lugar escolhido é a boate People, no Leblon (zona sul). Dessa vez, casa cheia, pessoas bonitas e ambiente agradável. Ufa! Parece que a turma vai fincar barraca de vez nessa praia, mas surge um empecilho. A noite avança e a animação cai. A antropóloga Kátia Almeida sabe bem o que se passa no íntimo dessa galera quando a casa começa a esvaziar. “Na lógica da noite, as pessoas atraem pessoas. Não é o lugar, mas o público. Fazer a social é fazer o encontro, que pode ser até na porta e o jovem nem precisa entrar na boate. A questão é ver e ser visto”, analisa.

Fábio, aquele do bar volante, já passou algumas noites do lado de fora das boates e não tem do que reclamar. “Eu analiso bem quem entra e mesmo na porta dá para paquerar. Qualquer lugar é lugar quando se trata de azaração.” Pelo sim pelo não, ele já criou uma estratégia para descobrir se o lugar está bombando sem pagar entrada. Afinal, os preços variam de R$ 15 a R$ 60 e para quem faz maratona noturna a brincadeira acaba saindo cara. “Eu digo aos seguranças que estou procurando uma pessoa e dou uma olhada. Se estiver bom, fico”, conta. Carlos Pelon faz coro. “Quando eu era moleque ficava no mesmo lugar a noite toda e bebia até cair. Agora, como sei que preciso me deslocar, maneiro”, ensina.

Adepto das mesmas práticas, o publicitário Luiz Felipe Nunes, 23 anos, acha que a maratona é um fenômeno recente e não mede esforços para encontrar o lugar ideal. “Eu tenho um leque de opções e vou pulando de lugar em lugar até me sentir bem.” A mobilidade física também se configura na mobilidade pessoal, como constataram as pesquisadoras. “O jovem fica com uma menina beijando de olho aberto, para ver quem será a próxima que ele vai ficar”, descreve Ana Paula Podcameni. Isabel de Almeida lembra ainda que, se antes as mulheres eram o alvo, hoje elas também atiram. “É uma guerra, onde os tiros são os olhares e as abordagens. A performance do beijo é mais acentuada para ser vista por outros e o ficante se torne alvo da próxima ficada. Ficar é consumido pelo grupo como uma atividade coletiva”, contabiliza.

Para quem circula tanto sem se prender, nada mais normal do que ficar com cinco, seis pessoas por noite. “Os jovens têm dificuldade em se fixar numa coisa só, tudo se liga”, raciocina Isabel. A noite da turma dá a arrancada final às 4h, quando chegam à Six – point do momento, famoso por manter as pistas sempre lotadas até o nascer do dia –, na Lapa (centro). “Gosto muito de agito. Só não saio toda noite porque meus pais não deixam”, suspira a estudante Bianca Garrido, 19 anos. Nem a violência impede a maratona. Bianca dribla o problema com criatividade. Sai para a noite com um kit básico e dorme na casa das amigas. A noite acaba de dia, no Mengão. Hora de recarregar as energias para a próxima maratona. Afinal, domingo promete.

G l o s s á r i o

Bombando: noite agitada
Social básica: estar com os amigos
Lisa: pessoa que não fica com ninguém
Farpada: pessoa que fica com muitos
Guerra: azaração intensa
Score: saldo da noite
Toco: levar um fora
Peguete: caso eventual
Rolo: caso mais assíduo