Solucionar os problemas do meio ambiente não é tarefa simples, ainda mais quando se precisa conciliar interesses de nações tão distintas. A dificuldade ficou clara na primeira rodada de negociações em Johannesburgo, África do Sul, onde acontece, até o próximo dia 4 de setembro, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio + 10, conferência que pretende definir o futuro da Terra.

As controvérsias surgiram no discurso de abertura, na segunda-feira 26. “Uma sociedade baseada na pobreza para muitos e na prosperidade para poucos é insustentável”, enfatizou o presidente sul-africano, Thabo Mbeki. Em seu desabafo, Mbeki cobrou a adoção de medidas realistas para pôr em prática o que foi negociado na Eco-92, encontro realizado no Rio de Janeiro, há dez anos. “Não há necessidade de rediscutir o que foi resolvido”, argumentou o líder africano. Nas ruas próximas ao Centro de Conferências Sandton, onde se realizam as reuniões, um grupo de ecologistas estendeu faixas com seu propalado bordão: chega de retórica, vamos à ação.

Durante dez dias, os chefes de Estado, líderes governamentais e ambientalistas deverão discutir as questões prioritárias, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), entre elas aquecimento global, desmatamento, escassez de água potável, produtividade agrícola, energia, clima e pobreza. Para obter resultados concretos, é essencial o consenso entre as partes. Aí aparece o primeiro impasse. A delegação americana, que já obstou o acordo que visa reduzir a emissão de poluentes que agravam o efeito estufa, por exemplo, negocia com apenas um objetivo: evitar a fixação de datas, seja qual for o compromisso. O país teme ser obrigado a responder na Justiça pelo eventual atraso no cumprimento das metas. Para piorar, as nações produtoras de petróleo se recusam a discutir avanços na produção de energias alternativas aos derivados de petróleo.

O pior embate, no entanto, envolveu o alto padrão de consumo das nações ricas, em particular o gasto de água e de energia. Delegações americanas e européias se esquivaram de acertar objetivos econômicos, como a redução dos subsídios a seus agricultores, um mecanismo para tornar mais competitivos os produtos dos países em desenvolvimento.

O maior congresso da história das Nações Unidas atraiu 64 mil pessoas de 191 países. Nesta semana, quando desembarcam em Johnnesburgo cerca de 100 chefes de Estado para as rodadas decisivas de negociação, a segurança armada deve reservar um espetáculo à parte. Para evitar que as manifestações ecológicas, até agora pacíficas, descambem para a violência, a precaução foi redobrada. A terceira maior cidade sul-africana nunca abrigou tantos turistas. As sessões da Rio + 10 estiveram lotadas, deixando muita gente irritada do lado de fora, assim como aconteceu nos hotéis, literalmente abarrotados. A solução foi o improviso.

Quase duas centenas de pessoas foram obrigadas a acampar numa reserva ecológica a 45 minutos do centro de convenções. Cercado por antílopes, girafas e gnus, o brasileiro Paulo Moutinho era um dos hóspedes da savana. O coordenador de pesquisas do Instituto Ambiental da Amazônia (Ipam) só reclamou do frio cortante, que durante a madrugada fica abaixo de zero, e do triste recorde brasileiro de desmatamento na Amazônia. Há uma década, as queimadas destruíam 11 mil quilômetros quadrados ao ano. Em 2000, esse índice saltou para 17.600 quilômetros quadrados. O avanço da soja, das fazendas de gado e da exploração madeireira dizimou uma área do tamanho da França e da Bélgica juntas. A queima da Amazônia resulta num prejuízo anual de US$ 5 bilhões, segundo cálculos do Ipam. “Nas margens das estradas é que está concentrado o forte do desmatamento”, explica Moutinho.

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Além de definir o destino da maior floresta tropical do mundo, o Brasil assumiu posição de liderança na discussão das fontes renováveis de energia, que são menos poluentes do que os derivados do petróleo porque sua combustão é compensada pela natureza. Uma das metas da equipe de FHC é propor aos países que 10% de sua energia venha de fontes alternativas, como o álcool, a energia solar e a eólica, obtida a partir do vento.

Apesar das dificuldades, um passo importante já foi dado. No segundo dia da Rio + 10, os delegados chegaram a um consenso para resolver a crise pesqueira. O acordo estipula que as áreas mais ameaçadas pela atividade humana sejam restabelecidas até 2015, o que inclui a redução da pesca em algumas regiões e a reabilitação de outras. De acordo com a ONU, mais de um quarto das áreas pesqueiras é explorado acima de sua capacidade de regeneração. Só se espera que esse não seja o único sucesso em Johannesburgo.


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