Marcada por interrupções, atritos e decisões inusitadas de seus integrantes, a reunião do último dia 23 do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Acre, que decidiu, por seis votos a 1, impugnar a candidatura do governador Jorge Viana (PT) à reeleição, entra para a história como uma das pérolas do Judiciário. Denunciado pela frente de oposição Movimento Democrático Acreano, que tem como candidato ao governo o ex-prefeito Flaviano Melo (PMDB), de ter usado a logomarca “Governo da floresta” nas eleições, Viana teve seus direitos políticos cassados por três anos. A sentença foi dada por volta das 4h pelo juiz Carlos Pompeu, relator do processo. Depois de quase 12 horas de discussões, Pompeu surpreendeu os advogados ao apresentar como prova do uso da máquina um cartão telefônico, com o desenho de uma castanheira, símbolo da administração petista, fabricado no início de agosto para divulgar um encontro de procuradores.

Anexado ao processo pelo advogado da frente de oposição, Ruy Alberto Duarte, poucas horas antes da impugnação, o cartão tornou-se o símbolo de uma série de decisões atrapalhadas, que mancharam a imagem do Judiciário acreano. De um total de 702 provas anexadas por Duarte ao processo, o cartão era a única com fé pública. As camisetas com o desenho da castanheira não tinham efeito legal por terem sido fabricadas fora do período eleitoral.

Ao perceber a manobra, o corregedor-geral do TRE, o juiz federal Pedro Francisco da Silva, perguntou ao relator Pompeu sobre a existência de novas provas no processo, que lhe respondeu desconhecer o fato. Horas depois, a mesma pergunta foi feita ao relator pelo procurador-eleitoral, Marcos Vinícius Aguiar Macedo, procurador-chefe da República no Estado, que recebeu uma resposta diferente: “as novas provas não são importantes”. Os advogados de Viana também não puderam ter acesso ao processo. Enquanto o corregedor, os advogados e o procurador encontravam dificuldades, o advogado da coligação de Flaviano, Duarte, agia com desenvoltura diante de juízes amigos. Ex-advogada do empresário Narciso Mendes, um dos principais opositores a Viana, a juíza Odenildes Flores Praça votou pela impugnação, e, de acordo com documentos levantados por ISTOÉ, trabalhava até pouco tempo no escritório do próprio Duarte. Odenildes, no entanto, não se sentiu impedida de participar do processo.

“Ela trabalhou, sim, comigo, e eu tenho um grande orgulho disso”, afirmou Duarte a ISTOÉ. A mulher de Duarte, Cristiana Icasset, trabalha no gabinete do deputado José Aleksandro Alves, que substituiu o deputado cassado Hildebrando Pascoal na Câmara dos Deputados, o homem da serra elétrica. Contestados por juristas de todo o País, os absurdos legais cometidos pelo TRE-AC não se resumiram à proibição dos acusados de terem acesso à nova prova. Uma hora antes de o resultado ter sido anunciado pelo TRE, o site do jornal Rio Branco, de propriedade de Narciso Mendes, já informava sobre a impugnação de Viana. As aplicações das lei em todo o processo também geraram polêmica. De acordo com a legislação, o pedido de impugnação somente é aplicado contra candidatos que se tornaram inelegíveis por não atenderem às exigências do TRE ou por terem sido condenados em última instância num processo criminal. O trâmite normal a ser seguido por Duarte, que também defende o ex-deputado Hildebrando Pascoal, seria ter ingressado com um pedido de investigação contra o governador, que se arrastaria pelo menos por uns dois anos pela Justiça. “Esse fato explica o atalho. Foi um julgamento monstruoso, uma perversão do sistema processual. Em nenhum momento foi concedido o direito de o acusado se defender diante da nova prova anexada”, reagiu o juiz federal e corregedor-geral do TRE, Pedro Francisco da Silva, único a votar contra o pedido de impugnação. Indignado, decidiu investigar a ligação dos juízes com a oposição a Viana. Na semana que vem, o corregedor entrega ao STJ, ao TSE e ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, um dossiê em que denuncia outras decisões do TRE que favorecem políticos ligados a Flaviano.

A decisão do TRE provocou também a reação imediata de Viana. Em reunião com o presidente interino do TSE, ministro Sepúlveda Pertence, em Brasília, solicitou agilidade no julgamento dos recursos impetrados pelo PT. Viana afirmou ser vítima do crime organizado, liderado por Hildebrando Pascoal, e estaria sendo ameaçado de morte. Flaviano Melo, que deixou a prefeitura da capital para disputar o governo, não escondeu se beneficiar da máquina municipal. Na sexta-feira 23, marcou uma coletiva para denunciar o adversário. A entrevista foi organizada por assessores e funcionários da Prefeitura.