O controle e, consequentemente, o combate à corrupção começam pelo voto. Por isso, eleitor, não vote em ladrão. Esse é um dos quatro mandamentos da campanha Voto Limpo 2002, lançada pela Transparência Brasil. O movimento apartidário em favor da eleição, em todos os níveis, de candidatos honestos defende a punição dos que corrompem o processo eleitoral e a abertura de informações sobre o financiamento das campanhas. A entidade submeteu à assinatura dos candidatos à Presidência da República um conjunto de compromissos anticorrupção. Em entrevista a ISTOÉ, o secretário-geral da Transparência, Cláudio Weber Abramo, fala da necessidade da participação da sociedade em todos os seus segmentos por eleições limpas como uma espécie de remédio para combater essa doença que corrói o Estado. O Brasil, segundo relatório divulgado na quarta-feira 28, pela Transparência Internacional, está em 45º lugar no ranking da corrupção. Isso mostra que o País não apresentou alteração de sua imagem em relação a 2001. Entre os 102 países pesquisados, a Finlândia continua como o país menos corrupto do mundo. Na América Latina, a percepção de corrupção de políticos e servidores piorou. O Paraguai está entre os cinco mais corruptos.

ISTOÉ – Quais são os principais eixos da campanha?
Cláudio Weber Abramo –
O primeiro deles é: não vote em candidatos ou associados que têm história ou comprometimento com a corrupção. Em segundo lugar, vote em candidatos que estejam comprometidos em combater a corrupção. Os que precisamente propõem medidas específicas para combatê-la. Abordá-la como problema moral apenas não resolve o problema. Você precisa alterar as condições que propiciam a corrupção, que é o mau funcionamento do aparelho do Estado. O terceiro ponto está centrado na corrupção eleitoral, e, por último, a abertura de informações sobre quem financia as campanhas dos candidatos. O que a gente procura é dizer às pessoas o seguinte: enquanto o candidato está dando beijinho em criança, tem-se de saber quem é que paga a sua campanha.

ISTOÉ – Mas o financiamento não é necessariamente escuso…
Abramo –
Não é, mas conhecer quem financia a campanha do candidato é ter informações de quais são os compromissos do candidato, que tipo de aliança está fazendo. Conhecer os financiadores faz com que o candidato dê alguma explicação. Pode ser até do tipo “não é da sua conta”, que também é uma maneira de responder e revela suas ligações.

ISTOÉ – A venda de votos é muito alta no País?
Abramo –
A Transparência Brasil fez uma pesquisa no ano passado com o Ibope que resultou em números muito altos. Perguntamos quantas pessoas haviam sido alvo de ofertas de compra de voto por dinheiro e 6% disseram que receberam esse tipo de oferta. E isso não incluiu troca por material de construção e outras coisas. A suspeita é que a resposta a isso seria muito maior. Perguntamos também sobre o uso da máquina. Nove por cento de pessoas que se dirigiram a uma prefeitura para pedir um serviço foram confrontadas com a condição de votar em algum candidato. Esse dado teve uma distribuição mais uniforme do que a compra de votos. O fenômeno ocorre com mais frequência em municípios menores e do interior e, claro, nos rincões dominados pelas oligarquias.

ISTOÉ – Quais as regiões mais críticas?
Abramo –
No Nordeste a situação é muito grave, assim como no Norte. O domínio das oligarquias se dá em todos os aspectos da vida. Não tem veículo de comunicação que não seja dominado pelos mesmos sujeitos que determinam a política e a vida econômica. Essa sociedade é absolutamente prisioneira desses indivíduos que estão aí há 300 anos. É um retrato da miséria brasileira.

ISTOÉ – Quais as principais medidas do compromisso anticorrupção apresentado aos candidatos à Presidência?
Abramo –
São oito medidas – e poderiam ser mais – que nós julgamos importantes para efetuar um real combate à corrupção (criação de uma agência anticorrupção; implementação de convenções internacionais; desenvolvimento do combate científico à corrupção; licitações públicas através de editais padronizados; nepotismo e empreguismo; criação de ouvidorias; resolução de conflitos de interesses e manutenção e aperfeiçoamento da Controladoria-Geral da União). A corrupção retira do poder público a sua capacidade de investimento. Agora, não basta dizer: “Vote em mim, sou um cara honesto”, porque, a despeito da vontade do candidato, a corrupção acontece já que o aparelho do Estado e o mecanismo de controle funcionam mal.

ISTOÉ – Qual a saída?
Abramo –
Aperfeiçoar os mecanismos de controle. Eles são múltiplos, horizontais, verticais, internos, externos e todos precisam funcionar com um grau mínimo de articulação para que sua função possa ser cumprida. Um passo fundamental é fazer um diagnóstico de situação, preparar um plano de coordenação dos poderes, definir o mapa de risco e traçar ações específicas para atacar esses riscos. Pôr isso em prática.

ISTOÉ – De que forma?
Abramo –
Através de um organismo – de uma agência anti-corrupção, que não é uma repartição, mas um órgão com participação de todos os poderes, participação construtiva da sociedade. Seria feito o pré-diagnóstico, se definiriam as áreas básicas de ataque e se montaria um plano. A agência passaria a orquestrar a execução desse plano em todas as esferas do Estado. É um negócio pequeno, mas com poder de coordenar, entender como uma coisa se liga a outra. A atuação do TCU se coordenaria à da Receita Federal e à do Banco Central, à Polícia Federal…

ISTOÉ – Mas os órgãos públicos não estão contaminados pela corrupção?
Abramo –
Não há condições de fazer avaliação objetiva do alcance da corrupção, embora todos nós suspeitemos que seja disseminada. O que você descreveu é exatamente aquilo que deve ser atacado. A autonomia dos órgãos de controle é um elemento importante para se combater a corrupção.

ISTOÉ – Como se lida com a situação de que os órgãos de controle devem ao governante sua indicação?
Abramo –
Isso tem que ser atacado. De uma coisa tenho convicção: a redução da relevância da carreira do servidor é determinante para o desenvolvimento desse mal. Políticos têm um poder excessivamente grande para indicar cargos de confiança. Não há nenhuma espécie de requisito técnico para que exerçam uma função gerencial. Um sujeito torna-se diretor de uma empresa de economia mista porque foi cabo eleitoral. Isso claramente é algo que propicia a corrupção porque ela sempre se alimenta da ineficiência administrativa, da incompetência.

ISTOÉ – Corrupção é um problema de controle…
Abramo –
É. E qual é o principal mecanismo de controle de uma democracia representativa? É o voto. Esse é o básico. Se cada vez que um sujeito que contumazmente está envolvido em caso de corrupção – e isso está cheio no País –, que sempre é suspeito, é reeleito, a frase “passei pelo teste das urnas” é absolutamente verdadeira. Por isso a gente diz: não vote em ladrão.

ISTOÉ – Mas há candidatos que serão reeleitos e possuem uma ligação explosiva e perigosa quando se trata de improbidade com a coisa pública.
Abramo –
As raízes desse fenômeno variam de região para região. Um fato é predominante: as oligarquias estão lá para mamar no Estado, em detrimento da população. O fluxo de informação em algumas regiões é muito deficiente. Nisso a mídia tem responsabilidade. Não consegue transmitir para a população a informação que é pertinente, para que o eleitor faça um julgamento fundamentado sobre os candidatos. A corrupção eleitoral explora a miséria humana.