A mineira Maria Eugênia Vieira Martins, estudante de nutrição no Rio de Janeiro, recebeu no dia 8 de março deste ano a homenagem do Poder Legislativo do Distrito Federal, em nome das mulheres do Brasil. No Dia das Mães, será a atração de um programa de grande audiência na tevê. Tímida, Eugênia sempre fugiu dos holofotes, mas ganhou notoriedade ao virar mãe de um filho que não gerou. Com a morte da roqueira Cássia Eller, sua companheira por 14 anos, venceu a disputa pela guarda de Francisco Eller, o Chicão, filho de Cássia. Transformou-se, da noite para o dia, numa bandeira do movimento gay.

Um ano e três meses depois da morte de Cássia, Eugênia e Chicão continuam no mesmo apartamento de três quartos
no Cosme Velho, zona sul. Na casa, a lembrança da estrela é discreta, nada sugere um santuário de saudade. A maior referência é mesmo Chicão, com a aparência de anjinho, mas com uma personalidade forte
à moda Eller. “Caramba, ninguém merece isso duas vezes na mesma
vida”, brinca a mãe incontestável. Aos 41 anos, ela diz não estar interessada em um novo relacionamento. Ainda dorme com Chicão,
nove anos, e, como toda mãe nessa fase, não esconde uma ponta
de tristeza em saber que o chamego não vai durar muito tempo. “Enquanto ele quiser, vou aproveitar”, diz.

ISTOÉ – A homenagem em Brasília é sinal de que
o preconceito arrefeceu?
Maria Eugênia Vieira Martins –
Não tenho dúvida. A manifestação
da esfera política é muito legal, mas na verdade todos sempre me trataram com respeito, das pessoas na rua à imprensa, os vizinhos,
os porteiros, todo mundo. A guarda só deu sustento legal a uma relação que já existia. Antes da morte, ela já pensava em passar a guarda para mim, dizendo que ia morrer cedo. Era uma pessoa muito forte, saudável, mas tinha essa sensação.

ISTOÉ – A luta pela guarda do garoto transformou-a numa bandeira do movimento gay. Você carrega essa bandeira?
Maria Eugênia –
Nunca fui militante. Sou discreta, gosto de sair na rua de maneira que ninguém me olhe muito. Nunca neguei minha condição homossexual, mas também nunca fiz disso uma bandeira.

ISTOÉ – Na disputa da guarda, muitos diziam que o pai
de Cássia, Altair Eller, estava interessado no espólio da filha.
Existe essa fortuna?
Maria Eugênia –
Sempre levamos uma vida simples. No último ano, a Cássia ganhou dinheiro na turnê do disco Acústico. Graças a Deus! É
o que segura nossas despesas agora, com um pinga-pinga de direito autoral. O único bem é esse apartamento. Não existe fortuna nenhuma, mas há algum dinheiro numa conta que será liberada no fim do inventário. Preciso prestar contas de tudo o que eu retirar, até ele completar 18 anos. Isso me tranquiliza porque terei de fazer dinheiro só para meu sustento, o dele está garantido.

ISTOÉ – Você costuma incentivar as lembranças da mãe ou evitá-las para não provocar saudade?
Maria Eugênia –
No começo eu evitava falar porque não dava
conta do sofrimento. Agora já conseguimos ter uma lembrança
mais alegre, rimos lembrando as piadas que ela contava. Às vezes
vemos os vídeos, escutamos os discos. Francisco gosta de música
e vem estudando com a Lan Lan (percussionista). Mas o que ele quer mesmo é ser jogador de futebol.

ISTOÉ – Como acha que Chicão vai lidar com sua vida amorosa quando aparecer alguém?
Maria Eugênia –
Não conversamos sobre isso e eu não saberia dizer o que ele pensa. Desde que a Cássia morreu, Francisco dorme comigo. A terapeuta não gosta, teme que a separação seja muito traumática quando for necessária. Ela chegou a dizer ao Francisco: “Esse lugar que você está ocupando na cama dela não é seu, é do companheiro dela.” Ele respondeu: “Mas eu sou o companheiro dela.” A terapeuta respondeu que ele era o filho, não o companheiro. Não me preocupo porque não pretendo pôr ninguém na minha cama agora. Além do mais, o Francisco está crescendo e daqui a pouco ele é que não vai querer mais dormir comigo. Enquanto quiser, vou aproveitar.

ISTOÉ – Você costuma brigar ou dar palmadas no Chicão?
Maria Eugênia –
Nos dois últimos anos, não tenho dado palmadas. Mas já dei algumas. Sou daquelas que dão uma palmada e depois ficam dias pedindo desculpas. Já dei umas sacudidas. Teve uma época em que eu dava uns beliscões na perna dele. Ele odiava.

ISTOÉ – Chicão mudou muito depois da morte da mãe
e do assédio da imprensa?
Maria Eugênia –
Tenho a impressão que ele ficou mais maduro, menos agitado. Às vezes parece mais maduro do que outras crianças, mas também é muito infantil. Sempre foi de extremos, como a mãe. Pode ser extremamente carinhoso e bastante agressivo. Aliás, tem muitos traços de personalidade da mãe, que às vezes me desgastam muito. Coisas que eu convivi com a Cássia em uma década e meia e percebo que vou conviver com o Francisco pelo resto da vida. Ele leva a vida como brincadeira, tudo é uma grande piada. A Cássia era exatamente assim. Todas as vezes que eu tentava discutir a relação, ela achava um saco, ficava irritada. Ele também não gosta de papo sério. Isso me irrita um pouco. Eu penso: caramba, ninguém merece isso duas vezes na mesma vida, uma dose dupla (risos).

ISTOÉ – Você acha que a sua vitória judicial influenciou pessoas em situações semelhantes?
Maria Eugênia –
Os mais preconceituosos pensam em homossexualismo beirando a promiscuidade, vulgaridade. Isso serviu para mostrar que existe uma família homossexual. Assim como existem homossexuais promíscuos,
há heterossexuais promíscuos e homossexuais e heterossexuais família. Não é a condição sexual que determina, mas cada pessoa. Sempre fomos bem aceitos nos colégios e nos apresentamos assim:
ela era a mãe e eu, a mãinha. Francisco nunca viveu uma
situação constrangedora.

ISTOÉ – Essa tolerância não se deve à fama de Cássia?
Maria Eugênia –
Acho que isso ajudou a quebrar preconceitos, mas a naturalidade com que você se coloca também ajuda. Quando estávamos com o Francisco em situações sociais, nunca ficamos namorando, de mãos dadas ou tendo atitudes que poderiam agredir. Não ter complexo nem culpa também ajuda muito. Eu já fui casada com homem e nunca tive o hábito de namorar em público.

ISTOÉ – Você acha que tudo isso vai fazer do Chicão uma pessoa menos preconceituosa?
Maria Eugênia –

Acho que sim. Eu espero que sim.