Está chegando à reta final a Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro para investigar o propinoduto pelo qual quatro fiscais de renda e quatro auditores fluminenses enviaram pelo menos US$ 34 milhões para um banco suíço. O relatório dos deputados vai confirmar que Rodrigo Silveirinha e seus companheiros armaram na Secretaria de Fazenda uma rede de extorsão contra várias empresas para obrigá-las a pagar uma “caixinha” em troca do abrandamento na fiscalização. Assim, juntaram a soma descoberta no Discount Bank Trust & Company, denunciada por ISTOÉ. Antes de terminar, a CPI poderá ouvir ainda os ex-governadores Anthony Garotinho (PSB) e Benedita da Silva (PT), atual ministra de Assistência e Promoção Social. “Podem marcar dia e hora que eu vou”, já avisou Garotinho. Ele é acusado pelo ex-secretário de Fazenda Carlos Antonio Sasse de lotear as inspetorias de fiscalização entre políticos e de atenuar a fiscalização em Campos, sua cidade natal. Benedita ficou em posição dúbia: diz que fala à CPI, mas invocou o status de ministra para exigir que os deputados viajem até Brasília. Caso isso aconteça, terá que explicar por que 50 autos de infração lavrados contra a rede de supermercados Carrefour foram cancelados em setembro de 2002, poucos dias antes de receber do advogado Clovis Sahione, que defendia a empresa, a doação de R$ 50 mil para sua campanha de governadora.

Os deputados também querem ouvir de Benedita explicações sobre o cancelamento da multa de R$ 468 milhões aplicada à Rio de Janeiro Refrescos, que fabrica o refrigerante Coca-Cola. A iniciativa foi orientada pela Junta de Revisão Fiscal em dezembro do ano passado, quando a atual ministra estava à frente do governo do Rio. As multas foram aplicadas entre 1999 e 2001 por fiscais da Inspetoria de Grande Porte, subordinada a Silveirinha. A Rio de Janeiro Refrescos baseou sua defesa em três pareceres do então procurador-geral do Estado, Francesco Conte, hoje chefe do Gabinete Civil da governadora Rosinha Matheus. No caso Coca-Cola, Benedita não foi a única petista a ter um comportamento estranho. No último dia 27, os deputados votaram um projeto para reverter o cancelamento da multa à empresa. Curiosamente, seis deputados do PT se abstiveram na votação e dois saíram do plenário. Um dos que se ausentaram do plenário foi Carlos Minc, que recebeu R$ 30 mil da Coca-Cola para sua campanha eleitoral. A atitude dos petistas foi bem diferente da que haviam tomado um dia antes, quando votaram a favor da suspensão do benefício fiscal de R$ 53 milhões, dado em 1999 à Companhia de Interconexão de Energia Elétrica (Cien).

Caráter político – O presidente da CPI, deputado Paulo Melo (PMDB), diz que o depoimento dos dois ex-governadores não iria acrescentar elementos úteis. “A cogitação de convidá-los para depor teve caráter exclusivamente político, com o qual eu não concordo”, opina. Melo tem em seu poder o documento em que Garotinho e Rosinha abrem mão dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. A ministra afirmou que não foi notificada sobre o agendamento de seu depoimento à CPI. “Não sei precisar quando os deputados estarão em Brasília para falar comigo. Mas será uma contribuição para a CPI e para a ética no meu querido Estado do Rio de Janeiro”, disse.

Na última semana, o Ministério Público suíço enviou ao Brasil uma carta rogatória em que solicita informações sobre as investigações relativas ao propinoduto. Pelo documento, o MP da Suíça informa que o grupo de fiscais é maior do que se imaginava – são citados cinco da Secretaria de Fazenda do Rio e nove da Receita Federal. Eles teriam sacado US$ 7,4 milhões das contas no Discount Bank, nas quais chegaram a ter US$ 41,8 milhões. O valor atualmente bloqueado pelo Union Bancaire Privèe é de US$ 33,4 milhões, como ISTOÉ informou. A carta rogatória revela que há depósitos de US$ 1 milhão nas contas dos auditores Júlio Cézar Nogueira e Marco Antonio Bonfim da Silva e do fiscal Roberto Cavallieri Vomaro, que não foram informadas no primeiro relatório. O documento tem outras novidades. O fiscal estadual Carlos Eduardo Pereira Ramos chegou a ter cinco contas no Discount Bank. Os maiores saques foram feitos pelo auditor fiscal Axel Ripoll, que tirou US$ 4,5 milhões até 2002.

Carta rogatória – Apesar de trazer novos dados, o documento suíço foi recebido com críticas pelas autoridades que investigam o propinoduto. Isso porque os procuradores brasileiros enviaram à Suíça uma carta rogatória há mais de um mês e até agora não receberam resposta. “Eles responderam a uma carta rogatória com outra carta rogatória”, reclama a deputada Graça Matos (PSB), uma das relatoras da CPI. “Deveriam ter enviado as datas dos depósitos para cruzarmos com as datas dos perdões concedidos pelos fiscais. Podiam ter mandado também cópias das fichas de abertura de contas.” O advogado de seis dos oito acusados, Clovis Sahione – o mesmo do caso Carrefour –, tentou minimizar a importância da carta rogatória que veio da Suíça. Sahione disse que a Justiça daquele país proibiu a utilização do documento no Brasil, o que invalidaria a carta rogatória como prova. Já o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, determinou que a carta rogatória seja incluída no inquérito da Polícia Federal que apura o caso.