O cheiro faz jus aos milhares de séculos. É um odor estranho, que agride as narinas do visitante ofegante e teimoso em escalar rampas quase verticais e se esgueirar como um soldado vietcong por túneis estreitos que se mostram infindáveis quando percorridos com a espinha e a cabeça abaixadas. A escalada interna da famosa pirâmide Khufu – ou Queóps, como os gregos a chamaram e é conhecida no Brasil –, nome do faraó da dinastia IV do Egito Antigo, revela-se árdua, claustrofóbica, para depois surpreender com um calor abrasador já dentro da câmara da rainha. A câmara esconde uma passagem cujos segredos podem estar perto de ser desvendados por estudiosos, auxiliados pela alta tecnologia. Mistérios seculares têm sido alvo de contínuas pesquisas do egiptólogo e explorador-residente da National Geographic Society, o egípcio dr. Zahi Hawass, atual diretor de antiguidades egípcias. Além da passagem oculta, uma outra descoberta sob seu comando será mostrada na segunda-feira 16, em flashes ao vivo, para 141 países, no documentário de duas horas Pirâmides do Egito: segredos revelados, do National Geographic Channel – o especial gravado será exibido no Brasil, pelo mesmo canal pago, às 22h do sábado 21. Trata-se de um sarcófago de calcário lacrado, de 4.500 anos, talvez o mais antigo e não violado já encontrado por arqueólogos modernos. Um feito que, acumulado a descobertas recentes, indica pistas sobre como foram erguidas no Platô de Giza, ou Gizé, no Cairo, as pirâmides Queóps, Quéfren e Miquerino.

Cidade Perdida – A experiência vem seguida de uma série de outras ocorridas no Platô de Gizé, onde desde 1988 o arqueólogo americano dr. Mark Lehner, presidente da Associação de Pesquisa sobre o Egito Antigo, vem realizando escavações no que ele chama de “Cidade Perdida das Pirâmides” de Gizé, um complexo de tamanho equivalente a seis campos de futebol. Acredita-se que cerca de 20 mil pessoas, muitas delas temporárias, trabalhavam em rotatividade na construção dos monumentos históricos. “O projeto de mapeamento do platô começou em 1984. O que encontramos foi inserido no computador e depois produzimos um modelo em terceira dimensão”, conta Lehner. Escavações revelaram um cemitério de operários, cujas tumbas, de acordo com Zahi Hawass, estão reescrevendo o que se sabe sobre a sociedade do Egito Antigo. “Nas tumbas dos operários descobrimos vários títulos de artesãos, projetistas. Estes títulos nos falam muito sobre os construtores das pirâmides e sobre como eles se organizavam numa força de trabalho tão impressionante”, explica Hawass.

Nas escavações de 2002 foi encontrada a tumba de um homem chamado Ny Swt Wsrt, identificado como supervisor do distrito administrativo. Pela localização, encravada no Cemitério Superior, e pela riqueza, tudo leva a crer que o trabalhador ocupava um cargo importante. Hawass jura que ainda não abriu o sarcófago, que permanece no fundo da tumba e pôde ser visto com exclusividade brasileira por ISTOÉ. O egiptólogo espera encontrar uma múmia. “Se fosse esqueleto, não teria sido colocado num sarcófago e, se de fato houver uma múmia, será uma das mais antigas múmias egípcias já encontradas.” A curiosidade em torno da tumba – cuja fachada estampa um desenho do dono sentado, usando barba e uma peruca curta, com a mulher ao lado dele, metida num vestido justo segurando a mão do marido – tem três motivos: a) a maior parte dela foi escavada numa rocha na qual encontraram cinco túneis fúnebres; b) dois buracos indicam uma possível utilização simbólica para que a alma do morto entrasse; c) é uma estrutura arquitetônica que imita o conjunto das pirâmides em relação à rampa e às inscrições fúnebres.
 

Outro tesouro arqueológico vindo à tona foram as galerias onde se encontravam padarias, ruas pavimentadas, silos, prédios administrativos e alojamentos. Lehner acredita que havia enormes dormitórios com capacidade para até dois mil trabalhadores. Silos guardavam quantidades imensas de grãos para a produção de pães. “Os egípcios antigos devem ter criado algo como um centro urbano para apoiar essa multidão”, acredita o arqueólogo. Num trecho do especial do National Geographic Channel, produzido por John Bredar e exibido para a imprensa internacional no mês passado, câmeras vertiginosas flutuam sobre as galerias e utensílios domésticos que tanto fascinam Mark Lehner. “Eles mostram como os egípcios faziam o pão para alimentar centenas de milhares de trabalhadores das pirâmides. Nós, inclusive, tentamos reconstituir o jeito de eles fabricarem o pão, usando a mesma técnica, mas ficou um pouco azedo.” Nestas escavações, Hawass e Lehner ainda encontraram provas de que havia um pronto-socorro para atender emergências. “Achamos um crânio de uma pessoa que foi operada de câncer no cérebro e viveu mais dois anos”, empolga-se Hawass. Análises ainda revelaram tratamento de ossos quebrados e cicatrizados. Pelos estudos dos ossos, os operários não se alimentavam bem. Muitos eram anêmicos. A maioria ingeria pouquíssima carne. Mas eles comiam peixe, pão e tomavam cerveja.

Tais descobertas esclarecem outra dúvida arrastada durante séculos e agora resolvida com os achados no cemitério dos operários através de testes de raio X e da pesquisa dos nomes das pessoas, revelando que os construtores das pirâmides eram egípcios e não judeus, como já descreveu a imaginação cinematográfica de Cecil B. DeMille em Os dez mandamentos. “Os judeus chegaram no Egito 700 anos depois da construção das pirâmides. Não há nenhuma evidência de que eles participaram da construção”, afirmou Hawass a ISTOÉ. “Era um projeto nacional. Todas as famílias do Alto e do Baixo Egito enviavam mão-de-obra e suprimentos. Também não eram pessoas de uma civilização perdida, muito menos alienígenas. Os hieróglifos, as padarias, os acampamentos ajudaram a descobrir o enigma.”

Sétima Maravilha – Paralelamente, o especial para a tevê vai contar como os operários transportavam pedras de toneladas variáveis para construir, entre outras, a pirâmide de Queóps, considerada uma das Sete Maravilhas do mundo antigo e a única remanescente. Magnífica, a Grande Pirâmide – formada por 2,3 milhões de blocos de pedras retiradas das montanhas situadas a cerca de 14 quilômetros além do Vale do Nilo e trazidas em engenhocas flutuantes sobre o rio – reina única. Perdeu parte da sua altura de 147 metros, assentada sobre uma base de 230 metros. Cada lado está voltado para um ponto cardeal com precisão matemática. É bom não esquecer que a construção é de cerca 4.550 anos. Hoje, a cobertura de calcário está marrom.

Mas, se a pirâmide ainda impressiona pela portentosidade e arquitetura, imagine alguém visitando pela primeira vez o Egito Antigo e se deparando com o monumento branco como neve, cintilando imponente sob o causticante sol do Saara, que em árabe quer dizer deserto. Hawass explica que cada pirâmide integra um conjunto arquitetônico que inclui desde um porto até um templo funerário ligado por uma estrada a um outro templo no Vale do Nilo. Todo este conjunto forma uma necrópole, com os elementos necessários para o culto ao faraó. A impressionante Esfinge é um monumento relacionado à pirâmide de Quéfren.

Entre os mistérios ainda ocultos, Pirâmides do Egito: segredos revelados vai mostrar os túneis da câmara da rainha na pirâmide de Queóps. Até hoje não se sabe a função nem o significado deles, dadas as suas pequenas dimensões. Foram descobertos em 1872, mas só em 1992 ocorreu a primeira investigação minuciosa feita com a ajuda de um robô que percorreu 65 metros do túnel sul até ser impedido por um bloco de pedra com duas alças de cobre. O robô, cuja altura varia de 11 cm a 28 cm e mede 30 cm de comprimento, pertence à família dos modelos usados na busca dos sobreviventes do World Trade Center. Cogita-se que atrás daquela parede possa haver uma estátua ou um papiro. No caso deste último, a revelação talvez amplie o conhecimento em torno do faraó Queóps. Mais um enigma para efervescer a imaginação da indústria do cinema.

O Egito é uma terra que conserva sua magia, mesmo com a invasão diária de milhares de turistas multinacionais que não se importam em caminhar sob um calor infernal. Particularmente em Luxor, antiga Tebas – onde se encontra o Vale dos Reis com suas tumbas indescritíveis –, que no verão acusa temperaturas médias de 42 graus centígrados. Apesar do burburinho provocado pela mistura de línguas vindas do formigueiro humano, numa caminhada pelos impressionantes templos de Karnak e Luxor é possível ouvir os cânticos vindos das mesquitas próximas, enchendo o ar de misticismo. Percorrer os corredores do Templo de Luxor, onde se admiram ruínas de uma civilização brilhante em todos os sentidos, especialmente no culto à arte e à beleza, é uma sensação de volta a um passado milenar que se traduz em êxtase. Esqueça a falsificação de Hollywood.