05/09/2007 - 10:00
FARTURA Inês Appel retira R$ 20 mil por mês: “Não me importo muito com roupas, mas não abro mão dos meus cachorros”
O economista Edmar Bacha cunhou, em 1974, a expressão Belíndia para definir o que seria a distribuição de renda no Brasil. Para ele, um dos criadores do Plano Real e hoje consultor sênior do Banco Itaú BBA, o estrato econômico do País era uma mistura entre uma pequena e rica Bélgica e uma imensa e pobre Índia. Passados 33 anos, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que pouco, ou quase nada, mudou neste abismo que separa os ricos dos pobres brasileiros. A pesquisa divulgada na semana passada mostra que, quando se trata de consumo, os 10% do topo da pirâmide gastam dez vezes mais do que os 40% da base. Traduzindo em números: estamos falando de uma despesa média por pessoa de R$ 1.815 dos mais ricos contra R$ 179 dos mais pobres. Este é o resultado da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada com dados de 2002 e 2003, sobre como cada família distribui seus gastos por mês.
Os dados ganham corpo e vida na família do paulista Antônio Carlos Assunção, 32 anos, casado e pai de dois filhos. Assunção é pedreiro e junto com a renda da mulher, a doméstica Maria Luci, apura pouco mais de R$ 1.200 mensais. O orçamento familiar chega ao fim do mês no vermelho: são R$ 300 do supermercado, R$ 100 de remédios, R$ 150 de material de construção e R$ 600 do financiamento da casa num empréstimo obtido com a cunhada, além de outros R$ 250 de itens para sua neném de sete meses. “Vivo fazendo malabarismo. Preciso saber distribuir as contas para equilibrar. E mesmo assim não dá”, diz ele. “Tenho que pedir fiado na quitanda antes do mês acabar”, conta. Quando a situação aperta e ele não tem dinheiro para o transporte, vai trabalhar a pé mesmo.
Na outra ponta da tabela, está a empresária Renata Pereira Jorge, 35 anos, sócia de seu marido, Godim Coutinho, numa imobiliária em Belo Horizonte (MG). Por mês, o casal faz uma retirada de mais de R$ 20 mil. “Não vivemos com luxo, vivemos uma vida confortável”, diz Renata.
CARTÃO DE CRÉDITO
Com os filhos cursando universidade pública, o maior gasto do casal ocorre no cartão de crédito: são R$ 8 mil por mês com restaurante, supermercado e programas culturais; R$ 1.200 com conta de celular, R$ 500 de plano de saúde, R$ 1.200 de cabeleireiro, R$ 1.800 com os salários dos empregados da casa e R$ 1.200 com gasolina (eles moram num sofisticado condomínio na região metropolitana de Belo Horizonte) – além de cerca de R$ 3 mil com viagens.
Estilo de vida ainda mais confortável leva a carioca Inês Appel, 56 anos. Casada e com dois filhos já adultos, ela gasta boa parte dos R$ 20 mil mensais retirados de pro-labore da fábrica de molhos prontos para salada que possui com o que ela classifica como “prazeres da vida”. “Roupa é o de menos nas minhas despesas, mas não me importo em gastar R$ 5 mil com meus 15 cachorros, que busco nas ruas”, conta Inês, que também investe em mini-cavalos. Viajar é rotina para ela. Além de visitar outros países, Inês tem uma casa em Campos do Jordão, outra na praia de Cananéia, no litoral sul do Estado, e um barco de 21 pés com o qual passeia nos finais de semana.
Entre os vários recortes que os dados do IBGE possibilitam, fica claro que investir em educação aumenta a renda familiar e pode ser um fator importante de ascensão social. Quando ninguém tem nível superior, as despesas e os rendimentos médios mensais ficam em torno de R$ 1.200. Se uma pessoa conseguiu concluir a faculdade, a família já muda de patamar e praticamente entra no clube dos 10% mais ricos. Na hipótese de mais de uma pessoa ter curso superior há um novo salto: a renda média familiar por mês passa para R$ 6.994 e os gastos alcançam R$ 6.591.
DISPARIDADES
Como em 84% dos domicílios brasileiros não há uma pessoa sequer com diploma universitário, é fácil entender por que a renda per capita é baixa no Brasil. “Há também um componente cultural. A divisão por classe social aqui é muito forte, os formados se agrupam na mesma família”, diz o economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Na Europa, uma PhD se casa com um carpinteiro. Isso ameniza os efeitos da concentração no mercado de trabalho."
CARÊNCIA Antônio Assunção, com renda de R$ 1.200, vive em apuros
A disparidade entre ricos e pobres fica evidente nas despesas com saúde. Para os 10% mais ricos – quem tem renda familiar superior a R$ 3.876 – é a mensalidade do seguro-saúde o que mais pesa. Com pouco acesso a planos privados, os 40% mais pobres – famílias com rendimentos de até R$ 758 – comprometem quase metade do dinheiro destinado a tratar de doenças apenas com remédios. “Isso indica que esta população adoece mais, se automedica e não tem acesso a diagnósticos e prevenção”, diz a socióloga Lilibeth Cardoso, responsável por esta parte da pesquisa do IBGE.
GASTO COM REMÉDIOS
A aposentada baiana Maria Gomes Pereira de Medeiros, 73 anos, encaixa-se neste perfil. De sua pensão de R$ 380, ela deixa R$ 60 todos os meses na farmácia. Não tem plano de saúde e só usa hospitais públicos. Mãe de 12 filhos, dos quais oito já morreram, ela mora com o neto de 16 anos num imóvel comprado décadas atrás. Entre suas despesas fixas estão R$ 30 de água, R$ 70 de luz, R$ 150 de supermercado e R$ 15 como ajuda para a escola para o neto. Ela complementa a renda vendendo sacolas de plástico na porta do Mercado da Lapa, na capital paulista, e chega a tirar R$ 5 por dia. É com este dinheiro extra poupado o ano inteiro que ela se dá um presente por ano: ir à Bahia em janeiro ver um dos filhos, pai de cinco dos seus netos. “Essa viagem é sagrada”, diz ela. “Meu filho ganha salário mínimo e não tem condição de vir me ver.”