A Fórmula 1 não merece ser chamada de esporte. A tese, defendida por gente de respeito, ganhou reforço no domingo 12, no Grande Prêmio da Áustria. Rubens Barrichello foi o melhor nos treinos, na prova e, a três voltas do fim, recebeu ordem para entregar a vitória a Michael Schumacher. O diálogo entre Barrichello e o estrategista Ross Brown, reproduzido por uma fonte da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), foi pesado. “Rubens, abra caminho para Michael”, ordenou o cartola. “Vocês estão certos disso? Pensem bem”, argumentou o brasileiro. “Esta é a ordem”, fulminou Brown. Com o pé travado no acelerador, Rubinho, que ganha US$ 6 milhões por ano num contrato que o obriga a “obedecer ordens”, tentou amolecer o inglês. “Não é melhor consultar o Michael? Acho que ele não vai gostar de ganhar dessa maneira…” Brown o interrompeu. “Esse não é um assunto do Michael. Deixe-o passar.”

Beneficiado pela marmelada, Schumacher deu o topo do pódio e o troféu para Rubinho. Os gestos não foram suficientes para conter as vaias no autódromo e a onda mundial de revolta. “Hoje, todo o Brasil é unânime: Rubens Barrichello foi o vencedor”, disse o presidente Fernando Henrique. A FIA convocou os ferraristas para se explicarem. Órgãos de defesa do consumidor europeus anunciaram que vão defender os apostadores na Justiça. Torcedores ingleses ameaçam boicotar o GP de Silverstone, no dia 7 de julho. Muitos colocaram à venda os ingressos comprados antecipadamente. Em Maranello, norte da Itália, reduto da Ferrari, o pároco dom Alberto tocou os sinos da igreja “exclusivamente” para Barrichello e disse: “Os fiéis pediram para eu não absolver Ross Brown se ele confessar seus pecados.”

“Sempre houve manipulação, mas eles perderam o controle. Hoje, a F-1 se reduz a uma competição industrial, o que é muito diferente de esporte”, opina o especialista em automobilismo Lito Cavalcanti. O cenário começou a mudar, diz Lito, a partir da introdução do motor turbo na equipe Renault, em 1978. “De lá para cá, os custos aumentaram muito e os times se entregaram às indústrias automobilísticas, que passaram a bancar a corrida tecnológica. Isso custou a competitividade da categoria”, explica. Lito se diz triste, mas não surpreso. Lembra que o chefão da Mclaren, Ron Dennis, criticou a Ferrari, mas fez o mesmo com o escocês David Coulthard no GP da Austrália de 1998. “Eles o mandaram abrir caminho para Mika Hakkinen em meio a ameaças”. Patrick Head, um dos sócios da Williams, classificou a decisão da Ferrari de desgusting, algo como nojenta. O ex-piloto Damon Hill, hoje comentarista de tevê, estranhou a atitude de seu ex-chefe. “Numa corrida em 1993, esse senhor obrigou-me a ceder o lugar para Alain Prost”, afirmou.

A Ferrari é controlada pela montadora Fiat. A unidade brasileira da multinacional italiana recebeu milhares de protestos por e-mail. Mesmo assim, a empresa aposta que a mutreta não afetará as vendas de seus carros por aqui. É bom ter calma na avaliação. O estrago foi grande. Um exemplo: entre as mensagens recebidas pelo correspondente Fábio Seixas, do jornal Folha de S. Paulo, estava a de um pai desanimado. Diante da iminente vitória de Barrichello, seu filho de sete anos pediu-lhe que fizesse um churrasco e colocasse a trilha do “pan-pan-pan” do Ayrton Senna no aparelho de CD. O carvão já estava na churrasqueira quando o moleque caiu em prantos em frente à televisão. Na caricatura de competição em que se transformou a F-1, isso parece não ter mais importância. Talvez a saída seja o autorama. No brinquedo, pelo menos, não há ponto eletrônico.