Edu Lopes/Editora Globo

Trevisan: crueldade vampiresca

Aqueles que têm mania de perseguição não devem ir a Curitiba. É que há muito a capital paranaense vive assombrada por um vampiro de almas, que, dos lugares mais inesperados, mais recônditos, mais insignificantes espreita suas vítimas à espera do brevíssimo momento em que deixam escapar a centelha, aquilo que muitos chamam de vida. Para o escritor Dalton Trevisan, o ser em questão, este clarão fugaz constitui a matéria-prima de sua literatura que se encolhe para originar minicontos e mini-histórias. São partículas luminosas que atingem o ponto final sofregamente, às vezes mal chegando à terceira linha, mas que se mostram capazes de trazer no seu interior tanto a miséria abissal quanto a grandeza do ser humano.

Arara bêbada (Record, 112 págs., R$ 19,90) reúne 101 minitextos inéditos do autor curitibano, pontuados pela fauna que faz a delícia de seus leitores. Das netinhas interesseiras, “tipinhas de tênis rosa”, às gordinhas que comem  escondido e usam calcinha vermelha, dos maridos beberrões e suicidas aos  cafifas falastrões e ingratos, Trevisan fotografa todos sem a menor piedade.
A viúva que goza a morte do marido é uma figura recorrente em seus escritos. Sucedânea da “monstra” a que se referiu o jornalista Sérgio Porto, é ela quem rasga o bilhete do suicida para não ser desmascarada e, durante o velório, elogia o novo amante às amigas com crueldade vampiresca..