Quase uma década e meia depois de sua morte precoce, causada por um tumor cerebral, aos 47 anos, em 7 de junho de 1989, ainda era uma dificuldade encontrar nas lojas um disco de Nara Leão. De sua discografia de cerca de 23 álbuns, apenas alguns títulos esparsos e coletâneas que não fazem jus ao seu variado repertório eram disponíveis em CD. A falha imperdoável começa a ser reparada com o lançamento da luxuosa caixa Nara Leão, que reúne seus 13 primeiros trabalhos, produzidos entre 1964 e 1975, e o CD Raridades, só com gravações pouco conhecidas, lançadas entre 1968 e 1975. Esperada há três anos, a jóia sonora repleta de faixas-bônus ainda não havia sido lapidada em janeiro último, quando foi prometida para comemorar os 60 anos de nascimento da cantora. A demora, contudo, foi recompensada. Dona de uma voz frágil, mas limpíssima, Nara fazia vibrar emoções escondidas, oferecendo versões antológicas de músicas que entraram para a história.

Em 25 anos de carreira, a capixaba que foi para Copacabana ainda criança de colo gravou praticamente todos os grandes nomes surgidos no turbilhão musical que gerou a bossa nova, a jovem guarda e a tropicália. Sem falar que resgatou artistas do passado quando não era uma prática comum. Também carregou o título de uma das primeiras cantoras de classe média a dar voz aos compositores do morro. É de imaginar, assim, o espanto generalizado quando a então musa da bossa nova estreou em 1964, pelo selo Elenco, com o surpreendente Nara, produzido por Aloysio de Oliveira, do Bando da Lua de Carmen Miranda. Entre as 12 faixas, pontuam sambas de raiz, como Diz que fui por aí, de Zé Keti, e os primeiros afro-sambas, assinados por Vinicius de Moraes e Baden Powell.

No mesmo ano, acontece a primeira guinada em direção à canção de protesto em Opinião de Nara, cuja tônica engajada prossegue em O canto livre de Nara (1965) e na antológica gravação do Show Opinião (1965). Diferentemente do que preconizava a canção-símbolo do espetáculo dividido com Zé Keti e João do Vale, Opinião (“Podem me bater/podem me prender/que eu não mudo de opinião”), Nara estava sempre aberta a transformações, revelando-se a primeira intérprete verdadeiramente moderna do País. Nos três álbuns seguintes, ela se deixa encantar pela poética nascente de Chico Buarque em Olê, olá, A banda e muitas outras. Como observou Chico mais tarde, Nara não seguia a moda. Lançava a moda.

Mais um ano e outra mudança, agora ao abraçar o tropicalismo com a obra-prima Nara Leão (1968), cujos arranjos ficaram a cargo de Rogério Duprat, o maestro-rei do movimento. Na geléia geral, o bolero Lindonéia, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, feito a pedido de Nara. Outro destaque do pacote é o álbum duplo Dez anos depois (1971), gravado no exílio parisiense, com releituras dos grandes standards da bossa nova, de Insensatez e Corcovado a Garota de Ipanema e Chega de saudade. O preço da caixa por R$ 250 é salgado. Mas quem não puder desembolsar a quantia vale esperar até julho e adquirir de forma avulsa pelo menos meia dúzia de títulos obrigatórios em qualquer discoteca de MPB.


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