Provavelmente, muita gente ainda guarda na memória aquela imagem antiga das boticas em que eram preparadas fórmulas simples de cremes e loções. Nos últimos anos, porém, essas casas tradicionais (hoje mais conhecidas como farmácias de manipulação) se transformaram. Atualmente, pode-se manipular praticamente qualquer medicamento e obter alternativas para vários problemas de saúde. Para divulgar essas informações e orientar o consumidor a fazer uma boa compra foi lançado recentemente o manual do consumidor das farmácias de manipulação. O guia foi elaborado pela Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), entidade que representa o setor. O livreto deve ser distribuído gratuitamente nos dois mil estabelecimentos ligados à instituição – no Brasil existem cerca de 5.250 farmácias do gênero.

Requisitos – Os remédios manipulados são feitos com a substância ativa presente nos medicamentos de marca. A diferença é que os produtos são desenvolvidos na própria farmácia. Ou seja, não são elaborados em escala industrial. Por isso, a principal orientação é verificar se a casa possui um farmacêutico no local. “Ele é o profissional certo para falar sobre os produtos. Deve-se exigir a sua presença quando houver dúvidas”, recomenda Evandro Tokarski, farmacêutico e presidente da Anfarmag. O profissional pode informar se o remédio deve ou não ser tomado com leite ou se há riscos de a droga causar algum problema quando ingerida com outro medicamento. A presença do especialista é apenas um dos requisitos para saber se a farmácia é de confiança. Há outros pontos a observar, como a higiene do local e a pontualidade na entrega do medicamento.

O objetivo do guia não é apenas solucionar dúvidas, mas prestar mais informações a respeito da função dessas farmácias. Elas podem, por exemplo, apresentar medicamentos na forma de cápsulas, comprimidos, pós, géis, supositórios, colírios, pirulitos e balas, facilitando o consumo. Também há opções para manipular florais de Bach e fitoterápicos (à base de plantas). A grande maioria dos produtos precisa de receita médica (alguns cosméticos dispensam a prescrição). Nela, o médico indica a quantidade exata de substância que precisa ser usada na fórmula. Dados da Anfarmag mostram que 30% da fabricação dos manipulados vem da área de dermatologia. O restante fica por conta da ginecologia, cirurgia plástica, gastroenterologia e endocrinologia, entre outras especialidades. Muita gente não sabe, mas é possível fazer remédios até mesmo para tratar problemas cardíacos, pressão alta e depressão. É o caso da versão manipulada do Prozac, indicado para pessoas deprimidas. O farmacêutico necessita apenas do princípio ativo desse comprimido, a fluoxetina.

Por enquanto, não são feitas drogas contra o câncer e a Aids. Um dos entraves é que, no caso da primeira doença, muitos medicamentos ainda estão sob a lei de patentes e só podem ser produzidos pelo laboratório que a detém. “Os fornecedores de determinadas matérias-primas também dificultam a venda dos compostos para o setor porque não fazemos compras em grandes quantidades”, diz Tokarski. Esse obstáculo, no entanto, não impede que as farmácias de manipulação ofereçam um serviço diferenciado à clientela. Elas garantem um tratamento personalizado. “Somente a farmácia de manipulação é capaz de produzir o remédio de acordo com as necessidades exatas do paciente. Por isso, deve ser vista como mais uma opção”, diz Elpídio Nereu Zanchet, farmacêutico da farmácia Drogaderma, de São Paulo.

Sob encomenda – De fato, se o médico pede uma dosagem específica de um remédio, nem sempre essa apresentação é encontrada no mercado. É comum comprar mais de uma embalagem do produto recomendado pelo especialista para poder cumprir a prescrição. A farmácia de manipulação, entretanto, tem condições de atender ao pedido exato do médico. Outra vantagem é poder colocar, por exemplo, três medicamentos numa mesma fórmula. Isso evita que a pessoa precise tomar três drogas diferentes por dia. O tratamento individualizado fez com que a psicóloga Martinha Franco, 46 anos, de São Paulo, se tornasse uma consumidora dos remédios manipulados. Há oito anos, ela encomenda produtos para a pele, como cremes e filtro solar. “É bom saber que o médico pensou mesmo em você”, afirma. O costume é uma herança de família. Seu pai combate a pressão alta com produtos manipulados.

Há mais uma virtude desse tipo de remédio que se destaca entre os consumidores. Por formularem os produtos na medida exata, as farmácias de manipulação conseguem oferecer alternativas mais em conta na maior parte dos casos. Afinal, não há sobras ou desperdício. Mas os farmacêuticos lembram que podem ocorrer situações nas quais os remédios de marca e os genéricos são mais baratos do que os manipulados. Isso porque nem sempre a matéria-prima é facilmente encontrada. Desse modo, a farmácia de manipulação compra pouca quantidade dos ingredientes e o preço do produto encarece.

Com tantos benefícios aparentes, é normal questionar por que eles são pouco recomendados pelos médicos, já que representam apenas 6% do mercado de medicamentos – o restante fica por conta dos remédios de marca, genéricos e similares. Há várias razões para essa performance. Muitos profissionais afirmam que não se sentem seguros em prescrever os manipulados, pois desconhecem o processo de produção dos remédios. “É necessária uma maior divulgação do controle de qualidade. O interessante seria fazer uma campanha de esclarecimento, como aconteceu com os genéricos”, sugere Expedito Ribeiro, cardiologista do Instituto do Coração, de São Paulo. Por falta desse trabalho, o especialista conta que fica inseguro em prescrevê-los e também sente receio, pois no ramo há muitos estabelecimentos “picaretas”. “Problemas assim acontecem em qualquer área, e a melhor forma de preveni-los é divulgar informação para que a população e o médico saibam diferenciar a farmácia boa da ruim”, ensina Tokarski.

Controle – Devido à falta de conhecimento, poucos imaginam o que ocorre de fato num laboratório de farmácia de manipulação. Os diretores da Medicativa, de São Paulo, por exemplo, garantem que o processo de manipulação do produto é rigorosamente controlado. As balanças que medem a quantidade de remédio a ser colocada no frasco são ligadas a computadores. Assim, se o peso estiver acima ou abaixo do indicado, surge na tela um sinal de alerta. “Antes, era o funcionário que verificava a pesagem e existia uma grande margem de erro. Dessa forma, conseguimos acabar com os riscos”, enfatiza o farmacêutico Naftaly Natan Alcalay, da Medicativa.

Outra medida de segurança importante foi tomada no ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela fez uma resolução que criou mecanismos de controle e regulamentou as atividades de manipulação. Hoje, há normas específicas que devem ser cumpridas. A estrutura do estabelecimento precisa estar em bom estado de funcionamento, por exemplo. Antes, a lei era pouco específica e dava margem a erros. “Não por acaso, em 1999 a CPI dos medicamentos trouxe à tona muitas denúncias contra os remédios manipulados”, diz Antônio Carlos Bezerra, gerente de inspeção e medicamentos da agência.

A Anfarmag também está desenvolvendo estratégias para garantir a segurança dos manipulados. A entidade fez um convênio com laboratórios que fazem análise de controle de qualidade com o objetivo de verificar a eficácia de amostras. Cerca de 1.600 farmácias associadas à Anfarmag já participam do programa. “Quando é apontada alguma falha na matéria-prima do produto, por exemplo, o material é retirado imediatamente da farmácia”, afirma Tokarski.

Para o ginecologista Eliezer Berenstein, de São Paulo, é preciso tomar atitudes que vão além da fabricação do produto. Uma delas é haver maior interação entre o médico e o farmacêutico. “Os dois precisam estar em contato para estabelecer uma relação de confiança”, sugere o médico, que prescreve remédios manipulados. Outro ponto levantado pelo especialista é que muitos colegas de trabalho têm medo do desconhecido. “Alguns deles não aprenderam sobre farmacologia (estudo dos medicamentos) na faculdade e devido a isso têm receio de perguntar sobre o assunto”, afirma Berenstein. Essa atitude, obviamente, precisa mudar. Caso contrário, o consumidor pode ficar no prejuízo.