A escritora inglesa Agatha Christie (1872-1976), se viva fosse, teria um saboroso e picante prato para escrever um romance policial baseado na terceira versão da morte do mais sanguinário terrorista dos anos 70 e 80, o palestino Abu Nidal, acusado do assassinato de centenas de pessoas. Nidal foi dado como morto pela primeira vez em 1984, pelo jornal kuaitiano Al Watan al Arabi. Dez anos depois, o ditador líbio Muammar Kadafi anunciou sua morte em uma entrevista à revista Newsweek. É bem provável que esta seja a última e definitiva versão, mas talvez nem o perspicaz agente Hércule Poirot, pudesse desvendar os inúmeros mistérios que cercam o "suicídio" de Abu Nidal em seu apartamento em Bagdá, capital do Iraque, anunciado na segunda-feira 19. Segundo o chefe do serviço secreto iraquiano, Jalil Al Jabush, Nidal cometeu suicídio depois de saber que seria investigado pelo governo de Saddam Hussein. Ao ser detido, ele teria pedido aos policiais para trocar de roupa em seu quarto, onde supostamente se matou com um tiro na boca. Jabush afirmou que o terrorista entrou no país com um passaporte falsificado do Iêmen (cidadãos desse país não precisam de visto para entrar no Iraque). Ele teria vindo do Egito, onde estaria fazendo um tratamento para leucemia. O serviço secreto iraquiano, para quem Nidal já havia trabalhado, divulgou fotos de seu suposto cadáver. Uma fonte iraquiana afirmou que o terrorista era o enviado do Kuait para assassinar Saddam Hussein.

Já o jornal palestino Al-Ayyam descartou a possibilidade de suicídio, dizendo que o corpo de Nidal, 65 anos, fora encontrado três dias antes com várias perfurações de bala. O diário ainda afirmou que ele estava no país há 18 meses e só foi detido porque teria entrado em contato com os opositores de Saddam na Jordânia e na Síria. Com as recentes ameaças de uma invasão americana ao Iraque, o ditador iraquiano teria resolvido fazer uma caça às bruxas a todos que pudessem ameaçar seu poder, e o líder terrorista palestino teria caído na rede. O próprio grupo de Abu Nidal, a Fatah – Conselho Revolucionário (F-CR) -, uma dissidência radical da al-Fatah de Yasser Arafat criada em 1974, deu declarações contraditórias. Primeiro, admitiu que seu líder cometera suicídio. Depois, acusou Saddam de assassiná-lo. Finalmente, disse que ele estaria vivo no Líbano. E a Síria, a quem Abu Nidal também serviu em seu serviço de espionagem, garantiu que o "o incansável lutador" não teria se suicidado e creditou sua morte ao trabalho de algum serviço secreto.

"É muito improvável que tenha sido a CIA. Os americanos não teriam essa capacidade de infiltração no Iraque. Por outro lado, é difícil acreditar que os iraquianos não soubessem de sua presença no país. Para Bagdá, a morte de Nidal poderia ser um indício de que, sob o governo de Saddam Hussein, não há terroristas, ao contrário do que diz o governo americano. O crime também poderia ser um favor do governo iraquiano a Yasser Arafat, inimigo de Nidal. Afinal, os palestinos tinham mais acesso a ele. A hipótese menos plausível é que o responsável tenha sido o Mossad (serviço de inteligência de Israel), para quem Nidal havia trabalhado", afirmou a ISTOÉ Michael Hudson, professor de relações internacionais e estudos árabes da Universidade de Georgetown, em Washington. A hipótese, aparentemente contraditória, de Abu Nidal ter trabalhado com o Mossad já tinha sido levantada por Abu Iyad, lugar-tenente de Arafat assassinado por Nidal em 1991, e também foi corroborada pelo biógrafo Patrick Seal.

Até o Egito, onde o líder terrorista passou por último, teria boas razões para assassiná-lo. Um dos motivos seria um acerto de contas. O jornal mais lido pela comunidade árabe, Al Hayat, editado em Londres, afirmou que em 1989 Abu Nidal teria tentado assassinar o presidente egípcio Hosni Mubarak. Afinal, sua política era eliminar qualquer palestino ou árabe que tentasse negociar a paz com Israel. Ele nunca reconheceu o Estado de Israel e colecionou inimigos em mais de 20 países. Foi o primeiro a usar aviões em ataques terroristas. A Abu Nidal são atribuídos mais de 100 ataques, só contra alvos americanos, com cerca de 280 mortos.

Em seus 21 anos de terrorismo, Abu Nidal (que significa pai da luta, em árabe), nome de guerra de Sari al-Bana, foi o autor intelectual do assassinato do embaixador israelense em Londres, Shlomo Argovo, em junho de 1982, um dos pretextos usados pelo então ministro da Defesa, Ariel Sharon, para a invasão israelense ao Líbano, onde se encontravam guerrilheiros palestinos. Também a Abu Nidal se atribuem os ataques simultâneos contra companhias aéreas de Israel e EUA nos aeroportos de Roma e Viena, em dezembro de 1985, que deixaram 18 mortos e 120 feridos; as bombas que mataram 89 pessoas no Kuait em 1985, para pressionar os países árabes a financiar o terrorismo; e o sequestro de um Jumbo da Pan Am em 1986, que resultou na morte de 20 pessoas. Pelo menos metade das vítimas de Nidal eram inimigos árabes. Em 1988, dois desertores da F-CR, Atef Abu Bakr e Abd Irahman Isa, alegaram que Nidal matou 156 companheiros em expurgos.
Como num bom livro de Agatha Christie, a notícia da morte do "Osama Bin Laden dos anos 70 e 80" não foi suficiente para dissipar todas as dúvidas. Há quem afirme que há muito Abu Nidal se foi. Segundo fontes consultadas por ISTOÉ em Nablus, na Cisjordânia, sua morte foi chorada há mais de uma década por sua família.
 

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