No mínimo, de braços cruzados. Essa foi a postura do governo dos Estados Unidos perante o horror dos crimes de tortura, dos sequestros e das execuções sumárias de cerca de 30 mil pessoas durante a última ditadura militar da Argentina (1976-1983). Pior: a embaixada americana em Buenos Aires tinha informações de primeira mão sobre cada passo dos opositores aos regimes ditatoriais na América Latina e nada fez para impedir que caíssem nas garras de seus algozes. “Os Estados Unidos promoveram o terrorismo de Estado em países latino-americanos, nas décadas de 70 e 80 para manter a hegemonia na região”, declarou o arquiteto e escultor argentino Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980. Nada disso é novo, só que agora as provas foram liberadas pelo Departamento de Estado americano. Quase três décadas depois, 4.677 telegramas e cartas confirmam o que era um segredo de polichinelo, com detalhes de como os regimes militares do Cone Sul instalaram suas máquinas de matar e cooperaram entre si através da Operação Condor – que uniu as ditaduras da Argentina, do Brasil, da Bolívia, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, para, em conjunto, levantar e coordenar informações e caçar os opositores desses países.

Os papéis também revelam as operações das grandes multinacionais com a Washington no apoio a violações da legalidade, como foi o caso do general argentino Jorge Videla, que assumiu o poder com um golpe de Estado em março de 1976. “Não fomos acusados de estar por trás deste golpe e a embaixada (americana em Buenos Aires) espera que continue sendo assim (…) Não seria bom nem para eles nem para nós. Não há dúvidas de que os melhores interesses para a Argentina e para nós mesmos estão no êxito deste governo moderado (sic) que agora segue adiante com o general Videla (…) Ele nos prometeu resolver rapidamente nossos problemas de inversões”, relata o documento assinado pelas empresas Exxon, Chase Manhattan, Standard Electric e outras companhias. Em outro documento de 1977, o ex-presidente argentino Fernando de La Rúa, tido como crítico da violação dos direitos humanos, é tratado pelos americanos como um “cínico” por ser “o mais aberto defensor da junta militar”.

A liberação dos papéis, alguns deles até manuscritos, foram negociados durante o governo de Bill Clinton a pedido dos familiares dos desaparecidos. Em agosto de 2000, diante das Mães da Praça de Maio, a então secretária de Estado, Madeleine Albright, comprometeu-se a liberar os documentos e a enviá-los a Buenos Aires.

Nos textos, há referências de pelos menos três brasileiros que foram presos em Buenos Aires: Maria Regina Marcondes Pinto, enviada da Argentina para o Chile; Paulo Antônio de Paranaguá, filho do então embaixador brasileiro no Kuait, e sua mulher, Maria Regina Jacob Pilla.

Mas a revelação mais importante para o Brasil é um telegrama de 20 de agosto de 1976, no qual fica claro a cooperação entre as ditaduras brasileira e argentina. Nesse telegrama, que teve alguns trechos divulgados em 1999, o então secretário de Estado americano, Henry Kissinger, admite: “Uma confiável fonte brasileira descreveu um acordo Brasil-Argentina, segundo o qual os dois países caçam e eliminam terroristas que tentam fugir da Argentina para o Brasil. Unidades militares brasileiras e argentinas já teriam operado conjuntamente e dentro das fronteiras do outro (país) quando necessário.” Até agora, o juiz espanhol Baltasar Garzón (o mesmo do processo do ex-ditador chileno Augusto Pinochet) não conseguiu interrogar Henry Kissinger e é pouco provável que o consiga. O Nobel argentino Esquivel afirmou que apenas parte dos documentos americanos foi divulgada. Os que implicariam diretamente os EUA na “guerra suja” continuarão bem guardados.
 

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